Por Heitor Jorge Lau
Empresário e Educador
Mestrando em Educação
Mestrando em Educação
Pós-Graduado em Gestão de Recursos Humanos
Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas
Analista de Sistemas da Informação
O texto a seguir tentará expressar uma concepção positiva do paradigma da Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua – AICL, ponderada por aspectos regionais e culturais, ora de ordem nacional, ora de ordem transnacional. O enfoque desta abordagem parte do pressuposto que a aprendizagem de um idioma alternativo, apoiada somente pela presença dos seus aspectos de natureza ortográfica e gramatical, mostra-se insuficiente para o constructo significativo do conhecimento. O saber empírico tem demonstrado por intermédio dos intercâmbios universitários (ou outra modalidade), por exemplo, que o acesso a funcionalidade prática de um idioma estrangeiro é a “mola propulsora” do aprendizado efetivo. Através da intercomunicação é possível alcançar o conhecimento e as verdadeiras representações do pensamento que traduzem o habitual. A fluência e o “domínio” de um idioma alternativo evidenciam-se a partir de uma apropriação literária e cultural da língua, ou seja, o processo encontra-se muito além da simples exposição e memorização dos tempos verbais (mesmo que imersos em exercícios considerados de fixação). O acesso irrestrito ao idioma estrangeiro consolida o aprendizado na medida em que permite o contato direto e singular à sua dimensão semiótica. Seria o mesmo que experienciar os elementos “paratextuais” de um idioma estrangeiro. Portando, o conceito da AICL pode ser a forma eficiente de driblar as dificuldades de aprendizagem percebidas fronte ao ensino da língua estrangeira, uma vez que possibilita uma aproximação ao ponto de confluência entre a prática dos conteúdos e a teoria dos idiomas.
A AICL NO CONTEXTO BRASIL
Apesar
de o Brasil ser considerado um país multicultural ele não é multilíngue, sequer
em dimensão inferior, bilíngue. Esta característica, talvez, seja um fator
influenciador da pouca ênfase ou ausência de interesse em importar o conceito
da AICL. Os dialetos regionais com características muito próximas da língua mãe
e a minoria imigrante que mantém “dentro de casa” o seu idioma materno não
justificam ou ameaçam a incorporação do conceito na educação formal. O
linguajar de regiões próximas e distantes é construído por fatores locais,
sociais, culturais e até mesmo contextuais. O sotaque gaúcho, caipira, mineiro,
paulista, de cada estado, e ainda dentro de cada região dos estados, possui
personalidade própria e inconfundível. Este emaranhado de vieses
sociolinguísticos é que configura a diversidade da fala brasileira e, ao que
tudo indica, não existe qualquer rejeição ou preferência de estilos, quando
muito, anedotas ou narrativas oriundas de fatos reais ou imaginários. Em
síntese, no país Brasil o idioma é “Português-Brasileiro do Oiapoque ao Chuí”.
Existe
a nítida sensação de que o idioma alternativo que impera na preferência do
cidadão brasileiro é o inglês. É compreensível, uma vez que, até então o que
“interfaceou” as relações internas de cunho comercial com o estrangeiro foi o english. Atualmente existem outros
idiomas despontando dentre os currículos disponíveis em instituições de ensino
de línguas, como o espanhol, francês e mandarim (contexto regional). Mesmo que
o conceito AICL especule a extinção do professor de línguas, não há como negar
que os ditos “cursinhos” possuem uma particularidade que as escolas “normais” não
têm: professores exclusivos de línguas. Nestes cenários o objetivo, na maioria
das vezes, é a especialização e não o aprendizado inicial.
O
enfoque AICL somente poderá ser percebido e importado de forma certeira se for
reconhecido como ferramenta de inbound
ao plurilinguismo das escolas de ensino básico. Atualmente o processo de ensino
aprendizagem é amplamente discutido sob o prisma da pluridisciplinaridade o qual diz respeito ao estudo de um objeto de
uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo. Ora,
por uma visão mais visionária o enfoque da AICL está exatamente dentro de uma
contextualização parecida. Por que não lecionar a matemática ou a história em
outro idioma? (professores também
ganham com isto) Dizem: porque a matemática não é tanto uma língua
quanto um código alternativo! Será?
Vejamos
a seguinte citação de Damásio (2009, p. 286):
[...] Muitos médicos interessam-se pelas humanidades, das artes à
literatura e à filosofia. Há um número
surpreendentemente grande de médicos que se tornaram poetas, romancistas
e dramaturgos de destaque, e houve vários que refletiram com profundidade sobre a condição humana e abordaram sabiamente suas
dimensões fisiológica, social e
política. E, no entanto, as escolas de medicina de onde eles provêm ignoram, na
sua maior parte, essas dimensões humanas, concentrando-se na fisiologia e na patologia do corpo propriamente
dito.
