sábado, 14 de março de 2020

RESISTÊNCIA: HERÓI OU VILÃO?


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Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Formando em Psicanálise
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social
            
            O conteúdo deste texto não tem como objetivo uma delongada discussão sobre o processo de Resistência que surge no decorrer das sessões psicoterapêuticas. Também não visa resgatar o conceito na sua origem - brilhantemente desenvolvido por Freud - e confronta-lo com as novas concepções a respeito, emergidas desde aquele tempo. O recorte cíclico abarca juízos e abstrações da atualidade e a intenção seria provocar a crítica e possivelmente uma consideração final sobre a questão refletida no título desta redação: afinal, a Resistência é salutar ou desfavorável?

            A Resistência como vilão – obstáculo para a análise

            É inegável e/ou compreensível que determinados acontecimentos históricos na vida de qualquer ser humano possam semear algum gênero de neurose na psique inconsciente. O papel fundamental do Psicanalista, segundo o Pai da Psicanálise, é trazer à margem do consciente as pulsões que atormentam o paciente, pois somente assim, as angústias e flagelos poderão ser “encarados de frente”, enfrentados e, por uma ótica otimista, controlados (para não afirmar, extinguidos). Contudo, neste afrontamento de emoções, surge um processo considerado impossível de prever ou evitar, a Resistência. Ela pode surgir de imediato (na entrevista ou anamnese) ou gradativamente (no decorrer das sessões). É possível afirmar que ela surgirá de várias formas e tipos (ou não, afinal, cada caso é um caso – porém, improvável). O imenso desafio, se não o maior deles, é reconhecer e “remover” cada Resistência, ou seja, desconstruir as barreiras que intentam impedir a psicoterapia. A Resistência tenta rechaçar o acesso aos conteúdos engessados no inconsciente, procura dificultar a conversão de tudo que é inconsciente para o nível consciente.

            Diante de uma ótica holística, seria aceitável identificar uma analogia entre diluir resistências e conteúdos reprimidos, uma vez que uma se origina da outra (não seria a resistência uma criação da anticatexia?). A mente do paciente acaba por situar-se entre o desejo de expressar e “resistir”. A psique humana, deveras artimanhosa, é capaz de desenvolver Resistências até mesmo a partir dos erros de expressão ou interpretação do Psicoterapeuta. Portanto, um alerta, junto à vontade latente de falar do paciente, a voracidade da Resistência permanecerá à espreita de um deslize do analista. Serão meras tentativas de impelir obstáculos as associações livres.

            A Resistência como herói – caminho indispensável para a análise

            Os primeiros debates sobre Resistência surgiram quando Freud tentava exteriorizar as memórias reprimidas das pacientes consideradas histéricas. É importante ressaltar que tal discussão acontecera antes do surgimento das Associações Livres, período no qual a prática da hipnose era empregada com relativo sucesso. A psicoterapia, neste caso, consistia de um método quase coercitivo. A concepção era de que a Resistência (termo que surgiu por volta de 1893 no case Elisabeth Von. R) atuava como barreia, oposição no percurso da terapia. (ZIMERMAN, 2004, p.95)[1].

            No entanto, o entendimento de que as Resistências não passavam de obstáculos obteve uma nova conotação. O significado e o grau de importância delas, analisou Freud, acenavam o quanto elas eram necessárias para os pacientes e Psicanalistas. Ao Analista tais obstruções funcionam como agentes formadores de sinais e maneiras de como funciona o aparelho psíquico do paciente. Compreender as resistências do indivíduo postado no divã significa compreender como a sua mente consciente e inconsciente operam naquele período da vida. O ato de pressentir o estado mental inconsciente do paciente por intermédio das Resistências, contribui sensivelmente com o desenvolvimento de um processo ritmado da psicoterapia, ou seja, cadencia ao invés de apressar a busca pelas origens das psiconeuroses e as possíveis soluções. Talvez uma aproximação precipitada, desgovernada, rápida demais, promova o surgimento de outras Resistências e quem sabe até novas psiconeuroses.

