“Qual
a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa? ” Freud.
Introdução
O conteúdo
a ser desenvolvido neste trabalho pretende estudar o quanto a mente do ser
humano pode se tornar vulnerável e instável a partir de estruturas mentais
herdadas e estruturas mentais estimuladas e constituídas pelo ambiente. Para
tanto será realizada uma revisão bibliográfica para sustentar a redação. Algumas
das bibliografias utilizadas para fundamentar o texto são de áreas distintas,
porém, inter-relacionadas em alguns aspectos a fim de constituir um conteúdo
multi-interdisciplinar reflexivo. Os capítulos I e II iniciais não se
aprofundam muito no assunto por dois motivos: - o espaço total dedicado é
deveras pequeno para uma extensão mais substancial; - opcionalmente foram
dedicadas mais linhas para os capítulos subsequentes. A intenção primeira da
essência do trabalho é discorrer, também, sobre assuntos transversais à
Psicanálise, porém, relacionados. Replicar em outras palavras as questões e
ideias que já foram debatidas ou redigidas, talvez, não agregue tanto valor e
seja repetitivo. Cabe ressaltar que neste contexto intencionalmente reflexivo,
o olhar da argumentação estará fixado sobre psiconeuroses de caráter
psicológico e intátil, nunca sobre problemas mentais de ordem física porque tal
enfoque exigiria um artigo exclusivo para tal viés.
O intuito
deste tema é provocar a reflexão sobre o quanto o Psicanalista precisa estar
preparado para “ler” discursos, sentimentos, comportamentos e reações
inesperadas e abruptas, oriundas de estruturas mentais alicerçadas muito antes
do nascimento e outras fomentadas após. Intrinsicamente, objetiva também, acenar
para o fato de que tal interpretação somente será possível mediante uma mente
psicanalítica sem fronteiras e preconceitos, não engessada e isenta de soluções
pré-formatadas. Afinal, as neuroses frutificam por “gatilhos traumáticos”
porque nas profundezas da mente já existiam aptidões para tal, à espera da
ocasião oportunista.
O Aparelho
Psíquico, teoricamente, parece ser dotado de duas “dimensões”: - Dimensão Nata – capítulo 1.1
-, aquela que é herdada por intermédio do DNA, estritamente afiliada às
heranças genéticas dos antepassados – avós, pais, tios, ...; - Dimensão da Natureza Humana – capítulo
1.2 -, herdada da própria espécie humana (animal), independente da
hereditariedade sanguínea. A primeira dimensão comporta todas, muitas ou poucas
características peculiares dos parentes antepassados, ou seja, restritas ao
círculo familiar e que diferenciam indivíduos consanguíneos das outras pessoas
por detalhes, talvez imperceptíveis. A segunda, muito mais genérica, insere no
ser humano formas de pensar e agir que o diferencia das outras espécies.
Diante
destas duas dimensões inalienáveis resta perceber que ainda é possível conceber
uma terceira dimensão: - Dimensão Social
– capítulo 1.3 -, na qual abarca a historicidade singular de cada
ser humano, desde a gestação/nascimento até o presente momento. Esta dimensão
comporta eventos das mais variadas espécies – estabelecidos pelo convívio
familiar, escolar, social, profissional, sentimental, sexual e individual, este
último plenamente sedimentado pelos demais. Surge então, os Mecanismos do Aparelho Psíquico – capítulo
1.0 -. Mecanismos porque são três dimensões ou processos maquinais,
espontâneos e independentes da vontade, os quais moldam ou dotam a mente de
informações que irão em algum momento, de uma forma ou de outra, influenciar a
construção de sentimentos e comportamentos.
