O Tratamento de Ensaio
Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Doutorando em Psicologia Cognitiva
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social
O novo paciente, as novas origens
Este
texto começa com a seguinte indagação: existe uma técnica específica e certeira
para a terapia psicanalítica? A resposta para esta simples questão poderia ser
um exato “sim”. Contudo, é muito importante e prudente lembrar que as
estruturas sociais mudaram e, agora mais do que nunca, continuam mudando numa
dinâmica deveras acelerada, quem sabe até, desenfreada. O método outrora e
atualmente utilizado com sucesso acentuado, encontra diante de si um novo
paciente, singularizado por um universo de contextos sociais multifacetados, ou
seja, as origens dos alvoroços psicológicos parecem ter se multiplicado.
Obviamente
que a época na qual a terapia psicanalítica se restringia às mulheres
histéricas ficaram há muito para trás. Todavia, com o transcorrer dos tempos o
rol de acometidos por perturbações psicológicas se dilatou para todos os
gêneros, faixas etárias e outros transtornos, sejam eles fóbicos, psicóticos ou
obsessivos. Não é de agora que os distúrbios da psique – depressão, baixa
autoestima, estresse, síndrome do pânico, bulimia, por exemplo – se manifestem
sem causa aparente e a busca por respostas, muitas vezes, sequer são
investigadas.
Novas convenções (ou concepções)
É
relevante reconhecer que algumas convenções ou concepções contemporâneas (mais
atuais) como a reformatação do núcleo familiar, cuja estrutura fora
drasticamente alterada da convencional vida matrimonial sob o mesmo teto, e com
personagens bem definidos (avós, pai, mãe, filhos), provocam uma verdadeira
confusão na tenra mente de um jovem filho. Levando-se em conta que a crise de
identidade (aqui caracterizada) acontece em nível individual, grupal e social.
Se por um lado existem novíssimos paradigmas para determinados comportamentos,
também existem padrões que perduram no transcorrer dos tempos. Talvez neste
choque de preceitos aconteça alguma desordem psíquica sobre o que é certo ou
errado (não se levando em conta, neste parágrafo, o conceito literal ou
convencional de certo e errado).
Outro
aspecto que poderia ser levado em conta diz respeito ao sentimento de
imediatismo que se estabeleceu, principalmente na mente mais jovem, a partir do
mundo virtual que tomou conta das relações sociais e profissionais. As relações
pautadas por tradicionais valores foram paulatinamente substituídas por relações
surreais, ou seja, a separação ou a diferenciação ente realizar e sonhar foram gradativa
e absolutamente extintas. Quando tudo é possível com esforço mínimo ou nulo e
de imediato (através da virtualidade), a negação e o desapontamento (estes,
sim, reais) tornam-se insuportáveis. Desta feita não se faz necessário adentrar
no viés dos prováveis danos psíquicos oriundos do exposto. Um paciente que porventura
buscar ajuda psicanalítica por não suportar o inalcançável, anseia desesperadamente
pela solução, esta sim, imediata. Os parágrafos anteriores mencionaram de forma
abreviada que as relações entre os indivíduos e eles próprios mudaram. Mas, e o
Analista? Também mudou? Diante de um mundo de tantas incertezas, esta resposta
é certeira: sim! O Psicanalista, inevitavelmente, sofre uma reciclagem (querendo
ou não, aceitando ou não) conjuntamente com as mutações comportamentais individuais
e sociais.
A entrevista
Segundo
Freud, o Tratamento de Ensaio ou
Entrevista, não seria a primeira sessão da análise porque neste contato preliminar
intercorre um “ensaio” de Associação Livre e Pré-Transferência (e também Contratransferência),
capaz de fornecer subsídios para a tomada de decisão sobre aceitar ou rejeitar
o possível paciente. O marco inicial seria, isto posto, ao final da Entrevista,
contanto que o Analista concorde em tratar o paciente, diante de um diagnóstico
favorável, é claro. Esse processo decisório é deveras complexo, uma vez que
tanto o Analista quanto paciente não sabem integralmente o que está por vir. Por
mais previdente que possa ser o diagnóstico, o Analista não terá a absoluta certeza
da trama existente no inconsciente do paciente e a extensão da psicopatologia.
O paciente, por sua vez, não detém plena consciência de como a terapia irá se desdobrar
e muito menos o tempo necessário para tal. Existe uma possibilidade latente de
que o paciente vislumbre nada mais do que a mera eliminação de alguma manifestação
psicossomática, ao passo que o Analista pretenda (como deve ser) ir muito além
(buscar a origem). O Psicanalista precisa ser dotado de uma capacidade de
observação intensamente aguçada, capaz de perceber no discurso inicial do
pretenso paciente o grau de motivação e comprometimento para buscar a origem e
solução do seu tormento psíquico. A prudência acena que na menor sombra de
dúvida, sobre aceitar ou não um paciente, o Analista realize mais de um
Tratamento de Ensaio para uma tomada de decisão.
A motivação decisória – Analista / Paciente
Ao
postar-se diante de alguém que lhe procurou, o Analista deve estar ciente das
motivações que irão impulsioná-lo ou encorajá-lo a aceitar o “entrevistado”
como seu paciente. Uma decisão pautada apenas pela relação “sou Analista, logo,
analiso” pode ser um impulso arriscado. As variáveis que influenciam o
propósito poderiam ser financeiras, científicas ou até mesmo devido ao fato do
indivíduo ter sido encaminhado por alguém muito próximo ao Psicanalista. Enfim,
uma vez evidente ao Terapeuta as suas motivações, ele pode determinar o tipo de
terapia (para Psicose ou Neurose, por exemplo) e o rumo a ser adotado. Entretanto,
em hipótese alguma, o Analista pode ser negligente com relação aos seus limites
físicos, intelectuais e estruturais. O pretenso paciente, por sua vez, precisa
sentir-se acolhido, compreendido. A forma como o Psicanalista conduzir a
Entrevista poderá fazer toda a diferença no momento de o paciente decidir
prosseguir “a deitar-se no divã”. Afinal, ele também detém o direito de
contratar ou não os serviços do profissional da Psicanálise que lhe foi
indicado ou encontrado.
Considerações Finais
Nesta
síntese sobre Tratamento de Ensaio fica clara a intenção primordial do
processo. Apesar da entrevista preliminar deter as mesmas características da Terapia
Psicoterápica, propriamente dita, é necessário reconhecer que elas são
paradoxalmente dependentes e distintas. Dependentes porque uma entrevista imprevidente
e impulsiva pode resultar na decisão de aceite de um paciente impróprio (alguém
com Psicose em estado crítico, por exemplo). Distintas porque ocorrem em
momentos específicos, sendo que a terapia pode acontecer ou não. Quem cria a
demanda de análise é o terapeuta, não o demandante, e esta demanda deve ser
delineada por sintomas analisáveis. Um sintoma analisável é aquele que se
manifesta por intermédio de um recalcamento emergido das profundezas obscuras do
inconsciente. Portanto, o Tratamento de Ensaio é mais do que importante, é
indispensável.
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