sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O SEGREDO DE UM AMOR PROIBIDO




Por Heitor Jorge Lau
Relações Públicas, Pós-Graduado em Gestão de Pessoas
Mestrando em Educação

              Resenha do livro O Pintor que escrevia

           WIERZCHOWSKI, Leticia. O pintor que escrevia: amor e pecado. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. 142p. 14 x 21 cm.

Leticia Wierzchowski é gaúcha e vive na cidade de Porto Alegre. Escritora desde 1997, a obra O pintor que escrevia é seu sexto livro. Ela compôs o romance A casa das sete mulheres cujo livro obteve tamanho sucesso que foi adaptado pela Rede Globo para uma minissérie de televisão. Graças ao excelente trabalho realizado, a autora conquistou prestigio e foi considerada uma grande revelação dos últimos anos no meio literário nacional.

O romance resenhado faz parte da coleção Amores Extremos que reúne composições de escritoras da literatura brasileira. Através do vidro, de Heloisa Seixas; Obsceno abandono, de Marilene Felinto; Para sempre, de Ana Maria Machado; Recados da lua, de Helena Jobim e Solo feminino, de Lívia Garcia-Roza também fazem parte da coletânea. São contextualizações de cenários recheados de amor, de paixão, de desejo e romantismo.

A narrativa, O pintor que escrevia, conta a história do pintor italiano, Marco Belluci, que encontrou guarida no Brasil no decorrer da Segunda Grande Guerra. Ele, inexplicavelmente, suicidou-se, deixando vários quadros encaixotados, sendo descobertos somente duas décadas após sua morte por um conhecido marchand, durante uma avaliação de suas pinturas. Surpreendentemente, atrás de cada tela foram encontrados textos redigidos pelo artista que revelavam um amor proibido.

     A história configura-se em uma pequena localidade da Serra Gaúcha, na década de cinqüenta, minuciosamente retratada pela escritora através da descrição de cenários, representados por sensações, por cores, por ruídos e até mesmo por aromas, expressões difíceis de causar a impressão de realidade. Tudo isso contado por orações curtas, sem expressões rebuscadas.

          O romance recheado de mistério do início ao fim, tem como protagonistas o pintor Marco Belucci e sua esposa Amapola, ambos naturais da Itália. Como coadjuvante aparece a genitora dela, Antônia Maestro, proprietária das terras onde os acontecimentos se sucedem. Todos fugidos da pátria mãe antes do começo do conflito que assolou a Europa e que repercutiu no restante do mundo.

        O artista era loucamente apaixonado pela esposa, Amapola, e manifestava tal sentimento em alguns quadros cujas pinceladas eram inspiradas por um amor inimaginável e que jamais alguém vira igual. Porém, por trás daquelas telas cheias de cor e vida existia algo mais do que apenas imagens coloridas por mãos talentosas, engendradas por uma mente brilhante e eternamente enamorada.

Apesar de todo talento e brilhantismo, Belucci era considerado um homem estranho e retraído, características que alguns atribuíam ao fato dele ter abandonado sua família às barbáries da guerra ao rumar para o Brasil. Ele transformou suas obras no repositório dos seus segredos e pecados. E foi neste começo de mistério e encantamento que este protagonista comete, misteriosamente, o suicídio.

          Aconteceu numa primavera. Enquanto sua amada ainda repousava no seu leito de amor, o apaixonado e devotado Marco Belucci, aos quarenta anos de idade, jogou-se pela janela de seu ateliê, esparramando-se sobre um canteiro de margaridas do jardim cuidadosamente ornamentado. A cena, tão surpreendente quanto assustadora, faz Amapola cair em desgraça pelo episódio macabro que acabara de vivenciar.

Por opção, a viúva decidiu partir deixando para trás todas as pinturas que o finado havia feito ao longo dos anos, pois elas a lembravam de momentos felizes que vivera ao lado dele. Resolvera embalá-las, com as técnicas que aprendera com o especialista, e deixá-las no seu recanto que por vários anos serviu de estúdio. E todos os quadros permaneceram lá, quietos, intocados, livres dos olhares da humanidade.

            Transcorridos vinte longos anos, Augusto Seara, marchand conhecidíssimo em São Paulo, é chamado para catalogar as obras de Belucci, mais de quarenta. Lisonjeado por ter sido designado para inventariar as obras que o mundo jamais vira o perito acompanhado de seu auxiliar, Zeca, rumou em direção à propriedade que durante duas décadas alojou, silenciosamente, os quadros do pintor. Mal sabiam eles sobre a surpresa que lhes aguardava.