A saber,
duas abordagens que antecedem as considerações finais foram inseridas neste
trabalho: - A Força da Dimensão Social
na Psique – capítulo 2.0 -, que pretende salientar o poder de
influência do meio social sobre os Mecanismos do Aparelho Psíquico; - A Interpretação das (Im)Possibilidades
– capítulo 3.0 -, cujo conteúdo pretende destacar o grau de atenção
que o Analista precisa dedicar no decorrer das Associações Livres durante as
sessões. Os termos ora utilizados neste trabalho - dimensão e mecanismos do
aparelho psíquico – não dizem respeito ou traduzem os modelos, teorias ou
divisões do aparelho psíquico (Id, Ego, Superego, Cs, Pcs e Ics), e não intenta
recriá-los ou refutá-los. Em suma, a concepção
deste conteúdo é absolutamente teórica e
especulativa, e foi sedimentada por um descortinamento científico e
psicanalítico, sempre sob o prisma do despertar da curiosidade e olhar
reflexivo.
1. Mecanismos
do Aparelho Psíquico
1.1 Dimensão Nata
A Dimensão
Nata dos Mecanismos do Aparelho Psíquico é aquela na qual encontram-se as
características hereditárias, ou seja, heranças congênitas provenientes da
progênie – pais, avós, tios e demais parentes consanguíneos. A ancestralidade,
segundo os geneticistas do comportamento, exerce influência considerável sobre
o comportamento do ser humano além de determinadas características físicas como
a matiz dos olhos, estatura, estrutura capilar, feições faciais, dentre outras.
Existem estudos científicos que afirmam que a influição do DNA ocasiona comportamentos patogênicos como o
alcoolismo, esquizofrenia, emoções destemperadas, dissociabilidade, dentre
outras.
Apesar
desta dimensão ser inalienável porque independe da escolha do indivíduo ou de
algum artifício científico modelador, ela não pode e sequer deve ser
considerada determinante única do comportamento humano no decorrer da vida. Os
traços físicos, na maioria dos casos, serão mais imperativos ao DNA, ao
contrário das características comportamentais, as quais também são moldadas por
outras dimensões que serão descritas adiante. Seria sensato reconhecer que toda
laboração genética, por si só, isoladamente, não resulta em sistemas neurais
prontos e comportamentais definitivos. Existe, sim, um processo epigenético
capaz de concatenar aspectos ontogênicos com filogênicos e ambientais.
Como exemplo seria
interessante observar que nem todo descendente de progenitor ébrio nasce
alcóolatra. O organismo humano não é dotado de um gene específico que conduz
para a dependência química, seja ela qual for. Contudo, a copulação entre
parceiros dependentes químicos (ou apenas um deles) pode resultar na
deficiência do Sistema Dopaminérgico ou Serotoninérgico do ser humano em
desenvolvimento uterino, ambos relacionados ao sistema nervoso. Portanto, é
sensato e possível interpretar que a carga genética herdada por ancestralidade
pode influenciar o comportamento humano.
1.2 Dimensão
da Natureza Humana
A Dimensão
da Natureza Humana dos Mecanismos do Aparelho Psíquico é resultado independente
da consanguinidade. Ela aproxima os seres humanos por características
peculiares à espécie e os diferencia nitidamente das demais. Todavia, não há
como ignorar o fato de que o ser humano, enquanto mamífero, compartilha muitas
similitudes com várias outras espécies mamíferas. A principal delas que mais se
assemelha aos humanos são os antropoides (gibões, orangotangos, gorilas e
chimpanzés).
Apesar do
homem não ser tão simiesco na aparência e nas faculdades mentais,
incrivelmente, o percentual que difere o DNA humano de um chimpanzé é de 1,6% e
2,3% se comparado ao gorila. Os percentuais aqui
citados estão muito longe de serem considerados insignificantes, pelo
contrário, qualquer índice mínimo no que diz respeito a estrutura genética do
ser humano sempre é considerável. Certamente o “manual de instruções” do
organismo humano, o genoma (parte funcional do DNA), responde por toda a
estruturação do corpo desde a formação até o seu funcionamento. O cérebro
humano deveras maior, herdou várias características dos antropoides, logo, não
seria fantasioso presumir que algumas delas carregam por herança muitas formas
instintivas ou primitivas de agir. Talvez a aptidão para os comportamentos
compulsivos, esquizofrênicos, paranoicos, catatônicos, delirantes, psicóticos,
enfim, várias idiossincrasias poderiam advir de heranças de outras espécies.
