Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Psicanalista
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social
O imaginário humano possui a capacidade extraordinária de
tornar determinadas ocorrências suscetíveis a exageros e distorções. Esse
processo é típico do homem, ser capaz de adulterar, moldar e certificar
deliberadamente certos aspectos do factual, de acordo com sua visão,
interpretação, sensibilidade, emoção e conveniência.
Mas a pergunta é: como seria a vida sem o extraordinário?
É impressionante como o incomum parece provocar grande fascínio nas pessoas, a
ponto de influir no seu modo de agir e pensar, transformando o excepcional em
mito, crença e em determinados contextos em “verdadeiro”. É importante perceber
que, não raramente, a ficção procura, até mesmo, justificar ou explicar a
realidade.
A página preliminar do livro Pensar o somático:
imaginário e patologia, de Sami-Ali contém uma epígrafe de Ibn Arabi
(1164-1240) que diz o seguinte: “Nada seríamos, não fosse a imaginação”. A
mensagem intrínseca na oração é relevante. Afinal, desde os tempos bíblicos o
imaginário, segundo registros preservados, é uma constante. O caráter e as
proporções que determinados relatos da época alcançaram, delineiam a fé cristã
há milhares de anos, por exemplo.
Cabe ressaltar que, neste momento, não existe qualquer
motivo ou tentativa de pôr em dúvida ou adentrar no mérito da veracidade dos
fatos. A exemplificação elencada almeja suscitar no leitor a reflexão sobre a
potencialidade do imaginário. Deseja evidenciar que certos fenômenos e
manifestações podem permanecer legitimados e certificados por meses, anos,
milênios.
Todavia existem criações, originárias da mesma fase
citada anteriormente, que perderam sua validade por não encontrar mais respaldo
em um contexto mais moderno, mais intelectivo. Criaturas mitológicas como o
Minotauro, por exemplo, foram imaginários que obtiveram sua valorização, sua
veneração e respeitabilidade pelo medo dos castigos impostos por uma eventual
desconsideração. Mas o ser humano evolui e parte daquilo que foi pertinente um
dia deixa de ser noutro.
O homem ao nascer, independentemente do período
histórico, apesar de dotado da capacidade de raciocinar, primeiramente imagina.
O primeiro contato com os objetos, sons, odores é assimilado pelos sensores
físicos, mas a significação não possui lógica ou comparação com alguma
experiência vivenciada, portanto, não passa de pura imaginação. Pois é
justamente este imaginário que constitui os sentidos e molda a gênese do mundo
de cada vivente.
Afinal, se o imaginário já faz parte do indivíduo desde
sua concepção, por que não é aceito com naturalidade por algumas pessoas?
Quiçá, simplesmente pelo fato de o termo comportar certa confusão semântica
desde sua origem. Numa acepção mais simplista, é compreendido como desvario e
ausência de honestidade, ou seja, qualquer criação oriunda do imaginário é
encarada com incredulidade e suspeição. Se o racional tem status de verdadeiro,
a imaginação é produto do inconsistente.
Teorias à parte, o fato é que todo ser humano possui uma
essência imperscrutável e o imaginário lhe pertence. É nesse universo
insondável, repleto de segredos, que os dados e as informações do mundo físico
são reprocessadas sob uma nova roupagem, um novo significado, onde o lobo vira
lobisomem, o morcego transforma-se em vampiro, e a mula-sem-cabeça, que além da
ausência da caixa craniana, ainda serve de protagonista de histórias
assustadoras.
Mas o imaginário não aflora somente em relatos e lendas
espantosas. A arte, de forma geral, é inspirada, sim, pela capacidade
imaginativa do poeta, do compositor, do pintor, do escritor. Nela são
encontradas todas as maneiras imaginativas de traduzir o já manifesto e
compreendido, descritas de forma a atiçar a mente e o coração do homem que,
além de racional, é também emocional.
Os exemplos anteriores denotam a presença do imaginário
como fomentador da imaginação. Essa consideração parece sem nexo ou redundante,
mas aquele que lê, assiste ou ouve, aprecia e constrói o seu imaginário pessoal
de acordo com a sua interpretação e conveniência. Conclui-se, então, que não há
como negar: o imaginoso sempre esteve e sempre fará parte do cotidiano do
homem, mesmo porque essa capacidade lhe é conferida naturalmente.
Assim, após uma explanação, mesmo que deveras sucinta
sobre o tema imaginário, foi possível observar que o mundo real coexiste com o
irreal explícito e suscitado e, por que não afirmar, ainda, que os dois
necessariamente dependem um do outro porque a reflexão, tão necessária na
humanidade, é instigada pela controvérsia. E, o imaginário quase sempre
desperta a curiosidade e provoca a polêmica, a discussão.
Também, os produtos da imaginação possuem sentidos
conotativos, por isso estão sujeitos à discriminação como sendo oriundos dos
insanos ou loroteiros. Segundo Malebranche (apud DURAND, 1998, p. 10), a
imaginação “é suspeita de ser a amante do erro e da falsidade”. Aqui se percebe
que a subjetividade não é interpretada no sentido literal da palavra. O
subjetivo é particular e indeterminável, portanto, deveria ser isento de
crítica ou comparação, entretanto, muitas vezes não é.
Outro detalhe, talvez o mais importante, é que o
imaginário não é restrito àquele que é dotado de maior capacidade intelectual
ou cultural. Logo, qualquer um pode construir, usufruir e disseminar uma ideia
oriunda da imaginação. Por isso, o imaginário tem a potencialidade de difundir
as representações coletivas do povo como é o caso das lendas e histórias populares.
O imaginário, enquanto propriedade própria do ser humano,
se entretece com o real por meio da criação metafórica do mundo numa
reciprocidade da qual só de modo paulatino e por meio de uma gradual
compreensão podem desprender-se como termos distintos. Portanto, a verdade é
que o imaginário se tornou parte integrante e indissociável da elaboração de
qualquer discurso proferido pelo homem e do qual não pode prescindir.