            Um Psicanalista ao tentar de imediato desconstruir uma repressão poderia abalar mais ainda o Ego, ou um deslocamento poderia acrescer o número de “vítimas” por ofensas, ou uma dissociação de consciência poderia fazer prevalecer a parte reprimida, ou uma escotomização poderia “cegar de vez” o paciente, ou um isolamento poderia afugentar definitivamente um paciente, ou ... (apenas suposições). Ao que tudo indica (teorias, conceitos, práticas) as Resistências tornam-se mais intensas ou volumosas na medida em que o Analista se aproxima das representações recalcadas do paciente. Portanto, se o psicoterapeuta “ameaça” reconhecer e revelar as ameaças inconscientes, e como resposta da psique as Resistências se manifestam ou aumentam, isto poderia ser considerado um sinal de que se está no caminho certo, o caminho para o enfrentamento e tentativa de solução. Também existe algo importante a ser considerado na análise das Resistências: atua no processo formativo do Analista enriquecendo a “bagagem” de experiências acumuladas.

            Considerações sobre as benesses da Resistência

            Diante de teorias, conceitos e principalmente da prática psicanalítica (certamente um universo frente ao que foi sucintamente exposto neste texto), fica evidente que a Resistência detém um papel importante na psicoterapia. Basta refletir sobre um case hipotético: um indivíduo é surpreendido por um ataque de humor (Defesa) durante os atos fúnebres de alguém querido. Contudo, não sofreu Postergação de Afetos quando se encontrava solitariamente em casa. Questão: por que a segunda Defesa não foi acionada pela psique? Ou, por que não aconteceu somente a segunda Defesa da psique após os préstimos lutuosos? Não basta descobrir que determinadas reações são as Defesas constituídas pela Resistência, é necessário desvendar por que uma Defesa foi manifestada e não outra – e a fonte motivadora.

            Os simbolismos que o paciente expõe pelas Associações Livres ou através dos sonhos, carregariam um duplo significado ou significados distintos, porém, voltados para a mesma origem? Uma pessoa que pronuncia o famoso dizer “olho, mas não enxergo”, estaria revelando que algo é insuportável de enxergar pelo ato em si ou porque remete para algo que foi insuportável no passado? O ato de “não enxergar” não elimina ou resolve o problema, muito menos atenua a perturbação emocional recorrente. Caberia, então, ao Analista investigar e compreender: 1- Por que o “objeto” precisa ser forçosamente ignorando; 2- Qual o motivo da psique do paciente ter “optado” pela Escotomização. Portanto, uma origem, dois questionamentos.

            Enfim, um Psicoterapeuta sempre terá diante de si novos desafios. O seu repertório de conhecimentos lhe confere gabarito para enfrenta-los, entretanto, jamais lhe garantirá certezas e sucessos. A princípio, todo ser humano parece conduzir dentro do seu pensar a tendência de observar, adequar e produzir as suas crenças de modo intensamente pessoal. Logo, um paciente seguro e arraigado nas suas convicções irá manifestar um conjunto de Resistências do seu repertório inconsciente, sejam elas acertadas ou não. Outra tendência humana parece ser a ausência de senso crítico, aquele olhar analítico que conduz a busca pelo conhecimento fundamentado e bom senso.

            A título de sustentação: dez pessoas foram questionadas sobre o significado dos Três Macaquinhos Sábios (imagem trazida por um monge budista chinês no século 8, segundo folclore japonês), Mizaru (o que cobre os olhos), Kikazaru (que tapa os ouvidos) e Iwazaru (tampa a boca). Resposta unânime: - significa que não devo enxergar, ouvir e falar quando algo não me convém (uma Escotomização aperfeiçoada). A tradução e interpretação correta seria “não ouça o mal”, “não fale o mal” e “não veja o mal”. Dois significados para o mesmo objeto. Portanto, conduzir o paciente rumo ao significado correto é o desafio do Psicanalista (metaforicamente falando).


