SONHOS E SIMBOLOGIA
Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Doutorando em Psicologia Cognitiva
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social
O texto a seguir tem por objetivo expressar o conhecimento adquirido sobre os conceitos estabelecidos por Sigmund Freud a respeito da análise e interpretação dos Sonhos. Demais opiniões oriundas da Neurociência ou contrapontos como do pesquisador James Allan Hobson (que acredita serem os sonhos um subproduto da atividade cerebral noturna) não serão confrontadas neste interim. Servirão, sim, como fontes para argumentação e crítica. Por outro lado, o termo ‘símbolo’ exigirá uma brevíssima contextualização para melhor entendimento do teor redigido.
Seria um
erro gravíssimo por parte de um Psicanalista imaginar que a força oculta do
inconsciente é inócua. O inconsciente é silencioso, escondido e
surpreendentemente sorrateiro, afinal revela desejos e comoções “adormecidas”
por intermédio de sinais sintomáticos ou, segundo Freud, sonhos. Os sonhos, por sua vez, são compostos de simbologias com potencial de confundir
até mesmo um profissional experiente da saúde mental. O Pai da Psicanálise foi
sabiamente categórico ao afirmar que a linguagem dos sonhos é constituída
essencialmente de símbolos, e que a sua manifestação é uma representação
sensória do inconsciente, evocadas por estímulos externos (ou não). Um símbolo
detém um forte vínculo com o seu objeto recalcado ou objetos de determinado contexto.
Logo, seria sensato reconhecer que ao analisar um ou mais sonhos o Analista
percorra uma via que conduz ao inconsciente e seus conteúdos selados. Ao “mexer”
no inconsciente por associação livre ou interpretação dos sonhos, o terapeuta
traz à tona estados de pura excitação. Sentimentos que podem revelar os
estímulos das psiconeuroses manifestas, dissimuladas ou incubadas.
A linguagem e a simbologia no contexto
“Aquele
médico é um açougueiro”. Esta afirmação não é verdadeiramente literal (a
princípio, afinal, nada impede tal possibilidade), pois se trata tão somente de
uma metáfora que intenta desabonar um profissional (pelo menos para quem
proferiu a simbologia). O que permite alguém interpretar e consequentemente
compreender o uso não literal da linguagem é a contextualização com saberes
provenientes das esferas culturais e sociais, linguísticas e cognitivas. Os
conteúdos oníricos - mais do que qualquer outro – demandam conhecimentos
específicos, profundos e muita vivência para interpretação.
Os
significados culturais são deveras importantes na simbologia de contexto.
Alguns exemplos: - o ato de cruzar os dedos é usual em países ocidentais, cujo
significado é atrair sorte. Todavia, no Vietnã simboliza a genitália feminina. -
Na Alemanha, ao escutar com as mãos nos bolsos, o ouvinte transmite ao
interlocutor total desinteresse pelo conteúdo. - Na América Latina e determinados
países ocidentais, acenar com o punho fechado e o polegar para cima, significa “ok”, ou seja, denota a concordância com algo dito
ou realizado, ou ainda, que está tudo bem. No Oriente Médio é considerado um
insulto indecoroso. Na Grécia, Rússia e alguns países da África é considerado
um insulto. Estes foram mínimos gestos simbólicos que podem causar alvoroço e
controvérsias conforme a cultura e costumes sociais.
Sonhos – uma porta para a simbologia do
desconhecido
O
Psicanalista, ao ouvir o Conteúdo
Manifesto do paciente, precisa estar atento as nuances do relato e não pode
ignorar ou negligenciar qualquer detalhe. A integridade e composição da análise
do sonho dependerá essencialmente das particularidades percebidas no decorrer
da sessão. No instante de escutar, a capacidade de perceber os fragmentos do
todo fará a diferença na etapa da análise. As Associações Livres que o Analista
porventura executar devem ocorrer sobre as frações “recortadas” do todo,
afinal, o sonho detém a irracionalidade e incoerência. Os mecanismos conhecidos
de formação do conteúdo do Sonho Latente
disfarçam o sonho manifesto. Se por um lado inexistem pensamentos abstratos no
sonho, por outro, as imagens são concretas mesmo sendo ilógicas e
impossibilitadas de tradução (paradoxal isso!). O mesmo ocorre na Condensação,
Desdobramento, Deslocamento, Representação do Oposto, ..., dissimulam as
pulsões ora recalcadas no ID.