O médico e neurocientista António Damásio demonstra por outro viés
que o aprendizado e o desempenho acontecem plenamente através da pluridisciplinaridade. Por que não apropriar conteúdos simultâneos,
história e inglês, por exemplo? É possível traçar uma analogia entre a sua
percepção e o conceito AICL. Estudar e apropriar conteúdos por intermédio do
ensino com um idioma estrangeiro não influi negativamente ou reduz as
potencialidades de aprendizado, tanto da disciplina base quanto da língua
utilizada. Dentro da pluridisciplinaridade
existe a visão holística do ensino. O conceito da AICL tenta abarcar o ensino
do idioma alternativo sem ferir os preceitos dos conteúdos das outras
disciplinas. O conteúdo a ser abordado ou o que precisa ser avaliado não pode e
não deve ser predefinido, por outro lado, o professorado é que deve definir tal
norte a partir de toda uma contextualização circunstancial, histórica e
cultural. Existe, também, um paradigma no entorno da AICL que indaga a
impossibilidade ou imprecisão de traduzir conteúdos acadêmicos de um idioma
estrangeiro para a língua materna e vice-versa.
Analisemos: o biólogo austríaco Paul Weiss (1898-1989), por
exemplo, tentando resolver problemas biológicos para os quais a posição
epistemológica da modernidade não oferecia saída, adotou
uma perspectiva diferente e, entre as décadas de 1920 e 1940, fortemente
influenciado por seus experimentos de laboratório, ampliou o conceito de holismo,
influenciando posteriormente o futuro Nobel de Química (1977), Ilya Prigogine (1917-2003). Exemplos de
abordagens interdisciplinares, transdisciplinares ou multidisciplinares não
faltam nos acervos bibliográficos da humanidade. Portanto, o enfoque AICL é
importável porque parece estar bem fundamentado e muito distante da
característica difusa. Ele considera fatores como a globalização e preocupação
com o preparo do jovem para um mercado de trabalho altamente competitivo.
Somente estas perspectivas já são o bastante para categorizá-lo como viável e
sustentável.
A AICL NO CONTEXTO TRANSNACIONAL
No contexto europeu, onde a
característica multilingue e pluricultural é inata, peculiar, as três palavras-chave
são: internacionalização, mobilidade e empregabilidade. A União Européia - UE,
principalmente, preconiza a AICL como uma nova realidade estratégica, capaz de
intensificar a mobilidade transnacional para os jovens pretensos a ingressar no
mercado de trabalho europeu ou de outro continente. É de consenso quase pleno a
idéia de suprir os jovens estudantes com competências linguísticas efetivas em idiomas
estrangeiros. Tal concepção confere ao paradigma AICL uma vigorosa
potencialidade de futuro. Muito embora o paradigma da Aprendizagem Integrada de
Conteúdo e Língua transcorra, ainda, na fase incipiente, muitas informações
relacionadas apontam relatos de excelentes práticas em níveis diferenciados de
ensino.
Ao contrário de países com a
particularidade da uniformidade linguística, territórios europeus,
principalmente, que possuem variações sociolingüísticas acentuadas e inatas
justificam eficientemente a AICL, ao salientar que os seus jovens (e
professores) precisam ser preparados para “enfrentar” um contexto globalizado,
multilingue e multicultural. É importante perceber a língua estrangeira como
ferramenta de aprendizagem de algum conteúdo não linguístico, e mais relevante
ainda, é compreender que a o idioma e os conteúdos terão função curricular conjunta,
simultaneamente. O conceito dos 4
C’s - conteúdos, comunicação, cognição e cultura - sustenta muito bem a
efetividade do aprendizado de conteúdos por idioma alternativo e vice-versa.
Trata-se de um conceito que possibilita ao aluno uma apropriação de conteúdo
por intermédio de uma língua alternativa reconhecida, basicamente, como um meio
e não como se fosse um fim. Portanto, essa abordagem multicultural e
integrativa é articulada e operacionalizada pelo idioma. Este modelo “desconfigura”
um simples compartilhamento de conteúdos por um idioma estrangeiro ou até mesmo
o desenvolvimento de habilidades cognitivas em outro sistema de sinais.
