quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A DESINTEGRAÇÃO DA PSIQUE SOB O PESO DA REPRESSÃO

 

A HISTÓRIA DE ED GEIN, O INFAME "AÇOUGUEIRO DE PLAINFIELD"

por Heitor Jorge Lau

            O fascínio humano pelo horror da vida real é um fenômeno complexo, e a história de Ed Gein, o infame "Açougueiro de Plainfield", oferece um mergulho profundo nas sombras mais perturbadoras da psique humana. Sua história não é apenas um registro de crimes hediondos, mas um estudo de caso sobre o isolamento, a repressão psicológica extrema e as consequências devastadoras que podem surgir de uma infância distorcida. O texto a seguir busca desdobrar a vida e os atos de Edward Theodore Gein, de seu passado recluso ao legado assombroso que inspirou o cinema de terror e redefiniu o pesadelo americano.

            Edward Theodore Gein: o horrível legado do Açougueiro de Plainfield

            O nome Edward Theodore Gein ecoa como um sussurro frio na história do crime americano. Nascido em La Crosse, Wisconsin, em 27 de agosto de 1906, Gein, mais tarde conhecido como "O Açougueiro de Plainfield", não se enquadra na imagem tradicional dos seriais killers mais prolíficos. No entanto, a natureza grotesca e bizarra de seus crimes, que envolveram exumação de cadáveres, mutilação e a criação de "artefatos" com restos humanos, catapultou-o para um lugar único e aterrorizante na cultura popular, servindo de inspiração para alguns dos vilões mais icônicos do cinema de terror. Sua história é um conto de horror que se desenrolou no coração rural dos Estados Unidos, em uma pequena e pacata cidade que jamais imaginaria o pesadelo que se escondia por trás das portas de uma fazenda isolada.

            O BERÇO do PESADELO: INFÂNCIA e ISOLAMENTO

            A chave para entender a mente distorcida de Ed Gein reside em sua infância, dominada por uma mãe autoritária, Augusta Wilhelmine Gein. Augusta era uma mulher fervorosamente religiosa, quase fundamentalista, que via o mundo exterior, especialmente as mulheres (com exceção dela própria), como pecaminoso e imoral. Ela incutiu em Ed e seu irmão mais velho, Henry, a crença de que o sexo e qualquer forma de relacionamento social eram perigosos, demonizando a luxúria e a imoralidade a ponto de isolar os filhos de qualquer influência externa. A família vivia em uma fazenda isolada fora de Plainfield, Wisconsin, o que facilitava o controle absoluto de Augusta sobre a vida de seus filhos.

            As atividades sociais de Ed Gein se limitavam à escola, onde ele era considerado estranho pelos colegas, e às tarefas da fazenda. Sua mãe lia passagens da Bíblia sobre a morte e o castigo divino diariamente, reforçando o medo e a submissão. Essa repressão sufocante moldou Ed como um indivíduo terrivelmente tímido, socialmente inábil e completamente dependente da aprovação de sua mãe. O primeiro grande ponto de inflexão na vida de Ed Gein foi a morte de seu pai, George Gein, em 1940. George era um homem passivo, alcoólatra e ineficaz que exercia pouca influência. Sua morte deixou Ed e Henry trabalhando para sustentar a fazenda e cuidar de sua mãe, agora ainda mais controladora.

            Em 1944, um acontecimento sombrio adicionou outra camada à história: a morte de Henry Gein. Um incêndio na fazenda irrompeu, e embora o fogo tenha sido controlado, Henry foi encontrado morto perto da área queimada. Ed foi quem levou as autoridades até o corpo, e a causa oficial da morte foi asfixia, seguida de insuficiência cardíaca. No entanto, havia contusões na cabeça de Henry, e a natureza da relação entre os irmãos - Henry havia expressado preocupação com a influência de Augusta sobre Ed e já havia a criticado na presença do irmão - levantou suspeitas, inclusive anos depois por parte do juiz do caso. Ed Gein nunca foi formalmente acusado pela morte de Henry, mas a especulação persistente sobre seu envolvimento sugere uma deterioração precoce de sua moralidade.

            A Morte de Augusta e a “descida” à loucura

            O ano de 1945 marcou o evento mais decisivo na vida de Ed Gein: a morte de sua mãe, Augusta, após uma série de derrames. Com 39 anos, Ed estava sozinho na fazenda. O choque da perda de sua figura central de controle e adoração, que era a única mulher em sua vida que ele considerava "pura", foi catalítico. Após a morte de Augusta, Gein fechou grande parte da casa, transformando-a em um mausoléu intocado, especialmente o quarto de sua mãe, vivendo apenas na cozinha e em uma área de serviço. Sozinho e sem a presença opressiva, mas estruturante, de Augusta, a mente de Gein começou a se desintegrar. Ele se tornou fascinado por textos sobre anatomia humana, canibais e caçadores de cabeças. O isolamento, a repressão sexual e o luto patológico pela mãe se misturaram, levando a um desejo macabro de "recriá-la" e de se transformar em mulher, o que ele chamava de seu sex change.