A
simbologia por si só é passível de análise e interpretação. Mas é importante
pensar como um conjunto de símbolos se forma na mente do ser humano. Será que
os Modelos Mentais sui generis, o capital cultural e intelectual pessoal ou um
possível déficit cognitivo pode influenciar (ou distorcer ainda mais) o
desenvolvimento da simbologia contida nos sonhos? Como se revela o sonho de um
paciente com concepções errôneas ou distorcidas sobre aquilo que é considerado
convencional, normal, anormal, excêntrico, imoral, ...? Como seria o sonho de
um indivíduo que ingere Antipsicótico? Teria o Aparelho Psíquico a capacidade
de ajustar recalques constituídos a partir de experiências incomuns ou
surpreendentes para uma simbologia compreensível? Esses são alguns
questionamentos leigos instigados por um princípio Aristotélico: "A dúvida é o princípio da sabedoria".
Análise e interpretação – o desafio que não
pode conter erro
Criticar símbolos exige um conhecimento muito aprimorado
sobre a capacidade do cérebro de perceber imagens com sentido denotativo ou
conotativo - quase sempre inconscientemente. A saber, o sentido denotativo percebe
um símbolo (imagem) pela revelação da expressão literal que ele representa, ao
invés da insinuação por ele provocada. Por outro lado, a conotação remete ao
sentido mais amplo que se pode atribuir para uma simbologia, que vai muito além
da sua própria significação ou intenção. Em síntese trata-se do sentido
atribuído ao símbolo por consequência das associações motivadas pelo
significado popular que oscila de acordo com as experiências e sensibilidade do
Analista – sem esquecer a influência do contexto. Ainda, no âmbito da
estilística, o sentido conotativo é empregado com sentido metafórico ou figurado
em total contrariedade ao sentido comum, próprio e denotativo.
No decorrer do dia-a-dia o ser humano exercita
inconscientemente análises denotativas e conotativas pelo simples fato de serem
decorrentes do automatismo inerente as funções psicosensoriais. Portanto, cabe
ao Psicanalista decidir em que momento ele deverá utilizar o sentido denotativo,
o qual requer grande capacidade analítica, centrada rigorosamente no objeto (símbolo),
e que exige um total resfriamento da concepção emocional, a fim de evitar que o
racional seja sobrepujado pelo sentimental. Ou, em que momento usar o sentido
conotativo, totalmente liberto das amarras do racional e da lógica.
Enfim, ponderando tais considerações, seria sensato
cogitar que uma efetiva análise e interpretação de sonhos teria mais chance de
sucesso na medida que a sua simbologia fosse relativizada por duas aptidões: a
aptidão intelectual-interpretativa e aptidão emocional-sensitiva. A primeira,
quanto mais apurada, maior a possibilidade de sucesso de uma análise denotativa
dos sonhos (razão pura); a segunda, quanto mais apurada, maior a possibilidade
de sucesso de uma análise conotativa dos sonhos (emoção pura). Em síntese, o
equilíbrio e dosagem no decorrer do processo, caso a caso, seria o ideal. Colocar
descrédito na técnica da interpretação dos sonhos não seria o mais importante
neste interim. Antes disso, mais significativo, cabe ao Psicoterapeuta a
reflexão e decisão racional e responsável a respeito de adotar ou não a técnica
da interpretação dos sonhos no seu escopo de atuação – ao menos nos primeiros
anos do exercício da profissão – porque a mente do paciente não suportaria
equívoco no diagnóstico e muito menos no prognóstico do seu problema. De todas
as convicções de Sigmund Freud, James Allan Hobson (Neurocientista), Mark Solms
(Pesquisador na área da Neuropsicanálise), e tantos outros, a maior certeza de
todas é que ainda não se conhece tudo – ou pouco - sobre os sonhos.
“A dúvida é o princípio
da sabedoria”.
Aristóteles