O que existe de concreto é que o evolucionismo
tratou de compensar as nítidas semelhanças e diferenças marcantes entre humanos
e não humanos através do aperfeiçoamento da capacidade racional. É concreto que
a evolução das faculdades mentais dos homens não lhe conferiu a perfeição nas
funções sensoriais da visão, audição, olfato, ... e não lhe permitiu sobreviver
naturalmente ao frio, calor, seca, ... enfim, dentre milhões de espécies, o ser
humano está longe de ser detentor do melhor desempenho vital do planeta.
Portanto, desconsiderando qualquer aspecto fenomenológico ou ontológico, com
tantas heranças depreciativas, seria negligente ignorar que algumas
deficiências mentais capazes de abalar o Aparelho Psíquico possam ter sido
herdadas. Fica a questão: as Dimensões Nata e da Natureza Humana podem exercer
influência sobre o Aparelho Psíquico? Provavelmente (ou especulativamente) sim!
1.3 Dimensão
da Social
Após uma breve “viajada” pelas dimensões genéticas é
chegado o momento de discutir sobre a dimensão que não é herdada geneticamente,
todavia, difícil de controlar e conduzir no decorrer do desenvolvimento do
Aparelho Psíquico. Imprudente seria aquele que considerar a Dimensão Social (ou
fator ambiental) menos intensa na influência do Aparelho Psíquico do que a
hereditariedade. Talvez esta dimensão seja, supostamente, a mais preponderante.
Mas é relevante refletir que uma experiência negativa no transcorrer da vida
pode tanto resultar em comportamento desfavorável (menos intenso, igual ou mais
intenso) como contrário a vivência. Como exemplo, uma criança que vivenciou
cenas impróprias de um progenitor alcoólatra durante toda a infância pode
evitar o consumo de bebida alcoólica na fase adulta, justamente por lembrar de
fatos entristecedores. Mas, sendo o comportamento contrário ou imitativo, ainda
assim, trata-se de uma influência do meio.
Um bebê recém-nascido, por
exemplo, reage (e prefere) aos estímulos ambientais com fala serena, tom
apropriado, temperatura ambiente acolhedora, ruídos estridentes abrandados, já
no seu primeiro instante de vida, aparentemente, com mais tranquilidade. Afim
de enriquecer esta argumentação, Wilhelm Ludvig Johannsen, botânico
dinamarquês, fisiologista vegetal e geneticista que em 1909 criou o termo gene
é “convidado” para esta discussão. A partir dos seus estudos ficou comprovado
que o Fenótipo
é resultado direto das características dos genes humanos, porém, sob forte
influência de fatores estritamente ambientais, e, por conseguinte, de uma forte
possibilidade interativa entre ambos. Fica muito fácil de compreender o
anteriormente expresso com a seguinte exemplificação: um filho adotado terá
forte tendência de se comportar como os pais adotivos (força do meio ambiente),
contudo, manterá os traços fisiológicos e orgânicos dos progenitores biológicos
(força da hereditariedade). Portanto, é interessante considerar que o Fenótipo
é a expressão do Genótipo sob a influência direta da
Dimensão Social, ou seja, as características genéticas advindas da
ancestralidade, inevitavelmente, sofrerão alterações substanciais. Desta feita,
tudo leva a crer que os Mecanismos do Aparelho Psíquico são “bombardeados” por
três dimensões distintas, porém, interativas.
2. A
força da Dimensão Social na Psique
O pensador grego Heráclito idealizou
a Unidade dos Opostos. Segundo ele, tudo que porventura pudesse vir a existir
na vida seria rigorosamente composto por eventos singularmente opostos, contudo
complementares. O significado da ideia foi que naturalmente sempre existirão
contradições ou divergências de opinião, concepções e percepções de vida em
desacordo, mas, que invariavelmente devem ser entendidas como naturais, e
consequentemente aceitas. Assim, qualquer tentativa de suprimir as contradições
convergiria, segundo ele, na extinção da realidade porque ela é inconstante e
detentora dos opostos.