[1] ZIMERMAN, D. E. Manual de Técnica Psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed, 2004.

quarta-feira, 4 de março de 2020

A PERCEPÇÃO DOS AFETOS E O PROCESSO FORMATIVO DO PSICOTERAPEUTA


Resultado de imagem para mente
Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Doutorando em Psicologia Cognitiva
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social

             Seguindo o mesmo critério dos textos anteriores, a seguinte redação comportará um recorte considerado expressivo no contexto geral da Clínica Psicanalítica, uma vez que se torna impossível redigir comentários – mesmo superficiais - sobre tantos tópicos importantes e cruciais em reduzido espaço.

            A abordagem que chamou muito a atenção foram três dentre quatro formas de perceber os afetos da relação terapêutica por intermédio da perspectiva do terapeuta: “Eu sou o outro”, “Eu para o outro” e “O outro para mim”. O exercício do “sentir junto”, “ocupar lugares complementares” e “diferenciar-se destes lugares” – respectivamente -, exigirá do Psicanalista, simultaneamente, muita empatia e elevada racionalidade. É intrigante lembrar que através de uma ótica leiga, um Psicanalista detém a capacidade (ou obrigatoriedade) de portar-se de maneira insensível e “gélida” perante o seu paciente no transcorrer da sessão. Essa, com certeza, é uma visão completamente errônea da maioria das pessoas. 

            Em contraste a esse ponto de vista equivocado, o compartilhar e sentir promove o desenvolvimento formativo do analista (e do paciente). É um processo que exige prudência, todavia, uma trajetória importante e indispensável para a evolução e capacitação mais aprimorada do profissional que trata da saúde mental. O cuidado extremo no momento do sentir ancora na razão de não se deixar envolver emocionalmente pelos problemas do paciente. Não se envolver jamais deve ser confundido com não ficar atento, não se interessar ou não se comprometer com a resolução do problema (e até mesmo não sentir). A possibilidade de tal deslize colocaria todo o processo psicoterapêutico no caminho do fracasso e culminaria, inevitavelmente, no prejuízo da reputação do analista e da psicanálise.

            Das reações somáticas do psicoterapeuta à interpretação

            O Psicanalista precisa conter as suas reações emocionais (verbais e não verbais) diante das associações livres do paciente. A capacidade ou intensidade de comedimento do analista se manifesta de acordo com a sua realidade formativa, do seu repertório de formas somáticas, dos seus modos de lidar com as situações e vínculos. A princípio um psicoterapeuta não conseguirá mascarar ou acobertar plenamente as reações advindas dos Vínculos entre paciente e analista. Mas, o relevante é saber sentir e expressar a emoção correta com a intensidade apropriada. Talvez o saber sentir seja a manifestação mais complicada neste interim. Seria possível dosar a intensidade (com técnica e treinamento) e escolher no repertório somático pessoal a melhor expressão diante de uma circunstância.

            Porém, sentir requer experimentação. Por exemplo: o paciente relata a perda do seu cãozinho de estimação, parceiro fiel, amado, percebido como um filho. Contudo, o terapeuta nunca desfrutou da companhia de um cão, ou pior, tem aversão a espécie porque sofre de Rinite Alérgica, por consequência, alérgico aos pelos do animal. Pergunta: como o analista conseguirá expressar a emoção correta na intensidade apropriada se ele carece da sensação, emoção, vivência, afinidade, enfim, desconhece tal sentimento? A dificuldade, nesta exemplificação, está em buscar um vínculo no sentimento expresso pelo paciente, não no objeto que ocasionou o sentimento de perda. Logo, é sábio reconhecer que o Processo Analítico está longe de ser centrado no sujeito do analisando, tampouco do analista, mas sim nos vínculos estabelecidos entre eles, nos vínculos corretos. 

            Ao perceber os vínculos corretos o Psicoterapeuta facilita a Interpretação das narrativas. A constante interação entre paciente e Psicanalista converte o terapeuta em participante ativo do processo psicoterapêutico e remove do paciente o rótulo de narrador passivo, afinal, concomitantemente, eles influenciam um ao outro através das emoções emanadas. Mas, no final das contas, o sentimento constitui a emoção ou a partir do sentimento a emoção surge? Algumas vertentes da ciência sugerem que a emoção é uma disposição de sentimento que abrange alterações fisiológicas e psíquicas, interferindo de imediato na maneira como o indivíduo pensa e, consequentemente, se comporta.

