quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Redes sociais: a doença do século e do momento.

 

                Segundo especialistas,  o post constante e interminável de imagens de viagens, diversão e alegria... de certa forma, acena como ostentação nos “amigos” e causa inveja. Isto mesmo, inveja! (naqueles que menos se imagina). Alguns pesquisadores da Universidade Humboldt, em Berlim, entrevistaram 357 universitários e descobriram que o principal sentimento despertado pela vida virtual é a inveja. Quase 30% relataram nutrir esse sentimento ao ver, no Facebook, posts sobre atividades de lazer dos amigos e indícios de sucesso de qualquer espécie, sejam acadêmicos, profissionais (ou sexuais). O interessante é que mesmo os exibidos germinam sentimentos de inveja. Cerca de 20% afirmaram chatear-se por sentir que as suas postagens não são notadas e curtidas o suficiente pelos “amigos”. A percepção de não ser tão notado cria um círculo vicioso: confrontados com a soberba alheia, grande parte dos usuários das redes sociais pode adotar atitudes de autopromoção cada vez mais intensas. Notoriamente existem “muitas semelhanças entre os usuários de uma rede social: “amigos” em comum, mesma formação e origem cultural”, diz Hanna Krasnova, uma das autoras da pesquisa. “Os estudos sugerem que as pessoas tendem a invejar gente parecida com elas. ”              Assim, quanto mais parecidas as pessoas tentam ser mais longe ficam uma das outras.

                Quem nunca postou no Instagram, a rede social de imagens, uma foto da praia ou da piscina para cutucar os colegas confinados sob a luz fluorescente do escritório? Quem nunca atualizou sua localização no Facebook para mostrar o endereço do restaurante badalado? Um exame de consciência, que não precisa ser minucioso, revelará que sim, muitos já incorreram em um, dois, ou três ataques de exposição virtual. Mesmo quem passa incólume pela tentação conhece um ou vários “amigos” que não resistem ao impulso de exibir a última viagem, a noite divertidíssima ao lado dos amigos, o filho mais encantador do mundo, a festa dos sonhos, o cabelo mais transado da hora, .... A ostentação – material e de felicidade – está sendo considerada uma doença virtual!

                Uma pesquisa feita no Reino Unido afirma que a principal razão para os usuários das redes sociais excluírem alguém de sua lista de amigos é o exibicionismo. E, o comportamento já ganhou até apelido: quem se autopromove é denominado de Bragger, uma palavra de origem inglesa que significa algo como “fanfarrão”. Segundo eles, não adianta se gabar e tascar a hashtag #brag­ger, afinal, a admissão da culpa não é desculpa, nem protege contra o ressentimento. Quase 70% dos 820 entrevistados disseram ter encerrado uma amizade virtual por “dor de cotovelo”. A exposição virtual ininterrupta (e ostensiva) tem despertado um olhar mais atento da ciência. Começam a aparecer os resultados de uma série de estudos destinados a entender por que as redes sociais podem despertar determinados sentimentos obscuros do ser humano – de soberba a inveja – e os efeitos de remoê-los em velocidade 5G. O psicólogo americano Ethan Kross, da Universidade de Michigan, conseguiu medir as consequências desse círculo de ciúme virtual. Ele acompanhou por duas semanas, usuários do Facebook e percebeu que, quanto mais tempo os usuários passavam conectados, mais insatisfeitos com a própria vida diziam se sentir.

                Informações coletadas revelaram que algumas pessoas fazem questão de contar para todo mundo, o tempo todo, onde estão naquele momento (#partiu_ academia, #bom dia praia, #tomando cerveja, #sentado na piscina). Outros chegam a cruzar o limite entre a realidade e ficção na tentativa de impressionar. Incrivelmente, uma pessoa tirava selfs com roupas que não comprara, dentro do provador das lojas, para posar de bem vestido (exemplo real). Por trás desse impulso, aparentemente mesquinho, há uma necessidade muito humana. “Buscamos ser aceitos”, diz a psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mas a versão editada dos melhores momentos pode ter o efeito contrário e afastar os “amigos”. “As pessoas acham que uma frase ou uma foto resumem a vida de alguém. Isso não é verdade”, diz a terapeuta.

                Em meio a tantas manifestações de exibicionismo e inveja, pesquisadores se perguntam se as redes sociais são apenas um reflexo – concentrado – dos piores instintos humanos e se amplificam características desabonadoras do caráter. Em defesa das redes sociais, é preciso enfatizar que a tendência para se gabar não apareceu com a tecnologia.  Com ou sem internet, estima-se que o objetivo de 40% de todas as falas diárias é fornecer informações para os outros sobre si mesmo e expressar opiniões sobre o mundo. Pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, descobriram uma das razões neurológicas desse falatório autocentrado. Eles fizeram imagens do cérebro de voluntários enquanto respondiam a perguntas sobre eles mesmos e sobre outras personalidades, como um ex-presidente dos Estados Unidos. Quando as respostas eram pessoais, uma das áreas cerebrais associadas à sensação de recompensa era ativada. Isso não acontecia quando as questões versavam sobre outras pessoas. Em etapas posteriores do estudo, os voluntários chegaram a recusar dinheiro para falar sobre celebridades. Preferiam falar sobre eles mesmos, e de graça. “Falar sobre si desperta um tipo de recompensa primitiva, semelhante à sensação de comer e fazer sexo”, escreveram os autores da pesquisa, liderada pelo neurocientista Jason Mitchell.

