terça-feira, 30 de março de 2021

Um cérebro normal: como identificar? Eis a questão!

 

Um cérebro normal: o que vem a ser isso?

                O que sabemos até agora sobre o cérebro humano? Ele interfere com as memórias, salta quando vê sombras, tem pavor de coisas inofensivas, dá cabo da dieta, sono e movimento, convence-nos de que somos brilhantes quando não somos, inventa metade das coisas que percebemos, leva-nos a fazer coisas irracionais quando estamos emotivos, faz-nos criar amigos de forma incrivelmente rápida e odiá-los mais rapidamente ainda. Uma lista preocupante. O que é ainda mais preocupante é que faz tudo isto quando funciona bem. Então o que acontece quando o cérebro começa a bater mal?

                Os distúrbios neurológicos se devem a problemas físicos ou perturbação do sistema nervoso central, como lesões no hipocampo que causam amnésia ou degradação da substância negra que provoca a doença de Parkinson. Estas coisas são horríveis, mas normalmente têm causas identificáveis (embora geralmente não possamos fazer grande coisa em relação a elas). Manifestam-se sobretudo como problemas físicos, como convulsões, distúrbios do movimento ou dor (enxaquecas, por exemplo).

                Para invocar mais uma vez a comparação dúbia com um computador, um distúrbio neurológico é um problema de hardware, ao passo que um distúrbio mental é um problema de software (embora haja uma ampla sobreposição entre os dois, não é de todo clara).

                Como definimos um distúrbio mental? O cérebro é constituído por milhares de milhões de neurônios que formam bilhões de ligações que produzem milhares de funções resultantes de inúmeros processos genéticos e experiências aprendidas. Não há dois exatamente iguais, portanto como determinamos qual o cérebro que funciona normalmente e qual o que não funciona? Cada indivíduo possui a sua lista particular de hábitos estranhos, peculiaridades, tiques ou excentricidades, os quais estão frequentemente integrados na sua identidade e personalidade. A sinestesia, por exemplo, não parece causar problemas de funcionamento a ninguém: muitas pessoas não se dão conta de que têm algo errado até receberem olhares de lado por dizerem que gostam do cheiro da cor púrpura.

                Os distúrbios mentais são geralmente descritos como padrões de comportamento ou pensamento que provocam desconforto e sofrimento ou redução da capacidade para “funcionar na sociedade normal”. Este último detalhe é importante! Significa que para um distúrbio mental ser reconhecido é preciso ser comparado com o que é “normal”, e isso pode variar consideravelmente ao longo do tempo. Só em 1973 é que a Associação Americana de Psiquiatria deixou de classificar a homossexualidade como um distúrbio mental (se bem que ainda existem pessoas que insistem que isso é um distúrbio digno de tratamento psicológico).

                Os profissionais na área da saúde mental estão constantemente reavaliando a categorização de distúrbios mentais devido aos avanços das novas terapias e abordagens, mudanças nas escolas de pensamento dominantes, inclusive a influência preocupante das empresas farmacêuticas, que gostam de ter novas doenças a que possam vender medicação. Tudo isto é possível porque, de perto, a linha entre o distúrbio mental e o mentalmente normal é incrivelmente tênue e indistinta, geralmente pautada em decisões arbitrárias baseadas nas normas sociais.

                Se juntarmos a isso o fato de serem tão comuns (uma entre quatro pessoas sente alguma manifestação de distúrbio mental), é fácil de ver por que razão os problemas de saúde mental tornaram-se uma questão tão controversa. Mesmo quando são reconhecidos como algo real (o que está longe de ser um dado confirmado), a natureza debilitante dos distúrbios mentais é frequentemente rejeitada ou ignorada por quem tem a sorte de não ser afetado. Existe igualmente um debate acalorado sobre como classificar os distúrbios mentais. Por exemplo, muita gente diz doença mental, mas há quem considere esta expressão enganadora: implica alguma coisa que pode ser remediada, como a gripe. Os distúrbios mentais não funcionam assim: na maior parte das vezes não há um problema físico a remediar, o que significa que uma cura é difícil de identificar. Enfim, comparar a “anormalidade” com a “normalidade” atribuída pela sociedade é um risco. Afinal, o que é normal na sociedade atual?

A essência do homem

 

O Bicho Homem

                Qual a razão da espécie humana ser concomitantemente racional e primitivo em alguns aspectos da vida? Existe um elemento negativo que diferencia o homem da existência animal: a ausência relativa, no homem, de uma regulamentação instintiva do processo de adaptação ao mundo que o rodeia. O modo de adaptação do animal a seu mundo é sempre o mesmo e se o seu “equipamento” instintivo não mais estiver apto a fazer face a um meio em transformação, a espécie perecerá. O animal pode adaptar-se a condições mutáveis, modificando o seu meio. Dessa maneira, ele vive harmoniosamente, não na acepção de ausência de luta, mas na de que seu equipamento herdado se torna uma parte fixa e imutável de seu mundo: ou ele se adapta ou morre.

                Quanto menos complexo e rígido for o equipamento instintivo dos animais, tanto mais desenvolvido será o cérebro e, por conseguinte, sua capacidade de aprendizagem. O aparecimento do homem pode ser definido como tendo ocorrido no ponto do processo da evolução em que a adaptação instintiva atingiu o seu mínimo. Ele aparece, porém, com novas qualidades que o diferenciam do animal: sua consciência de si mesmo como entidade independente, sua capacidade de lembrar do passado, de visualizar o futuro e de indicar objetos e atos por meio de símbolos; sua razão para conceber e compreender o mundo; e sua imaginação que alcança bem além do limite de seus sentidos.

