quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A VIDA NÃO FOI FEITA PARA SER ECONOMIZADA

 


 Diário de momentos da vida – Era uma vez na Praça da Matriz

Era uma bela segunda feira, ensolarada, temperatura amena, enfim, um belo dia ... uma linda e legítima manhã de Primavera. Eu estava tranquilamente caminhando pela Praça da Matriz e resolvi sentar em um banco para observar tudo que um cenário digno de pintura estava me oferecendo e convidando para desfrutar. O Céu azul cobria o espaço com um véu de paz e tranquilidade. O vento acariciava a face com afagos de carinho e ternura. A natureza é imensuravelmente calmante, apaziguadora, relaxante e entorpecedora. A Praça da Matriz, apesar de se localizar no centro da cidade, reserva um mundo à parte, carregado de canto dos pássaros, risadas de alguns transeuntes ... interessante que o som do interior deste universo cala as buzinadas dos motoristas mais nervosinhos, as propagandas dos carros de publicidade e propaganda, o barulho dos motores de incontáveis veículos que no entorno da praça trafegam, as freadas e todos os demais ruídos.

Repentinamente uma mamãe sabiá pousa sobre o gramado, perseguida por dois filhotes, bem crescidinhos, pedindo: “queremos comidinha, comidinha, comidinha”. Uma cena não rara para quem olha com olhos atentos e serenos quando por ali transita. Nem por isso deixa de ser espetacular. Uma sessão psicoterápica, gratuita, sem divã, sem hora para começar, sem hora para terminar ... e quem dera nunca terminasse tamanha cena de descontração e tranquilidade. O ritual que diante dos meus olhos aconteceu não se delongou muito, afinal, a mamãe sabiá precisava encontrar mais alimento para os seus vívidos e inquietos sabiazinhos, que por força da natureza, logo-logo serão também adultos, logo-logo estarão da mesma forma alimentando os seus “bebês”.

Mas o cenário na qual me encontrava detinha mais espetáculos a oferecer. Ouvi risos, gargalhadas na verdade, alegria advindas de m grupo de cinco homens – entre 25 a 40 anos –, uns sentados no gramado, outro de pé, e outros no banco da praça. Ao lado três companhias inusitadas: cães, igualmente felizes, deitados no chão com a maior tranquilidade, visivelmente satisfeitos, em todos os sentidos. O que chamou a atenção foi o fato de serem pessoas humildes, vestimenta surrada, aparentemente desempregados – imaginei. Se por um lado lhes faltavam emprego, roupas ou alimento, felicidade naqueles corpos tinha de sobra. Não estavam lá muito interessados no movimento das ruas e muito menos do interior da praça. Vez que outra algum daqueles felizes cidadãos retirava do bolso um biscoito e comia. Ali, naquele diminuto espaço de convivência reinava a paz, harmonia, o sossego, a total despreocupação com o tempo a seguir. O sentimento que brotava daquele grupo dava para sentir de longe o viver sem pensar, sem calcular, sem agendar ... apenas viver.

A minha atenção foi desviada. Logo adiante caminhava um casal, passos lentos, palavras inexistentes, um destino. Mas o que chamou a atenção foi aquela mulher segurando firmemente um aparelho no qual um tubo plástico de pequeno diâmetro se dirigia diretamente para as narinas do senhor que a acompanhava. Tudo indicava que aquele aparelho ajudava o homem a respirar. Naquele instante, muito mais breve que as cenas anteriores dos pássaros, surge uma sensação de tristeza porque eu - livre da dependência de uma bomba de oxigênio - fiquei a imaginar o quão limitador seria viver assim. Mas também senti um toque de felicidade em perceber que naquele casal existia parceria, amizade, cumplicidade, vontade de viver livremente sem pensar o fardo que a vida impôs a ele, aos dois. Lembrei que muitas vezes nos queixamos de situações indesejáveis, ausência de alguma coisa, qualquer coisa ... lembrei de gente que passa o tempo todo se queixando da vida ... que pecado! E eles se foram, anônimos, silenciosos, misteriosos. Contudo a lembrança ficou. Não sei até quando, mas ficou.

E em seguida outra cena - parecia ser o dia das lições de vida. Duas mulheres, meia idade, visivelmente passeando. Uma delas empurrando uma senhora, presumivelmente idosa, sentada em uma cadeira de rodas. Ao contrário daquele senhor livre ao menos para andar, esta mulher mantinha o corpo completamente inerte, olhos fixados para o chão, não mais do que um metro além da ponta dos seus pés apoiados na parte inferior da cadeira. Seu rosto completamente sem expressão, nenhum sorriso, nenhuma palavra, nenhum olhar, nada, total ausência de vida. O que será que ela estaria pensando, sentindo? Saberia ela onde estava? Estaria ela sentindo o agradável calor do sol sobre sua pele alva? Estaria ela ouvindo o canto dos pássaros? Difícil de saber, triste de imaginar. E elas, também, se foram!