                O psiquiatra americano Elias Abou­jaoude diz que a internet, basicamente, ampliou predisposições humanas como o gosto por se gabar. Como diretor da Clínica de Transtorno Obsessivo Compulsivo da Escola de Medicina da Universidade Stanford, Aboujaoude acompanhou inúmeros pacientes viciados em internet. Diz ter concluído que o mundo virtual libera uma parte da personalidade guiada apenas pelos desejos. Nele, os limites do aprendizado e as censuras que deveriam ser autoimpostas perdem a sua eficácia. “A internet pode, inconscientemente, mudar a personalidade das pessoas”, diz Aboujaoude, autor do livro Virtually you: the dangerous powers of the e-personality (Quase você: os perigos da e-personalidade). Essa mudança de personalidade, diz o autor, não fica confinada apenas ao mundo virtual. Pode afetar o comportamento na vida real. “O estilo de interação que usamos no ciberespaço está passando para a vida off-li­ne. Ficamos parecidos na vida real com a imagem de nossos avatares. ”

                Dois pesquisadores da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, chegaram a essa conclusão: “ainda não existem dados que possam confirmar se alguém se torna mais vaidoso por se expor excessivamente na internet. Talvez tenhamos a sensação de que as pessoas estão mais exibicionistas somente porque as redes sociais tornaram a ostentação mais visível”.  Eles pediram a 130 usuários do Facebook que respondessem a um questionário para avaliar tendências narcisistas, caracterizadas pela necessidade de suscitar admiração alheia e exagerar na percepção de sua própria importância. Depois, avaliaram o conteúdo publicado pelos voluntários na rede social. Descobriram que as pes­soas com maior tendência ao narcisismo eram as que mais publicavam conteúdo para se promover, como fotos em que aparecem atraentes ou sensuais e frases fazendo propaganda delas mesmas. “Isso não quer dizer que todo mundo que está nas redes sociais é narcisista”, afirma o psicólogo Keith Campbell, um dos autores da pesquisa. “Apenas que os narcisistas usam esses sites em seu benefício. ” Nada muito diferente do que fariam ao vivo. Na internet, o alcance da autopromoção é maior. E da irritação que ela causa também”.

                As redes sociais são mais que uma plataforma de autopromoção e uma fonte de inveja. Amizades nascem, se renovam e se aprofundam ali. Conhecimento é disseminado de uma forma sem precedentes. Indignações sociais e políticas, assim como manifestações culturais, ganham corpo e se materializam rapidamente - assim como a alegria, o amor e a solidariedade. Da mesma forma que a vaidade, a inveja e a irritação. Não há como fugir disso numa plataforma baseada nas relações humanas. A saída é manter o humor, rir da falta de desconfiômetro alheio, da dor de cotovelo e vice-versa. Ter autocontrole (muito) é essencial!

                Os estudos sobre os efeitos das redes sociais demonstram a existência de pessoas tão preocupadas em se mostrar bem e agradar, que acabam se perdendo de si mesmas. São tantos que vivem iludidos por espelhos de pequenas ilusões e escondidos atrás de cortinas de grandes mentiras, que com o passar do tempo, perdem a noção da realidade: já não conseguem viver sendo verdadeiros. (uma breve navegada pelo Facebook demonstra o status on-line 24 horas ininterruptas de milhões de pessoas para não perder uma curtida). Qual a razão disso? A resposta é: existe uma cobrança coletiva por baixo disso. Os usuários das redes são cobrados pelo sucesso alheio e incentivados a serem iguais. Mal sabem que, em algumas situações, por detrás de uma foto postada, quase sempre há um “aperfeiçoamento”. Quase sempre há pessoas com a alma ferida tentando se mostrar fortalecidas (talvez uma forma de autoajuda, o que seria muito bom até certo ponto). Quando a pessoa se deixa seduzir pelas tentações do ego e da vaidade, acaba enredando a vida para uma viagem só de ida, ou seja, somente na tela. E, justamente, neste aspecto entra algo delicado e perigoso: tentar competir com o mundo é a melhor e mais rápida maneira de ser derrotado.