A partir desta conjectura
seria possível assumir que o desenvolvimento da mente humana tem a sua gênese
no exercício da percepção de si e das experiências sociais, na geração de novos
saberes e, particularmente, na adaptação as novas realidades, muitas delas completamente avessas as próprias
convicções. Sob uma ótica confiante seria quase um aprendizado a partir da
tolerância, entretanto, muitas vezes o aprendizado converte-se em adversidade.
O grau de tolerância existente em cada indivíduo é oriundo dos paradigmas
elaborados e praticados durante a vida por motivos
síncronos: os psicológicos. O exemplo disso pode ser percebido nos reflexos
que o grau de autoestima, a capacidade adaptativa e a tolerância as imposições
da vida social exercem sobre a vida pessoal. O desenvolvimento e aprimoramento
(ou o desarranjo) do Aparelho Psíquico ocorre a partir do estado intelectual e
emocional derivado da Dimensão Social. “Engana-se quem diz que o homem é um
animal que aprendeu a pensar. Na verdade, ele continua aprendendo a pensar.
[...] Mas o ato de pensar não é uma dádiva apenas da biologia; depende também
da vida social. [...] o que difere o homem dos animais é o pensamento, mas não
se deve esquecer que o que difere os homens uns dos outros é a qualidade desse
pensamento”. (MUSSAK,
2003, p. 29)
O tempo que o ser
humano convive com diversas pessoas no cotidiano é recheado de expressões de
euforia e ódio, desfechos de contentamento e insatisfações. Assim, o grau de dificuldade
e complexidade para “forjar uma armadura” capaz de proteger a mente das
perturbações psíquicas oportunistas é imenso. O homem, obrigatoriamente, é um
ser social. Logo, ele encontra-se infinitamente distante da condição de homo clausus (homem fechado em si mesmo)
porque simultaneamente influencia e é
influenciado pelo mundo que o cerca. É possível compreender esta alegação
bilateral na medida em que se reflita sobre o ciclo inicial de vida de todo
indivíduo. O homem ao nascer é recebido e amparado por várias pessoas que,
provavelmente, nunca mais cruzarão no seu caminho. Posteriormente, outras,
muitas delas residentes fora do seu círculo de familiares e amigos, nortearão rumos
a percorrer durante grande parte da sua vida, o que, aliás, é condição básica
para a sua sobrevivência em sociedade. Qual o significado disto? Esta ordem
natural dos fatos evita que o homem se torne um eremita por natureza, e
propicia relações, até certo ponto, estáveis com o mundo.
Assim, a biografia do homem é
configurada, desde o nascimento, por intermédio das relações com os outros,
sendo que por uma ótica sociológica ninguém teria condições de desenvolver-se
completamente sem passar pela experimentação social (sendo elas boas ou ruins).
São as experiências com os outros que irão, indubitavelmente, determinar
aptidões, tendências, atitudes, virtudes e imperfeições
mentais e comportamentais, suficientes e capazes de conectar ou distanciar
uma pessoa das outras e vice-versa. É possível afirmar que este processo de
aprendizado induzido, cuja gênese inicia no momento do nascimento, é vitalício
e impossível de interrompê-lo. A evolução da mente atinge o ápice da
contrariedade a cada momento (e não são poucos) em que tudo aquilo que lhe foi
dito e ensinado depara-se com controvérsias ou vieses que vão de encontro às
convicções assumidas.
As pessoas chegam à fase adulta
“recheadas” de padrões e regras sociais, muitas delas sequer questionadas até
então, tornando-as até certo ponto um tanto bitoladas. Mas é importante
salientar que apesar de todas as forças modeladoras que acompanham cada
indivíduo desde a infância, os parâmetros instituídos podem ser modificados e
revestidos com outra roupagem, mesmo porque são todos resultantes de
apropriações e criações de novos modelos ou possibilidades de viver em sociedade.