            Em seu delírio, Gein passou a exumar corpos femininos de meia-idade recentemente enterrados em cemitérios locais — mulheres que, em sua mente doentia, se assemelhavam a Augusta. Estima-se que ele tenha visitado mais de 40 túmulos, selecionando mulheres de 40 a 50 anos com base na idade de sua mãe quando morreu. Ele retirava os corpos e os levava para a fazenda, onde começou a realizar experimentos macabros e a criar o acervo mais chocante da história do crime.

            Os crimes horríveis e a descoberta da casa do terror

            Ed Gein confessou ter cometido apenas dois assassinatos, embora as circunstâncias de seus atos macabros sugiram que ele fosse suspeito de outros desaparecimentos locais.

            Mary Hogan (1954): Dona de uma taverna local, Mary Hogan desapareceu em dezembro de 1954. Gein admitiu tê-la matado e levado seu corpo para a fazenda.

            Bernice Worden (1957): A dona de uma loja de ferragens de 58 anos desapareceu em 16 de novembro de 1957. Seu filho, o vice-xerife Frank Worden, foi quem a encontrou desaparecida e, com base em um recibo recente da loja, suspeitou de Ed Gein, que era o último cliente conhecido.

            A prisão de Gein e a subsequente busca em sua fazenda chocaram a nação e revelaram a extensão inimaginável de seus crimes. Ao entrar na casa isolada, os policiais descobriram uma cena de horror que parecia ter saído de um pesadelo. Os corpos de Mary Hogan e Bernice Worden foram encontrados mutilados, e a polícia encontrou uma coleção grotesca de "souvenirs" feitos de restos humanos:

- Uma tigela feita com a parte superior de um crânio humano.

- Cadeiras estofadas em pele humana.

- Máscaras feitas com a pele do rosto de suas vítimas, que Gein usava para dançar sob a luz da lua cheia, em uma tentativa de se tornar ou incorporar as mulheres.

 - Um cinto feito de mamilos femininos.

- Meias e abajures feitos de pele humana.

- Um "terno" ou "colete" de pele humana, que ele usava para, em seu delírio psicótico, "sentir-se como mulher".

            O horror da fazenda de Gein, que estava em total estado de degradação e insalubridade, expôs um nível de psicose raramente visto. Gein alegou que a maioria dos restos humanos vinha dos cemitérios locais; o ato de matar pessoas era apenas uma pequena parte de seu modus operandi maior de profanação.

            JULGAMENTO, INSANIDADE E LEGADO

            Edward Gein foi preso e, durante o interrogatório, relatou os detalhes de seus crimes com uma calma assustadora. Ele foi acusado de assassinato em primeiro grau pela morte de Bernice Worden. Em seu julgamento inicial, em 1958, ele foi considerado legalmente insano, diagnosticado com esquizofrenia. Ele foi transferido para o Central State Hospital for the Criminally Insane (mais tarde Mendota State Hospital), onde passou a maior parte do resto de sua vida. Em 1968, Gein foi considerado mentalmente apto para ser julgado pelo assassinato de Worden. Embora tenha sido considerado culpado, o juiz o declarou "não culpado por insanidade", o que significava que ele havia cometido os atos, mas não era responsável por eles devido à sua condição mental. A fazenda de Gein, que havia se tornado uma atração macabra, pegou fogo e foi destruída em 1958, enquanto Gein estava detido, um evento que muitos locais viram como uma intervenção divina para purificar o solo. Ed Gein passou seus últimos anos em instituições psiquiátricas, trabalhando em tarefas simples, sendo considerado um paciente relativamente tranquilo. Ele faleceu de insuficiência respiratória e câncer em 26 de julho de 1984, aos 77 anos. Ele foi enterrado ao lado de sua mãe no cemitério de Plainfield.

            O ÍCONE DO HORROR NA CULTURA POP

          A história de Ed Gein e os horrores encontrados em sua fazenda chocaram a sociedade americana da década de 1950. No entanto, o seu legado mais duradouro se manifestou na cultura popular, onde ele se tornou uma das maiores inspirações para o gênero de terror. Seus atos ajudaram a definir a figura do serial killer rural e psicótico, um monstro que se esconde à vista de todos nas pequenas cidades americanas.

            Três dos personagens mais icônicos do cinema de terror foram diretamente inspirados em Ed Gein:

- Norman Bates (Psicose, 1960): o romance de Robert Bloch e o filme de Alfred Hitchcock, que estreou apenas três anos após a prisão de Gein, apresentaram um assassino isolado, fixado em sua mãe morta, que guardava o corpo da mãe e se vestia como ela.