                Existe um enquadramento entre as redes sociais e a sua “fábrica de ilusões”. Parece absurdo, mas, na maioria das vezes, as postagens refletem tão somente aquilo que se deseja arduamente que os outros vejam. Ao que tudo indica as postagens expressam aquilo que, no fundo, se deseja ser (e muitas vezes não é). A verdade nem sempre é mostrada. Poses e mais poses, filtros e mais filtros para se chegar na foto perfeita. Quantas são as vezes que, em busca de aprovação de outras pessoas, o “quadro pintado” é totalmente disforme da realidade. Nem sempre é o que parece, tanto que é perceptível ver pessoas que estão prestes a cair num precipício, no entanto, querem que todos pensem o contrário. A busca incessante por likes transforma fulanos e fulanas em reféns das máscaras que as redes impõem. A postagem dos outros se torna uma provocação e é preciso se mostrar melhor. Mudar a aparência não é mais suficiente, é preciso fingir outra vida.

                Na verdade, há casos em que a diferença de aparência entre a pessoa real e a pessoa mostrada na tela do computador é tão grande que, em grande parte das vezes, é algo inacreditável. São figuras distintas, quase que irreconhecíveis quando colocadas lado a lado. A sociedade se reconfigura quando se projeta uma imagem vitoriosa. Há uma aceitação maior. Há uma glorificação da figura do ser bonito, rico e perfeito. Não se enquadrar nisso é dolorido para pessoas (em sua maioria) com a autoestima abalada demais ou elevada demais. Umas de um lado, outras de outro. Paradoxos difíceis de compreender. Um sonho de consumo que faz muitos se sentirem inseguros e tristes. Um sonho de consumo que faz muitos se mostrarem alegres e bem-sucedidos. Um sonho de ser além do que as outras pessoas comuns aparentemente são. Os perfis são tão perfeitos, as pessoas tão alegres, as fotos tão bonitas, as comidas tão gostosas, as selfies são incríveis, as festas são chiques, os amigos são sorridentes, as famílias são impecáveis, empregos são poderosos, romances são maravilhosos, viagens são inesquecíveis, as roupas são as mais caras: a melhor vida possível! Depois desse prazer dos diversos likes, essas ações viciam e tendem a se repetir. Quando tudo isso é plenamente verdadeiro, é muito bom expor as conquistas (mas para quem?), ostentar o sucesso e trabalhar o marketing pessoal. Isto pode fazer parte, saudavelmente, do cotidiano quando é sem exageros. O perigo é quando muio do que é exibido não é real, é montado, disfarçado, quase um fake. O problema é que existe o risco de tudo ser descoberto e o castelo ruir. O prazer pode virar dor, a luxuria pode virar amargura, aplausos viram vaias, beleza vira vergonha e sorrisos viram choro.

                É complicado pensar que atualmente os níveis de felicidade, realização e sucesso das pessoas são calculados pelo número de likes e coraçõezinhos em seu perfil. Cliques, muitas vezes feitos por pessoas que nem se conhecem. Aqui entra um detalhe: o termo “amigo” amplamente utilizado no Facebook tem absolutamente nada de verdadeiro, ao menos na maioria dos casos (isso não significa que de fato eles não possam existir). Reflexão: quem possui centenas e centenas, milhares e milhares de amigos? Até isso incomoda muita gente. Ter apenas uma dúzia de “amigos” é sinônimo de infelicidade e exclusão social porque o “correto” é ter muitos “amigos”. Fica mais difícil saber que isso também atinge o usuário das redes sociais. Essa relativa e subjetiva prosperidade encontrada na vida dos outros, provoca desejo de querer o mesmo ou mais, todavia, nem sempre é possível. A vida não cobra perfeição, mas a sociedade sim, os amigos sim, a família sim e, consequentemente, por vezes a única saída é projetar uma imagem de vencedor para agradar. Esse limite entre o real e o virtual, conduz rumo a uma reflexão sobre qual a reação e o quanto de inveja emerge das profundezas da mente diante daquilo que os outros fazem melhor. É como se a felicidade interior só tivesse alguma serventia se as outras pessoas enxergarem e curtirem.

                É compreensível que muitas vezes a sensação é de inferioridade (seja qual for, seja virtual ou na vida real). Contudo, mudar o jeito de ser para ser aceito no mundo não traz felicidade ou ser mais aceito... nem mais bonito ou bem-sucedido. Certamente não existe neste mundo alguém pronto, acabado, perfeito e que não precise de melhorias. Sempre deve existir uma inspiração que guie em direção aos acertos, mas é preciso repelir os erros, é preciso aceitar quem de fato se é na vida real. Somente um coração cheio de alegria e verdades pode fazer uma vida repleta de felicidade. A vida é que deve se mostrar feliz e não aquela foto maquiada da rede social. Só por isso já vale a pena lutar para se mostrar como se é. Pode até ser difícil, mas é mais salutar não permitir que as vaidades impeçam de andar somente pelos caminhos da verdade. Somente a verdade deve ser mostrada, mesmo que ela não enobreça, mesmo que ela não posicione em palanques e palcos, não traga prêmios e palmas. No final das contas, a verdade é que realmente importa, é nobre e interessa. A imagem verdadeira é a única coisa que se deve ter de melhor e mais belo a se mostrar.

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