3. A interpretação das (Im)Possibilidades
Diante de três dimensões detentoras da capacidade de
interferir nos Mecanismos do Aparelho Psíquico, fica uma interrogação: - como
lidar com isto? A metodologia psicanalítica é,
sobretudo, a “arte” de interpretar tudo que o paciente expor como sendo
possível e impossível durante as Associações Livres. Possível porque muitas
perturbações neuróticas possuem causas concretas, históricas, perceptíveis e
com “endereço” certo - origem perceptível dentro de parâmetros reais.
Impossível uma vez que o imaginário é um forte aliado ou protagonista das
construções hipotéticas ou umbráticas, quiméricas ou utópicas. Diante das “prováveis impossibilidades” ou “improváveis possibilidades” mentais, o
Psicanalista precisa manter-se lúcido, afinal, em algum grau e alguma
circunstância, ele também pode tornar-se suscetível as mesmas probabilidades
genéticas e ambientais que atormentam um paciente.
As Psiconeuroses são como andar em
terreno arenoso, apenas os passos finais são perceptíveis. E os passos
anteriores? Estes não! Impossível avistar nitidamente as pegadas anteriores e
de onde vieram, por onde andaram e quais foram os caminhos percorridos. Surge,
então, a interpretação, atenta aos sinais, às marcas que o tempo e as situações
deixaram encrustadas na mente e no corpo. No percurso as situações produzem a
sua comunicação e que, certamente, será traduzida de maneira estritamente
pessoal e interpretada de forma exclusivamente particular. Existe uma
possibilidade de que tudo ou parte daquilo que as comunicações representavam
tenha sido interpretado equivocadamente pelo paciente. E os efeitos provocados?
É difícil de perceber a “olhos nus”. Os efeitos são reais, contudo, muitas
vezes de origens irreais. Portanto, ao Analista resta a árdua tarefa de
interpretar não somente o significado das Associações Livres, mas também,
interpretar o interpretado pelo paciente. Enfim, descobrir por que o paciente
interpretou uma situação de forma incorreta ou incoerente ou até “loucamente”
(ou corretamente).
Como a Psicanálise é essencialmente
interpretativa, seria prudente admitir a necessidade de inclusão de outras
áreas de estudo - antropologia, sociologia, filosofia, psicologia, ...- como
aliadas ao método. O Inconsciente é um “organismo vivo”. Ele detém certa
autonomia que nenhum órgão da estrutura física humana possui, como o Sistema
Respiratório que é constituído pelos pulmões e as respectivas vias
respiratórias, os quais, todos são interdependentes em maior ou menor grau e
não sobrevivem independentemente. Alguém poderia afirmar: - certo, mas o
Inconsciente depende do sistema neurológico para sobreviver. Sistemas abstratos
não carecem ou dependem de órgãos físicos para a sobrevivência, eles são “passageiros oportunistas” dos pensamentos
humanos, sejam eles bons ou ruins. Na ausência destes, aqueles não morrem,
apenas deixam de existir.
O Inconsciente, enquanto “sistema
autocéfalo”, desenvolve pensamentos e consequentemente sentimentos que, por
conseguinte, resultam em comportamentos. O Inconsciente, independente, provoca
o deslocamento, a condensação, projeção, identificação, ignora a cronologia dos
fatos, desconsidera a contradição, supervaloriza a “realidade” interna em
detrimento da externa, delibera o predomínio do princípio do prazer, enfim, se
autodetermina. Esta energia que “pega carona sem pedir licença” para a mente
humana, ebuli e extravasa por intermédio de Pulsões. Na vida de todo homem
surgirão incontáveis episódios marcantes, muitos deles portadores da felicidade
e satisfação, geradores da alegria e do bem-estar. Outros, nem tanto,
emissários da infelicidade e insatisfação, geradores da tristeza e do desgosto
traumático (recalque). Os momentos felizes automaticamente se convergem em
eventos memoráveis. Mas, e aqueles que são agravantes? Qual o destino reservar
para eles? Não existe uma destinação controlada, eles simplesmente irão se
acondicionar nas profundezas do Aparelho Psíquico, se tornarão “âncoras” que
aprisionarão o homem no passado, podendo transformá-lo na vítima do futuro,
encobertos de autopiedade e autocomplacência com os problemas e desgostos ou fracassos
pessoais.