E após longa viagem de São Paulo até ao sul do País, foram gentilmente recebidos por Ana, antiga empregada da família, e seu marido, remanescentes do local, incumbidos de resguardar e preservar a decrépita propriedade. Após uma noite de descanso, o dia seguinte foi dedicado à limpeza do sótão no qual Belucci trabalhara anos afins, afinal, depois de tanto tempo a poeira reinava soberana no ambiente, mesmo porque naquele local jamais alguém pisara depois do incidente fatídico.

          Seara escolhera um quadro, limpou-o, apontou as proporções da moldura e da tela, observou texturas e cores, e ao visualizar a parte posterior da pintura, uma exclamação pairou pelo ar: “Um pintor que escrevia – gemeu Augusto – emocionado. – A tela era a sua página.” (pg. 47). Foi neste momento que o marchand encontrou um texto sob o quadro, redigido na língua mãe do autor, o primeiro de uma série.

Seara sabia ler fluentemente italiano porque fora o idioma no qual havia sido alfabetizado. No primeiro quadro que ele examinou encontrou no verso a narrativa da época e o momento em que o pintor havia visto sua futura esposa, Amapola, pela primeira vez. Perplexo e entusiasmado pela descoberta, não via a hora de averiguar as demais obras, pois tinha a sensação de que encontraria mais inscrições.

Um estranho diário secreto, que até então somente Belucci tinha conhecimento, tinha finalmente sido descoberto. Os quadros seguintes revelavam certa aflição e sofrimento, deixando o marchand confuso por não compreender a angústia do pintor ao relembrar através das palavras redigidas, o seu amor por Amapola. Por que um amor tão intenso e verdadeiro causava simultaneamente prazer e sofrimento?

A cada nova descoberta Seara envolvia-se mais e mais com tudo aquilo, a ponto do seu imaginário sofrer influência das palavras e sentimentos expressos em cada linha escrita. havia uma pergunta que continuava sem resposta e fazia latejar sua a mente de tanta curiosidade: por que sofrer exacerbadamente possuindo uma esposa tão bela e apaixonada? A procura pela resposta tinha se tornado obsessão.

Foi neste mar de tormentos que o caseiro, esposo de Ana, sofreu um enfarte fulminante e veio a falecer. Desgraça para a empregada, oportunidade para Seara. Ela carregava consigo um molho de chaves e uma delas, muito antiga, chamava atenção do personagem obcecado por respostas. Havia uma sala na residência com a porta constantemente trancafiada e uma daquelas poderia ser da fechadura que daria acesso às informações que elucidariam o mistério.
Talvez ali estivessem as explicações para o segredo que rodeava aquela história de amor. E foi no momento de descuido e sofrimento da viúva, que Seara decidiu tomar-lhe “emprestada” a chave. Era uma oportunidade arriscada, porém, única e momentânea, que foi acertadamente aproveitada, porque naquela peça da casa estava o desfecho do mistério que tanto importunou o marchand, Augusto Seara.

Contudo, o enigma que perseguiu o especialista durante toda a sua estada na residência de Antônia Maestro continuará ao final desta resenha, pois a curiosidade que o instigou, e que estimulou esse resenhista, certamente irá excitar o leitor desta resenha a deleitar-se com a obra original. E nada mais justo do que reservar a maior surpresa, o grande finale, a quem dedicar-se a apreciar o livro O pintor que escrevia.

Leticia Wierzchowski conduz sua obra com muita concisão e simplicidade, alternando o emprego da linguagem narrativa e descritiva. Os diálogos são utilizados sutilmente e a estrutura alinear do texto a transforma em uma verdadeira viagem pelo tempo e espaço. Assim, ela consegue conduzir o leitor para dentro do cenário imaginário devido à minúcia dos detalhes, tornando a história mais realista.

Porém, o que faz a leitura mais instigante é a forma como o interesse pelo alheio é aguçado. O misterioso amor proibido, inserido no contexto, é o ingrediente essencial porque lida diretamente com o sentimento mais saliente do ser humano: a curiosidade. Detalhes de um diário secreto, estranhamente constituídos no verso de quarenta obras de arte, há vinte anos, já seriam suficientemente estimulantes.

É justamente esta sensibilidade que torna Augusto Seara um personagem muito importante porque demonstra nitidamente a determinação pela busca de respostas a partir de um interesse perseverante. Ele também manifesta uma mensagem de valor muito valiosa ao descobrir o segredo do pintor: integridade e ética. Sua descoberta é mantida em segredo, não revelada sequer ao seu auxiliar.

Trata-se de um excelente romance. Congrega sentimentos de amor verdadeiro, de amor sem limites; expõe manifestações de confiança e obstinação; expressa valores morais e imorais. É uma obra literária que revela a qualidade e a capacidade dos escritores brasileiros de produzir excelentes conteúdos. Qualifica o meio literário nacional e amplia os conhecimentos intelectuais e culturais daquele que a lê. Portanto, é um livro a ser recomendado por sua forma e teor.