- Leatherface (O Massacre da Serra Elétrica, 1974): o vilão do filme de Tobe Hooper usa uma máscara feita de pele humana, uma referência direta aos "ternos" e máscaras confeccionadas por Gein. A ambientação rural e a família disfuncional também ecoam a história de Plainfield.

- Buffalo Bill (O Silêncio dos Inocentes, 1991): o assassino do romance de Thomas Harris e do filme de Jonathan Demme tem como objetivo criar um "traje feminino" feito com a pele de suas vítimas, uma referência perturbadora e inconfundível aos objetos de vestuário de Gein.

            Ed Gein provou que o horror não precisava vir de monstros mitológicos, mas podia nascer da solidão, da repressão e da doença mental nas paisagens mais comuns. O "Açougueiro de Plainfield" não foi o serial killer mais prolífico em termos de número de vítimas, mas sua obsessão macabra por anatomia, sua profanação de cemitérios e a maneira como ele transformou restos humanos em artefatos domésticos cimentaram seu lugar como um dos criminosos mais bizarros e perturbadores da história.

          A atração por histórias como a de Ed Gein reflete a necessidade humana de confrontar a escuridão, de tentar entender o inexplicável. Gein nos forçou a olhar para a doença mental não tratada, para os efeitos de um ambiente doméstico opressor e para o quão fino pode ser o véu que separa a normalidade da insanidade mais profunda. A fazenda em Plainfield, que um dia foi seu isolado refúgio, tornou-se, por meio de seus atos, um símbolo eterno do horror que pode florescer nas sombras da América rural. A história de Ed Gein continua a nos assombrar, não apenas por seus crimes, mas pelo que eles revelam sobre a fragilidade da mente humana e a face insondável do mal real.

o LEGADO da SOMBRA: QUANDO o MAL se TORNA MITO

            Edward Theodore Gein, o "Açougueiro de Plainfield," faleceu em um hospital psiquiátrico, levando consigo os segredos mais profundos de seu isolamento e sua mente fraturada. No entanto, o verdadeiro legado de Gein não reside em seu túmulo sem lápide, mas na mitologia que ele involuntariamente gerou. Ao inspirar ícones do terror como Norman Bates, Leatherface e Buffalo Bill, ele provou que o horror mais eficaz é aquele que ecoa a possibilidade real; o monstro que se disfarça de vizinho esquisito. O que os crimes de Gein confirmam é a existência de uma capacidade para o mal que não requer forças sobrenaturais, mas apenas o ambiente tóxico e a ausência de freios psicológicos para florescer. Sua história é um lembrete permanente da escuridão latente na experiência humana. Para a maioria, essa potencialidade sombria permanece uma abstração, um instinto primitivo reprimido e nunca despertado. Para Gein, o coquetel de repressão materna e solidão profunda serviu como a chave para abrir a cela da monstruosidade. Ao final, o Açougueiro de Plainfield não é apenas um estudo de caso psicológico ou um capítulo na história do crime; ele é uma advertência severa, um ícone cultural que personifica a inquietante verdade de que as sementes do horror mais grotesco podem estar silenciosamente plantadas na psique de qualquer ser humano, esperando apenas o catalisador perfeito para germinar em um pesadelo da vida real. E é esse reconhecimento da nossa própria vulnerabilidade ao abismo que garante que seu nome continuará a nos assombrar.

O INEXPLICÁVEL FASCÍNIO PELO ABISMO

A REVELAÇÃO DA SOMBRA HUMANA

            Existe uma verdade perturbadora que reside no cerne da atração humana pelo true crime: a curiosidade mórbida sobre o abismo. Não se trata apenas de examinar os atos de um indivíduo, mas de vislumbrar a face mais sombria da humanidade - o lado escuro que reconhecemos, com um calafrio, estar latente em potencial dentro de cada um de nós. A história de Edward Theodore Gein, o infame "Açougueiro de Plainfield", não é apenas o registro de um assassino; é uma parábola sobre o mal em estado bruto, a desintegração da psique sob o peso da repressão e o horror que pode ser cultivado em um isolamento total. Contudo, o que realmente nos assombra em Gein é a pergunta não respondida: o que desperta a escuridão? Nascemos com o potencial para a monstruosidade, um instinto primordial que, na maioria dos indivíduos, é neutralizado pela razão, pela moralidade e pelo tecido social. Mas, no caso de Gein, a teia de influências externas - uma mãe fanática, o isolamento social e uma vida de repressão patológica - serviu como o catalisador perfeito para libertar essa sombra dormente. Ele é o espelho distorcido que nos obriga a confrontar a fragilidade das defesas psicológicas que separam o homem civilizado do monstro. O estudo de Gein, portanto, transcende o true crime e se torna uma exploração angustiante de onde a civilidade termina e o pesadelo de uma alma quebrada começa, revelando o quão tênue é a linha que impede a nossa própria escuridão interior de despertar.

 


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