Considerações
finais
A comunicação sempre ocupou um lugar
de destaque na evolução do ser humano. Todavia, é importante que o Psicanalista
compreenda os efeitos das interações, sejam elas verbais ou não verbais.
Interagir significa colocar-se na condição de vulnerable hominem (homem vulnerável), e as interações comportam,
simultaneamente, as possibilidades da harmonia e do ressentimento. O estado
harmônico floresce a partir de palavras ou gestos que combinem com os
interesses, predileções, similitudes pessoais e apaziguamento. Por outro lado,
um estado de ressentimento surge por intermédio de palavras ou gestos que
expressem antipatia, desprezo, rudeza, desrespeito, desamor, enfim, a relação
para este gênero de sentimento parece ser mais extensa do que o anterior. A
sensação é de que o homem esquece rapidamente os estados de contentamento e
rememora repetitivamente (e infinitamente) os estados de descontentamento. E,
se existe um lugar onde todas as forças possíveis da emoção e imaginação
acontecem, este lugar é no divã.
Considerando que a comunicação acontece
concomitantemente de forma verbal e não-verbal, a interpretação analítica por
sua vez, igualmente, não se resume apenas em focar nas palavras. Nos instantes
do divã o Psicanalista deve transcender o entendimento daquilo que foi
enfaticamente ou sutilmente explícito no discurso verbal do seu paciente. É
imperativo que a interpretação ou decodificação atente, também, para as
mensagens tácitas subjacentes as palavras ditas. Até mesmo o silêncio expressa
um significado imenso, quase esclarecedor. Faz-se
necessário um olhar holístico, abrangente, tanto quanto possível for. O
Psicoterapeuta precisa ser detentor de uma capacidade perceptiva comunicacional
acentuada porque o homem nasce dotado da capacidade natural de encenar
episódios, ocultar informações, silenciar deliberadamente e somatizar
inconscientemente desarranjos psicológicos. Tudo isso requer observação e interpretação hábil e proficiente. Contudo, erra quem pensa
que o paciente não está, igualmente, analisando e interpretando o seu Psicoterapeuta.
Trata-se de uma análise e interpretação não psicanalítica, é óbvio, mas
certamente ocorre na maioria das vezes. Assim, as expressões verbais e
não-verbais do Analista precisam de alto comedimento no decorrer das sessões,
cujo objetivo é evitar qualquer possibilidade de comunhão recíproca de
sentimentos ou representações mentais.
Os homens, assim como as demais
espécies, são “esponjas” sensoriais, ou seja, percebem naturalmente o mundo
através da visão, audição, olfato, tato, paladar cuja única condição é que o
meio sensorial esteja operante. Mas a mente humana, particularmente, absorve o
mundo mecanicamente como dito anteriormente - Dimensão Nata, Dimensão da
Natureza Humana e Dimensão Social. Destarte, a mente e os sentimentos são
formatados por inúmeras condições internas e externas, e as reações
comportamentais provenientes deste composto, sejam elas espontâneas, resignadas
ou inconformadas, surtirão de acordo com os contextos e acontecimentos
transitórios. É possível crer que entre o sentir e reagir existam “filtros” que
poderão ser considerados ou ignorados, integralmente ou parcialmente,
constituídos de regras, normas, condutas sociais, leis, costumes, ritos,
religiosidade, dentre outros, cada qual com as especificidades do sujeito (eis
a Dimensão Social).
Cabe ressaltar que a sociedade é a
principal impositora do que pode ou não ser realizado ou desejado. Talvez o
fato da decisão de tudo que é aceito e permitido permanecer sob o domínio dos
“outros” leve um paciente a alçar mão do imaginário para saciar os seus desejos
e as suas insatisfações. É curioso o fato de que até mesmo o imaginário aceitável é instituído pela
sociedade. Como exemplo, o criacionismo faz parte do imaginário há milênios e
ninguém neste período foi considerado insano por acreditar em algo impalpável
ou improvável. Por outro lado, qualquer cidadão que insinuar “ouvir vozes do
além” será imediatamente considerado desequilibrado (pelo menos por grande
parte da população).
