quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O Tratamento de Ensaio




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O Tratamento de Ensaio

Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Doutorando em Psicologia Cognitiva
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social

            O novo paciente, as novas origens

            Este texto começa com a seguinte indagação: existe uma técnica específica e certeira para a terapia psicanalítica? A resposta para esta simples questão poderia ser um exato “sim”. Contudo, é muito importante e prudente lembrar que as estruturas sociais mudaram e, agora mais do que nunca, continuam mudando numa dinâmica deveras acelerada, quem sabe até, desenfreada. O método outrora e atualmente utilizado com sucesso acentuado, encontra diante de si um novo paciente, singularizado por um universo de contextos sociais multifacetados, ou seja, as origens dos alvoroços psicológicos parecem ter se multiplicado.

            Obviamente que a época na qual a terapia psicanalítica se restringia às mulheres histéricas ficaram há muito para trás. Todavia, com o transcorrer dos tempos o rol de acometidos por perturbações psicológicas se dilatou para todos os gêneros, faixas etárias e outros transtornos, sejam eles fóbicos, psicóticos ou obsessivos. Não é de agora que os distúrbios da psique – depressão, baixa autoestima, estresse, síndrome do pânico, bulimia, por exemplo – se manifestem sem causa aparente e a busca por respostas, muitas vezes, sequer são investigadas.

            Novas convenções (ou concepções)

            É relevante reconhecer que algumas convenções ou concepções contemporâneas (mais atuais) como a reformatação do núcleo familiar, cuja estrutura fora drasticamente alterada da convencional vida matrimonial sob o mesmo teto, e com personagens bem definidos (avós, pai, mãe, filhos), provocam uma verdadeira confusão na tenra mente de um jovem filho. Levando-se em conta que a crise de identidade (aqui caracterizada) acontece em nível individual, grupal e social. Se por um lado existem novíssimos paradigmas para determinados comportamentos, também existem padrões que perduram no transcorrer dos tempos. Talvez neste choque de preceitos aconteça alguma desordem psíquica sobre o que é certo ou errado (não se levando em conta, neste parágrafo, o conceito literal ou convencional de certo e errado). 

            Outro aspecto que poderia ser levado em conta diz respeito ao sentimento de imediatismo que se estabeleceu, principalmente na mente mais jovem, a partir do mundo virtual que tomou conta das relações sociais e profissionais. As relações pautadas por tradicionais valores foram paulatinamente substituídas por relações surreais, ou seja, a separação ou a diferenciação ente realizar e sonhar foram gradativa e absolutamente extintas. Quando tudo é possível com esforço mínimo ou nulo e de imediato (através da virtualidade), a negação e o desapontamento (estes, sim, reais) tornam-se insuportáveis. Desta feita não se faz necessário adentrar no viés dos prováveis danos psíquicos oriundos do exposto. Um paciente que porventura buscar ajuda psicanalítica por não suportar o inalcançável, anseia desesperadamente pela solução, esta sim, imediata. Os parágrafos anteriores mencionaram de forma abreviada que as relações entre os indivíduos e eles próprios mudaram. Mas, e o Analista? Também mudou? Diante de um mundo de tantas incertezas, esta resposta é certeira: sim! O Psicanalista, inevitavelmente, sofre uma reciclagem (querendo ou não, aceitando ou não) conjuntamente com as mutações comportamentais individuais e sociais.

            A entrevista

            Segundo Freud, o Tratamento de Ensaio ou Entrevista, não seria a primeira sessão da análise porque neste contato preliminar intercorre um “ensaio” de Associação Livre e Pré-Transferência (e também Contratransferência), capaz de fornecer subsídios para a tomada de decisão sobre aceitar ou rejeitar o possível paciente. O marco inicial seria, isto posto, ao final da Entrevista, contanto que o Analista concorde em tratar o paciente, diante de um diagnóstico favorável, é claro. Esse processo decisório é deveras complexo, uma vez que tanto o Analista quanto paciente não sabem integralmente o que está por vir. Por mais previdente que possa ser o diagnóstico, o Analista não terá a absoluta certeza da trama existente no inconsciente do paciente e a extensão da psicopatologia. O paciente, por sua vez, não detém plena consciência de como a terapia irá se desdobrar e muito menos o tempo necessário para tal. Existe uma possibilidade latente de que o paciente vislumbre nada mais do que a mera eliminação de alguma manifestação psicossomática, ao passo que o Analista pretenda (como deve ser) ir muito além (buscar a origem). O Psicanalista precisa ser dotado de uma capacidade de observação intensamente aguçada, capaz de perceber no discurso inicial do pretenso paciente o grau de motivação e comprometimento para buscar a origem e solução do seu tormento psíquico. A prudência acena que na menor sombra de dúvida, sobre aceitar ou não um paciente, o Analista realize mais de um Tratamento de Ensaio para uma tomada de decisão.

            A motivação decisória – Analista / Paciente

            Ao postar-se diante de alguém que lhe procurou, o Analista deve estar ciente das motivações que irão impulsioná-lo ou encorajá-lo a aceitar o “entrevistado” como seu paciente. Uma decisão pautada apenas pela relação “sou Analista, logo, analiso” pode ser um impulso arriscado. As variáveis que influenciam o propósito poderiam ser financeiras, científicas ou até mesmo devido ao fato do indivíduo ter sido encaminhado por alguém muito próximo ao Psicanalista. Enfim, uma vez evidente ao Terapeuta as suas motivações, ele pode determinar o tipo de terapia (para Psicose ou Neurose, por exemplo) e o rumo a ser adotado. Entretanto, em hipótese alguma, o Analista pode ser negligente com relação aos seus limites físicos, intelectuais e estruturais. O pretenso paciente, por sua vez, precisa sentir-se acolhido, compreendido. A forma como o Psicanalista conduzir a Entrevista poderá fazer toda a diferença no momento de o paciente decidir prosseguir “a deitar-se no divã”. Afinal, ele também detém o direito de contratar ou não os serviços do profissional da Psicanálise que lhe foi indicado ou encontrado.
 
            Considerações Finais

            Nesta síntese sobre Tratamento de Ensaio fica clara a intenção primordial do processo. Apesar da entrevista preliminar deter as mesmas características da Terapia Psicoterápica, propriamente dita, é necessário reconhecer que elas são paradoxalmente dependentes e distintas. Dependentes porque uma entrevista imprevidente e impulsiva pode resultar na decisão de aceite de um paciente impróprio (alguém com Psicose em estado crítico, por exemplo). Distintas porque ocorrem em momentos específicos, sendo que a terapia pode acontecer ou não. Quem cria a demanda de análise é o terapeuta, não o demandante, e esta demanda deve ser delineada por sintomas analisáveis. Um sintoma analisável é aquele que se manifesta por intermédio de um recalcamento emergido das profundezas obscuras do inconsciente. Portanto, o Tratamento de Ensaio é mais do que importante, é indispensável.

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