quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A AICL COMO ENFOQUE DE FUTURO

Por Heitor Jorge Lau
Empresário e Educador
Mestrando em Educação
Pós-Graduado em Gestão de Recursos Humanos
Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas
Analista de Sistemas da Informação

            O texto a seguir tentará expressar uma concepção positiva do paradigma da Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua – AICL, ponderada por aspectos regionais e culturais, ora de ordem nacional, ora de ordem transnacional. O enfoque desta abordagem parte do pressuposto que a aprendizagem de um idioma alternativo, apoiada somente pela presença dos seus aspectos de natureza ortográfica e gramatical, mostra-se insuficiente para o constructo significativo do conhecimento. O saber empírico tem demonstrado por intermédio dos intercâmbios universitários (ou outra modalidade), por exemplo, que o acesso a funcionalidade prática de um idioma estrangeiro é a “mola propulsora” do aprendizado efetivo. Através da intercomunicação é possível alcançar o conhecimento e as verdadeiras representações do pensamento que traduzem o habitual. A fluência e o “domínio” de um idioma alternativo evidenciam-se a partir de uma apropriação literária e cultural da língua, ou seja, o processo encontra-se muito além da simples exposição e memorização dos tempos verbais (mesmo que imersos em exercícios considerados de fixação). O acesso irrestrito ao idioma estrangeiro consolida o aprendizado na medida em que permite o contato direto e singular à sua dimensão semiótica. Seria o mesmo que experienciar os elementos “paratextuais” de um idioma estrangeiro. Portando, o conceito da AICL pode ser a forma eficiente de driblar as dificuldades de aprendizagem percebidas fronte ao ensino da língua estrangeira, uma vez que possibilita uma aproximação ao ponto de confluência entre a prática dos conteúdos e a teoria dos idiomas.

            A AICL NO CONTEXTO BRASIL
            Apesar de o Brasil ser considerado um país multicultural ele não é multilíngue, sequer em dimensão inferior, bilíngue. Esta característica, talvez, seja um fator influenciador da pouca ênfase ou ausência de interesse em importar o conceito da AICL. Os dialetos regionais com características muito próximas da língua mãe e a minoria imigrante que mantém “dentro de casa” o seu idioma materno não justificam ou ameaçam a incorporação do conceito na educação formal. O linguajar de regiões próximas e distantes é construído por fatores locais, sociais, culturais e até mesmo contextuais. O sotaque gaúcho, caipira, mineiro, paulista, de cada estado, e ainda dentro de cada região dos estados, possui personalidade própria e inconfundível. Este emaranhado de vieses sociolinguísticos é que configura a diversidade da fala brasileira e, ao que tudo indica, não existe qualquer rejeição ou preferência de estilos, quando muito, anedotas ou narrativas oriundas de fatos reais ou imaginários. Em síntese, no país Brasil o idioma é “Português-Brasileiro do Oiapoque ao Chuí”.

            Existe a nítida sensação de que o idioma alternativo que impera na preferência do cidadão brasileiro é o inglês. É compreensível, uma vez que, até então o que “interfaceou” as relações internas de cunho comercial com o estrangeiro foi o english. Atualmente existem outros idiomas despontando dentre os currículos disponíveis em instituições de ensino de línguas, como o espanhol, francês e mandarim (contexto regional). Mesmo que o conceito AICL especule a extinção do professor de línguas, não há como negar que os ditos “cursinhos” possuem uma particularidade que as escolas “normais” não têm: professores exclusivos de línguas. Nestes cenários o objetivo, na maioria das vezes, é a especialização e não o aprendizado inicial.
            O enfoque AICL somente poderá ser percebido e importado de forma certeira se for reconhecido como ferramenta de inbound ao plurilinguismo das escolas de ensino básico. Atualmente o processo de ensino aprendizagem é amplamente discutido sob o prisma da pluridisciplinaridade o qual diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo. Ora, por uma visão mais visionária o enfoque da AICL está exatamente dentro de uma contextualização parecida. Por que não lecionar a matemática ou a história em outro idioma? (professores também ganham com isto) Dizem: porque a matemática não é tanto uma língua quanto um código alternativo! Será?

            Vejamos a seguinte citação de Damásio (2009, p. 286):

[...] Muitos médicos interessam-se pelas humanidades, das artes à literatura e à filosofia. Há um número surpreendentemente grande de médicos que se tornaram poetas, romancistas e dramaturgos de destaque, e houve vários que refletiram com profundidade sobre a condição humana e abordaram sabiamente suas dimensões fisiológica, social e política. E, no entanto, as escolas de medicina de onde eles provêm ignoram, na sua maior parte, essas dimensões humanas, concentrando-se na fisiologia e na patologia do corpo propriamente dito.