                O homem é o mais inerte dos animais, mas essa mesma debilidade biológica é a base de sua força, a causa primordial do desenvolvimento de suas qualidades especificamente humanas. A consciência de si mesmo, razão e imaginação romperam a harmonia que caracteriza a existência animal. O seu surto fez do homem uma anomalia, a aberração do Universo. Ele faz parte da Natureza, está sujeito a suas leis físicas e é incapaz de muda-las, no entanto ultrapassa o resto da Natureza. Tendo consciência de si mesmo, percebe sua importância e as limitações de sua existência. A razão, a bênção do homem, também é a sua maldição; ela o força a enfrentar incessantemente a tarefa de resolver uma insolúvel dicotomia.

                A existência humana, nisto, difere da de todos os outros organismos; acha-se em um estado de desequilíbrio constante e inevitável. A vida do homem não pode “ser vivida” repetindo o padrão de sua espécie: ele tem de viver. O homem é o único animal que pode aborrecer-se, que pode ficar descontente, que pode sentir-se expulso do paraíso. O homem é o único animal para quem sua própria existência é um problema que ele tem de solucionar e do qual não pode fugir. Ele não pode voltar ao estado pré-humano de harmonia com a Natureza; tem de prosseguir para desenvolver sua razão até que se torne o senhor da Natureza e de si mesmo. O aspecto mais saliente do comportamento humano é a tremenda intensidade de paixões e anelos revelada pelo homem. Freud, mais do que ninguém, reconheceu esse fato e procurou explica-lo em função das ideias mecanistas-naturalistas de seu tempo.

                Ele partiu da hipótese de que as paixões que eram expressões evidentes do instinto de conservação e do instinto sexual eram tão obstantes apenas manifestações mais indiretas e complicadas daqueles mesmos impulsos instintivo-biológicos. Brilhantes como sejam, entretanto, suas suposições não convencem ao contestar o fato de que grande parte das aspirações do homem não pode ser explicada pela força dos instintos. Mesmo que a fome, a sede e os desejos sexuais do homem estejam completamente satisfeitos, ele não está satisfeito. Em contraste como o animal, seus problemas mais compulsórios não estão ainda resolvidos, mas apenas iniciados. Ele anseia por poder ou por amor ou destruição; arrisca a sua vida por ideais religiosos, políticos ou humanistas. São esses os anelos que constituem e caracterizam a peculiaridade da vida humana. De fato, “nem só de pão vive o homem”.

 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Comunicação Sensorial - uma vida elétrica por natureza

 

COMUNICAÇÃO SENSORIAL

UMA VIDA ELÉTRICA POR NATUREZA

Tudo que você está lendo neste minúsculo texto (letra por letra) está, neste exato momento, chegando ao cérebro sob a forma de sinais eletroquímicos. Sim! Sinais eletroquímicos. Aparentemente, a impressão é de que o cérebro possui acesso direto com o mundo exterior, contudo, não é tão simples assim. Vamos exemplificar: toque um livro (ou algum outro objeto) próximo. A sensação do toque não acontece diretamente na mão porque não se trata de uma experiência direta. Muito embora a impressão é de que o tato acontece nos dedos ou mãos, a experiência do tato ocorre no cérebro.

Portanto, todas as experiências sensoriais acontecem dentro do cérebro, ou seja, a visão não acontece nos olhos, a audição não acontece nos ouvidos, o olfato não acontece no nariz, e assim por diante. Enfim, o cérebro nunca visualizou e jamais visualizará o mundo exterior. Os órgãos do sentido – olhos, ouvidos, nariz, boca e pele – são os responsáveis diretos pela condução das informações exteriores chegarem até o cérebro. Eles detectam as fontes de fótons, ondas de compressão de ar, concentrações moleculares, pressão, texturas, temperaturas... e as traduzem em sinais eletroquímicos. A partir daí os sinais “correm” por densas redes de neurônios, as principais células sinalizadoras do cérebro.

Existem bilhões de neurônios no cérebro humano, e cada um deles envia dezenas ou centenas de pulsos elétricos a milhares de outros neurônios a cada segundo de vida. Tudo que é percebido não passa de sinais eletroquímicos. A complexa arquitetura biológica do ser humano criou diversos mecanismos para converter as informações do mundo exterior em sinais eletroquímicos. Estes são alguns mecanismos do corpo: células ciliadas no ouvido interno; receptores de tato na pele; papilas gustativas na língua; receptores moleculares no bulbo olfativo e fotorreceptores no olho. Todos os sinais do meio ambiente em que o ser humano se encontra são traduzidos nos sinais eletroquímicos enviados pelas células cerebrais.

Desta forma, somente desta forma, o cérebro terá condições de utilizar as informações existentes fora do corpo. Por exemplo: os olhos convertem (ou traduzem) fótons em sinais elétricos; os mecanismos do ouvido interno convertem as vibrações na densidade do ar em sinais elétricos; os receptores da pele (e dentro do corpo) convertem pressão, estiramento, temperatura e substancias químicas irritantes em sinais elétricos; o nariz converte moléculas de odor flutuantes, e a língua converte moléculas de sabor em sinais elétricos. Enfim, as sensações somente acontecem por intermédio de um trabalho conjunto, rigorosamente orquestrado por esse complexo e fascinante mundo chamado corpo humano.