Estava eu pronto para seguir o meu caminho e num piscar de olhos surge uma garota, aproximadamente uns 17 ou 18 anos de idade. Outra pessoa, outro comportamento. Ela tinha um caminhar incógnito, sem pressa, sem destino, sem compromisso. Mas algo chamava a atenção: pequenos fones de ouvido, um em cada ouvido, conectados ao seu celular. O que ela estaria ouvindo de forma tão compenetrada, com um semblante tão sisudo? Música? Um áudio book? Que dúvida, que curiosidade. Então ela sentou-se em um banco e começou a digitar no teclado do telefone. Ah! Que alívio, a curiosidade foi parcialmente reduzida. Mas com quem se comunicava? Pai? Mãe? Algum amigo ou amiga? O namorado? Seja lá com quem fosse, as expressões do seu rosto se mantiveram tão inertes quanto a senhora da cadeira de rodas, os gestos do corpo tão mecânicas quanto daquele senhor do oxigênio ... pena, seria tão bom ver uma jovem sentindo o sol, a natureza, como aqueles pássaros livres para voar, livres para cantar. Ela, diferentemente dos outros que passaram - empurrados ou acompanhados - permaneceu ali, com o corpo sem expressão, somente os dedos moviam-se sobre as teclas virtuais do celular. Um mundo particular e restrito. Real ou irreal, quem sabe?

E o tempo passou – uma hora. E quem seguiu desta vez foi eu! Segui o meu caminho, mas foi difícil esquecer a última hora e meia de acontecimentos. Cada qual com a sua particularidade, sua mensagem intrínseca. Foram noventa minutos de análise, filosofia, deduções, conclusões ... mas tudo, absolutamente tudo, no mundo real preenchido pela imaginação. O grupo de homens felizes, os pássaros, o casal, as senhoras e a jovem, o que pensavam, sentiam? Para onde foram? Será que aquela senhora da cadeira de rodas não estaria feliz por estar passeando na praça? Não estaria apenas com muito, muito sono? E aquele senhor do oxigênio, estaria feliz por estar caminhando, se distraindo na praça? O grupo de homens, estariam felizes por estar entre amigos? Não seriam eles cinco magnatas disfarçados para fazerem o que desejam sem julgamento? Ah, não esqueçamos da mamãe sabiá. Estará ainda buscando alimento para os filhotes ou foi a última refeição antes de deixá-los livres – contra a vontade deles é claro.

Enfim, o quanto a vida carrega mistérios a todo instante? Difícil e impossível de saber. A única certeza é que a cada fração de segundos algo de novo, desconhecido e inusitado acontece diante dos nossos olhos e só nos resta imaginar, observar o momento, sentir a mensagem e refletir sobre o antes, durante e depois. Não se trata de procurar verdades ou inverdades, não! Igualmente não se trata de separar o certo do errado. E que ninguém tenha o malvado pensamento de se tratar de bisbilhotice e curiosidade pela vida alheia. Os pequenos e mínimos acontecimentos narrados anteriormente espelham o mundo que vivemos. O mundo real, com seres humanos (e sabiás), alguns sorrindo, gargalhando, outros nem tanto. Cada qual vivendo da sua maneira ou da maneira que podem.

Por ali, naquele espaço tão pequeno, ainda passaram e passarão centenas de milhares de pessoas. Quem serão? Por qual motivo irão cruzar aquele paraíso? Eu, por exemplo, sempre atravesso a quadra ponta a ponta pelas extremidades, nunca pelo meio. Por que naquele dia algo me “puxou” para cruzar pela diagonal? Também não tenho o hábito de sentar nos bancos de praça – a não ser que seja necessário, é claro. Então, por que naquele dia uma força me convidou para sentar naquele banco e não em outro? Afinal, talvez noutra perspectiva eu jamais teria visto o que era para ser visto, pensado o que era para ser pensado e muito menos sentido o que era para ser sentido, ou imaginado o que era para ser imaginado. A quem diga que toda história tem uma moral. Portanto, moral das minhas histórias: viver também é uma questão de perspectiva. Podemos ver meio copo d’água vazio ou meio copo d’água cheio. O otimista opta por saciar meia sede. O pessimista escolhe olhar a parte vazia, lamentar que não possui o todo e guarda a “sete chaves” o meio cheio. Mas ... quando precisar do meio cheio ele não estará mais lá porque algumas coisas não são para ser guardadas. Vida é uma delas!

Por Psi Heitor Jorge Lau