O ser humano está fadado a herdar
características físicas e comportamentais e, talvez, a possibilidade de desenvolver
alguma Psiconeurose. Logo, resta ao Psicanalista conduzir o paciente rumo a uma
qualidade que proscreve todas as dúvidas, temores, desânimos e desesperanças: a
autoconfiança. O médico Alfred Adler, também filósofo e psicoterapeuta, afirmou
que todo neurótico tenta, em vão, ser melhor do que é na realidade. O desejo é
adquirir importância para si a para os demais, porém, quando a tentativa
fracassa o paciente passa a se autodenominar como um ser inferior e sem
qualquer importância. O sentimento recorrente é de desajuste e o desânimo
aflora no divã com a declaração de complexo de inferioridade. Neste instante de
ausência de discernimento do paciente surge a Resistência, cuja tendência é
rejeitar qualquer experiência que não satisfaça a sua autoimagem. O paciente
irá lutar obstinadamente contra a ideia de encarar o mundo de maneira diferente
daquela na qual havia concebido. Este comportamento inconsciente encontra-se
presente nos indivíduos que necessitam de orientação. A desorientação comumente
conduz à infelicidade e uma condução viável seria a mudança de atitude. O caminho para “colocar rédeas” em uma neurose poderia
ser eclipsar as resistências e alterar o autorretrato mental.
O homem neurótico nada mais é do que
o resultado das tentativas estéreis de ajustar a personalidade enferma e insegura
ao mundo externo. As investidas frustradas para a adaptação ou readaptação
despertam na mente os pensamentos imagéticos que culminam na inquietação,
insegurança, incerteza e dúvida. Por vezes, não raramente, os neuróticos
apresentam-se com sintomatologia essencialmente polimorfa, sem hora para
despertar ou adormentar. Ao observar determinados indivíduos (não pacientes),
parece que eles já nasceram neuróticos, ou seja, vieram à vida com uma indissimulável
e irremediável constituição psíquica em constante agonia. A consequência do
acúmulo de ansiedades (intermináveis) pode conduzir, na maioria das vezes, o
paciente ao paroxismo ansioso. Talvez por fatores somato-psiquícos adversos e intrincados,
algumas pessoas tenham prematuramente adquirido as aptidões para ampliar os
estados ansiosos patológicos (Dimensão Nata e/ou Dimensão da Natureza Humana).
Seria prudente considerar que a
regra hegemônica é que seja qual for a magnitude dos acontecimentos
desfavoráveis que atuaram ou atuam por demasiado tempo sobre um ser humano
acabarão, a qualquer instante, provocando um desequilíbrio neurótico por vezes
durável, por vezes passageiro (Dimensão Social). A aptidão para as psiconeuroses
de uma pessoa para outra sempre será variável, ou seja, cada indivíduo reagirá
particularmente de acordo com a sua historicidade
genética e social. Contudo, tal aptidão não se converterá em sintomas
neuróticos se, porventura, algum fato ou acontecimento relevante ou irrisório
não a fizer emergir. Uma boa comparação para melhor reflexão seria a correlação
entre: aptidão x neurose versus
terreno x grão. Quanto mais fértil for o terreno tanto menos hercúleo precisa
ser o grão para resultar em um vegetal viçoso e vigoroso; todavia, quanto mais
vigorosa for o grão tanto menos fértil necessita ser o terreno. Enfim, um ser
humano está sujeito a variáveis influenciadoras da sua psique, muitas delas
fora das possibilidades de controle. Diante disso, é necessário muito cuidado
para não perceber um paciente como detentor de total responsabilidade por sua
fragilidade psíquica. Afinal, todo indivíduo nasce e fenece rodeado de pessoas,
nem sempre soberanas e regentes da sua saúde mental.
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