A concepção da AICL almeja o
desenvolvimento cognitivo e linguístico simultâneo dos alunos com vistas à
comunicação efetiva. Também existe uma preocupação latente com relação a
produção de materiais em idioma alternativo, contudo, toda prática
mercadológica segue o principio da oferta impulsionada pela demanda. É uma
questão de tempo! Concomitantemente, as dúvidas relacionadas a
interdisciplinaridade necessária no contexto deste conceito de docência e a
necessária formação complementar, formam questionamentos pertinentes. São apenas
ajustes, não entraves! Todas as indagações ou interrogações são dignas de
reflexão e posicionamento, são características de toda inovação. O ponto
positivo desta discussão em torno dos benefícios e dificuldades de implantação
da AICL é que a discussão encontra-se em debate vigoroso no local mais
apropriado, na UE, e está sendo travada no momento mais requerente, em plena efervescência
da globalização.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A Aprendizagem Integrada de Conteúdo
e Língua surge no cenário educacional como um recurso didático-pedagógico
inovador, representativo e arrojado. O primordial é que não somente os
professores de idiomas estrangeiros explorem tal conceito, mas, que os docentes
das demais áreas acreditem na potencialidade dos resultados possíveis através
do trabalho cooperativo. A AICL desponta com a característica ímpar de
enriquecer competências lingüísticas e ampliar a empregabilidade,
essencialmente dos jovens. Trata-se de um desafio, principalmente para o
professor, afinal, ele terá que ser capaz de perceber toda espécie de
dificuldade linguística, além de identificar e colocar em prática metodologias
que incentive e coloque na efetividade o uso do idioma. A fluência da língua
alternativa é quesito básico e indispensável para o profissional educador
porque, fora a compreensão, a “tradução” dos conteúdos precisa ser exata (mesmo
que determinados termos sejam adaptados) e inteligível pelo aluno. Aliás, a
produção de materiais exigirá uma atenção especial a fim de ajustar e tirar o
máximo proveito dos conteúdos, sem negligenciar, ignorar ou desvirtuar
características semânticas, sintáticas, textuais e vocabulares. Talvez, seja
mais importante o domínio do português do que propriamente a língua não
materna.
O trabalho sob o conceito da AICL só
ocorrerá pela via interdisciplinar, ou seja, a classe docente obrigar-se-á a
inserir-se no contexto do trabalho plenamente cooperativo. Esta troca de
conhecimento será muito importante na medida em que as dificuldades e soluções
encontradas também serão compartilhadas. E, com relação à questão que sempre
acaba por se tornar uma problemática expoente, a da avaliação, cada instituição
de ensino conjuntamente com o corpo docente deverá programar as ferramentas
alinhadas ao contexto social da região e objetivos pedagógicos. Com vistas a
corroborar com o posicionamento positivo redigido neste trabalho, uma fração
significativa de um artigo que aborda o conceito de aprendizado de conteúdos em
idioma alternativo foi replicado. A professora Margarida Coelho, em seu
trabalho apresentado no III Seminário de I&DT, organizado pelo C3i – Centro
Interdisciplinar de Investigação e Inovação do Instituto Politécnico de Porto Alegre,
realizado em dezembro de 2012, cita cinco indicadores que caracterizam o bom
desempenho linguístico dos docentes no contexto AICL. A saber, a gama de
competências do professor é configurada por sua capacidade de agir como
facilitador no contexto educacional e na capacidade de selecionar materiais
adequados, transmitir sentido, dominar a forma e formatos de exposição dos
conteúdos e de utilizar estratégias para resolução de problemas.
São elas:
1ª Os professores possibilitam
a exposição ao conteúdo a um nível desafiador (de forma mínima) selecionando
materiais autênticos e atrativos, adaptando os textos ao nível dos alunos e dando suporte ao conteúdo e linguagem pelo uso
ativo da linguagem corporal e recursos visuais.
(2) Os professores
promovem o processo com foco no significado estimulando os alunos a procurar
novos itens de vocabulário, conferir seu significado, usar feedback
corretivos explícitos e implícitos ao identificar significados incorretos e a
prática através de tarefas relevantes de fala e escrita.
(3) Os professores
promovem o processo com foco na forma dando exemplos, usando reformulações e
checagens para confirmação, solicitação de esclarecimentos e dando feedback
(algumas vezes incluindo feedback dos colegas). Não foi encontrada
nenhuma evidência de professores do sistema AILC (Aprendizagem Integrada de
Línguas e Conteúdos) fornecendo instruções com foco na forma, i.e., explicando
regras.
(4) Os professores
promovem a produção de conteúdo encorajando as reações dos alunos, trabalhando
em diversos formatos de interação e praticando formas criativas orais
(apresentações, mesas redondas, debates) e escritas (cartas, pesquisas,
artigos, manuais) de produção de conteúdo, sugerindo tarefas comunicativas
possíveis, dando tempo suficiente para os alunos completarem a tarefa,
encorajando os alunos a falar só em Inglês, fornecendo feedback para o
uso incorreto da linguagem pelos alunos e estimulando o feedback dos
colegas.
(5) Os professores
promovem o uso de estratégias de compensação estimulando os alunos a superar os
problemas de compreensão da linguagem e produção da linguagem, refletindo no
uso de estratégias de compensação e incentivando o uso da estratégia in loco
/ no momento.
O conceito AICL,
portanto, coloca em pauta os limites epistemológicos das sistemáticas em vigor.
Por mais que o formato atual de ensino de língua estrangeira tenha se
distanciado da concepção epistemológica escolástica, ainda assim, existe a
ausência de um “algo mais” no processo que promove o aprendizado. A AICL insurgiu
com a fecundidade de uma proposta inter e transdisciplinar, constituída por
premissas totalmente diferentes, problematizando radicalmente a noção de
epistemologia. A Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua mudará (talvez
para sempre) a didática, não somente do idioma alternativo, mas de todas as
disciplinas.
Be or not to be, that is
the question? In this case, of course, be!