            É importante que o Psicanalista tenha conhecimento sobre algumas teorias da emoção, categorizadas em três princípios: * Princípio Neurológico: postula que as respostas emocionais são provenientes, unicamente, das atividades cerebrais; * Princípio Fisiológico: presumem que as reações do corpo impulsionam os reflexos emocionais; * Princípio Cognitivo: subentendem que os pensamentos e as atividades mentais são as motivadoras das reações emocionais[1]. Diante desses princípios é prudente considerar que todas as pessoas sentem emoções, porém, em intensidade, situações e momentos diferentes. Logo, algumas emoções podem ser admitidas como pertencentes ao senso comum, ou seja, todos sentem uma determinada emoção nas suas devidas proporções pessoais. Outras, nem tanto!

            No ano 1872, Charles Darwin em sua obra - A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais relata uma experiência: “Encostei meu rosto no vidro grosso, na frente de uma cobra venenosa, [...] determinado a não saltar para trás se ela me atacasse, mas assim que ela deu o bote, minha decisão perdeu o efeito, e recuei de um a dois metros [...]. Minha vontade e razão foram inúteis face à sensação de um perigo que nunca tinha experimentado”[2]

            Nesta vivência, qual é o princípio ou gatilho que impulsionou a reação? Neurológico, fisiológico ou cognitivo? A experiência relatada demonstra, incontestavelmente, que a razão se torna impossibilitada de controlar as reações diante de uma circunstância introjetada naturalmente nas emoções humanas vinculadas ao medo. É sabido que cobras podem ser venenosas (a maioria das pessoas não distingui uma víbora peçonhenta das outras). Portanto, ao serem avistadas, a reação emocional rege distanciamento ou fuga. Mesmo que um indivíduo nunca tenha sido atacado, mordido ou se aproximado de uma serpente, a reação de receio e pânico se farão naturalmente presentes. Assim, torna-se evidente que as influencias emocionais podem ser natas ou decorrentes de uma experiência. E, nada mais sensato, que presumir que as emoções preparam para o inevitável e protegem o ser humano. As emoções são as representações básicas dos meios inteligentes não conscientes, desencadeados por processos primários cujas expressões de palavras ausentes invocam respostas igualmente sem palavras, ou seja, a interpretação.

            Considerações finais
            O ambiente terapêutico e a interpretação das emoções

            O ambiente onde acontece a sessão merece atenção especial. Ele precisa ser configurado sem preferências e desejos pessoais – foco: o paciente. As cores, o mobiliário, a disposição dos objetos, enfim, tudo requer planejamento meticuloso. Contudo, um detalhe que merece reflexão diz respeito ao posicionamento do divã. Esta redação elencou a percepção dos afetos e dedicou contemplação sobre o sentimento e a emoção. Excluindo as etapas da anamnese e entrevista, um paciente em terapia permaneceria postado no divã à frente da posição do terapeuta (a prática sugere). Nesta perspectiva o Psicanalista fica impossibilitado de perceber as reações fisionômicas do paciente. A comunicação não verbal seria indispensável para uma contextualização mais ampla e precisa da narrativa durante as associações livres. Portanto, a decisão de onde ou como dispor o paciente e analista não podem ser negligenciadas. A certeza é de que as formas somáticas, o processo formativo, o envolvimento do paciente com as regras da livre associação, tudo gravita em torno de emoções e sentimentos.


[1] PAUL, K. Tudo que você precisa saber sobre psicologia: um livro prático sobre o estudo da mente humana. Tradução: Leonardo Abramowics. São Paulo: Gente, 2015.
[2] PAUL, E. A linguagem das emoções: revolucione sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor. Tradução: Carlos Czlak. São Paulo: Lua de Papel, 2011.