            O médico e neurocientista António Damásio demonstra por outro viés que o aprendizado e o desempenho acontecem plenamente através da pluridisciplinaridade. Por que não apropriar conteúdos simultâneos, história e inglês, por exemplo? É possível traçar uma analogia entre a sua percepção e o conceito AICL. Estudar e apropriar conteúdos por intermédio do ensino com um idioma estrangeiro não influi negativamente ou reduz as potencialidades de aprendizado, tanto da disciplina base quanto da língua utilizada. Dentro da pluridisciplinaridade existe a visão holística do ensino. O conceito da AICL tenta abarcar o ensino do idioma alternativo sem ferir os preceitos dos conteúdos das outras disciplinas. O conteúdo a ser abordado ou o que precisa ser avaliado não pode e não deve ser predefinido, por outro lado, o professorado é que deve definir tal norte a partir de toda uma contextualização circunstancial, histórica e cultural. Existe, também, um paradigma no entorno da AICL que indaga a impossibilidade ou imprecisão de traduzir conteúdos acadêmicos de um idioma estrangeiro para a língua materna e vice-versa.

            Analisemos: o biólogo austríaco Paul Weiss (1898-1989), por exemplo, tentando resolver problemas biológicos para os quais a posição epistemológica da modernidade não oferecia saída, adotou uma perspectiva diferente e, entre as décadas de 1920 e 1940, fortemente influenciado por seus experimentos de laboratório, ampliou o conceito de holismo, influenciando posteriormente o futuro Nobel de Química (1977), Ilya Prigogine (1917-2003). Exemplos de abordagens interdisciplinares, transdisciplinares ou multidisciplinares não faltam nos acervos bibliográficos da humanidade. Portanto, o enfoque AICL é importável porque parece estar bem fundamentado e muito distante da característica difusa. Ele considera fatores como a globalização e preocupação com o preparo do jovem para um mercado de trabalho altamente competitivo. Somente estas perspectivas já são o bastante para categorizá-lo como viável e sustentável.

           
            A AICL NO CONTEXTO TRANSNACIONAL

            No contexto europeu, onde a característica multilingue e pluricultural é inata, peculiar, as três palavras-chave são: internacionalização, mobilidade e empregabilidade. A União Européia - UE, principalmente, preconiza a AICL como uma nova realidade estratégica, capaz de intensificar a mobilidade transnacional para os jovens pretensos a ingressar no mercado de trabalho europeu ou de outro continente. É de consenso quase pleno a idéia de suprir os jovens estudantes com competências linguísticas efetivas em idiomas estrangeiros. Tal concepção confere ao paradigma AICL uma vigorosa potencialidade de futuro. Muito embora o paradigma da Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua transcorra, ainda, na fase incipiente, muitas informações relacionadas apontam relatos de excelentes práticas em níveis diferenciados de ensino.

            Ao contrário de países com a particularidade da uniformidade linguística, territórios europeus, principalmente, que possuem variações sociolingüísticas acentuadas e inatas justificam eficientemente a AICL, ao salientar que os seus jovens (e professores) precisam ser preparados para “enfrentar” um contexto globalizado, multilingue e multicultural. É importante perceber a língua estrangeira como ferramenta de aprendizagem de algum conteúdo não linguístico, e mais relevante ainda, é compreender que a o idioma e os conteúdos terão função curricular conjunta, simultaneamente. O conceito dos 4 C’s - conteúdos, comunicação, cognição e cultura - sustenta muito bem a efetividade do aprendizado de conteúdos por idioma alternativo e vice-versa. Trata-se de um conceito que possibilita ao aluno uma apropriação de conteúdo por intermédio de uma língua alternativa reconhecida, basicamente, como um meio e não como se fosse um fim. Portanto, essa abordagem multicultural e integrativa é articulada e operacionalizada pelo idioma. Este modelo “desconfigura” um simples compartilhamento de conteúdos por um idioma estrangeiro ou até mesmo o desenvolvimento de habilidades cognitivas em outro sistema de sinais.

            A concepção da AICL almeja o desenvolvimento cognitivo e linguístico simultâneo dos alunos com vistas à comunicação efetiva. Também existe uma preocupação latente com relação a produção de materiais em idioma alternativo, contudo, toda prática mercadológica segue o principio da oferta impulsionada pela demanda. É uma questão de tempo! Concomitantemente, as dúvidas relacionadas a interdisciplinaridade necessária no contexto deste conceito de docência e a necessária formação complementar, formam questionamentos pertinentes. São apenas ajustes, não entraves! Todas as indagações ou interrogações são dignas de reflexão e posicionamento, são características de toda inovação. O ponto positivo desta discussão em torno dos benefícios e dificuldades de implantação da AICL é que a discussão encontra-se em debate vigoroso no local mais apropriado, na UE, e está sendo travada no momento mais requerente, em plena efervescência da globalização.


            CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua surge no cenário educacional como um recurso didático-pedagógico inovador, representativo e arrojado. O primordial é que não somente os professores de idiomas estrangeiros explorem tal conceito, mas, que os docentes das demais áreas acreditem na potencialidade dos resultados possíveis através do trabalho cooperativo. A AICL desponta com a característica ímpar de enriquecer competências lingüísticas e ampliar a empregabilidade, essencialmente dos jovens. Trata-se de um desafio, principalmente para o professor, afinal, ele terá que ser capaz de perceber toda espécie de dificuldade linguística, além de identificar e colocar em prática metodologias que incentive e coloque na efetividade o uso do idioma. A fluência da língua alternativa é quesito básico e indispensável para o profissional educador porque, fora a compreensão, a “tradução” dos conteúdos precisa ser exata (mesmo que determinados termos sejam adaptados) e inteligível pelo aluno. Aliás, a produção de materiais exigirá uma atenção especial a fim de ajustar e tirar o máximo proveito dos conteúdos, sem negligenciar, ignorar ou desvirtuar características semânticas, sintáticas, textuais e vocabulares. Talvez, seja mais importante o domínio do português do que propriamente a língua não materna.
            O trabalho sob o conceito da AICL só ocorrerá pela via interdisciplinar, ou seja, a classe docente obrigar-se-á a inserir-se no contexto do trabalho plenamente cooperativo. Esta troca de conhecimento será muito importante na medida em que as dificuldades e soluções encontradas também serão compartilhadas. E, com relação à questão que sempre acaba por se tornar uma problemática expoente, a da avaliação, cada instituição de ensino conjuntamente com o corpo docente deverá programar as ferramentas alinhadas ao contexto social da região e objetivos pedagógicos. Com vistas a corroborar com o posicionamento positivo redigido neste trabalho, uma fração significativa de um artigo que aborda o conceito de aprendizado de conteúdos em idioma alternativo foi replicado. A professora Margarida Coelho, em seu trabalho apresentado no III Seminário de I&DT, organizado pelo C3i – Centro Interdisciplinar de Investigação e Inovação do Instituto Politécnico de Porto Alegre, realizado em dezembro de 2012, cita cinco indicadores que caracterizam o bom desempenho linguístico dos docentes no contexto AICL. A saber, a gama de competências do professor é configurada por sua capacidade de agir como facilitador no contexto educacional e na capacidade de selecionar materiais adequados, transmitir sentido, dominar a forma e formatos de exposição dos conteúdos e de utilizar estratégias para resolução de problemas.

São elas:
1ª Os professores possibilitam a exposição ao conteúdo a um nível desafiador (de forma mínima) selecionando materiais autênticos e atrativos, adaptando os textos ao nível dos alunos e dando suporte ao conteúdo e linguagem pelo uso ativo da linguagem corporal e recursos visuais.

(2) Os professores promovem o processo com foco no significado estimulando os alunos a procurar novos itens de vocabulário, conferir seu significado, usar feedback corretivos explícitos e implícitos ao identificar significados incorretos e a prática através de tarefas relevantes de fala e escrita.

(3) Os professores promovem o processo com foco na forma dando exemplos, usando reformulações e checagens para confirmação, solicitação de esclarecimentos e dando feedback (algumas vezes incluindo feedback dos colegas). Não foi encontrada nenhuma evidência de professores do sistema AILC (Aprendizagem Integrada de Línguas e Conteúdos) fornecendo instruções com foco na forma, i.e., explicando regras.

(4) Os professores promovem a produção de conteúdo encorajando as reações dos alunos, trabalhando em diversos formatos de interação e praticando formas criativas orais (apresentações, mesas redondas, debates) e escritas (cartas, pesquisas, artigos, manuais) de produção de conteúdo, sugerindo tarefas comunicativas  possíveis, dando tempo suficiente para os alunos completarem a tarefa, encorajando os alunos a falar só em Inglês, fornecendo feedback para o uso incorreto da linguagem pelos alunos e estimulando o feedback dos colegas.

(5) Os professores promovem o uso de estratégias de compensação estimulando os alunos a superar os problemas de compreensão da linguagem e produção da linguagem, refletindo no uso de estratégias de compensação e incentivando o uso da estratégia in loco / no momento.

            O conceito AICL, portanto, coloca em pauta os limites epistemológicos das sistemáticas em vigor. Por mais que o formato atual de ensino de língua estrangeira tenha se distanciado da concepção epistemológica escolástica, ainda assim, existe a ausência de um “algo mais” no processo que promove o aprendizado. A AICL insurgiu com a fecundidade de uma proposta inter e transdisciplinar, constituída por premissas totalmente diferentes, problematizando radicalmente a noção de epistemologia. A Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua mudará (talvez para sempre) a didática, não somente do idioma alternativo, mas de todas as disciplinas.
Be or not to be, that is the question? In this case, of course, be!