segunda-feira, 28 de junho de 2021

Transtorno de Pânico

 

 


    Traçando um perfil

    Vamos, inicialmente, traçar um quadro emocional instável de um paciente X. Quando o paciente X dirigiu-se ao consultório pela primeira vez, a sua vida estava mais ou menos desestruturada. No ano anterior, sem qualquer aviso, ele havia começado a experimentar sintomas de ansiedade tão graves que a sua vida estava, literalmente, paralisada. O Sr. X estava afastado do trabalho por motivos de saúde. Havia desistido de quase todas as suas atividades sociais e recreacionais. Boa parte do seu tempo, sentiase tão aterrorizado que nem saía de casa. Sua vida familiar havia se tornado um pesadelo estressante. Ele passava quase todo seu tempo compulsivamente buscando em si próprio os sintomas físicos gerados por sua ansiedade: tontura, fôlego reduzido, aumento dos batimentos cardíacos, desorientação. Quando os sintomas chegavam (e quase toda a atividade provocava o surgimento deles), Sr. X ficava incapacitado. Como resultado disso, mergulhou em uma profunda depressão; sentiase desesperado sobre seu futuro e procurou um Psicanalista como um último recurso. Tudo começou em um dia em que ele estava se exercitando na esteira da academia. O ar condicionado estava quebrado e ele estava suando profusamente, mas mantevese na esteira. Quando parou, sentiu uma certa falta de ar, como se estivesse sufocado. Começou a respirar mais rapidamente, tentando buscar mais ar, contudo, não conseguia. Além disso, o esforço fez com que ficasse tonto. Quando se sentou, percebeu que seu coração batia fortemente e pensou: “Será que estou tendo um ataque cardíaco? ”. Assustado, pediu que alguém o levasse até o hospital. Lá, enquanto esperava o médico chegar, sua respiração voltou ao normal. O médico examinouo e disse que não havia nada de errado. Enfim, ele foi para casa. Todavia, algo havia começado a acontecer, um tanto quanto perturbador. Ele começou a perder o fôlego com frequência. Toda vez que isso acontecia, ficava tonto ou desmaiava. Essa ansiedade fez com que seus batimentos cardíacos subissem, algo que o deixava ainda mais preocupado. O Sr. X parou de frequentar a academia, pois os exercícios físicos pareciam provocar tal condição. Parou de correr e de nadar, mas seus sintomas persistiram nos níveis mais baixos de atividade, até que o simples fato de caminhar os provocava. Depois de algum tempo, descobriu que estava experimentando os mesmos sintomas quando entrava em um elevador ou quando dirigia – ou diante de qualquer coisa que fosse minimamente estressante. Seu trabalho situava-se num prédio em um andar alto, e ele parou de usar o elevador, mas subir pelas escadas também estava fora de questão. Foi aí que parou de trabalhar. No final, ficava ansioso só de sair de casa, o que já não fazia mais. Sua vida ficou cada vez mais limitada. Seus médicos não encontravam qualquer anormalidade na sua condição física, mas o Sr. X percebia que era cada vez mais difícil fazer o que sempre fizera, ter uma vida normal. A situação chegou a tal ponto que ele começou a entrar em depressão.

    O que é Transtorno de Pânico?

    O que estava acontecendo ao Sr. X pode parecer estranho, mas não é incomum. Muitas pessoas passam pela mesma espécie de sintomas: são típicos do Ataque de Pânico. O Ataque de Pânico é o surgimento de ansiedade acerca do que acontece em seu corpo; pode ser definido como medo de suas próprias sensações. As pessoas que passam por um ataque de pânico podem sentir falta de ar, fortes batimentos cardíacos, zunidos, calafrios ou calores, sufocamento, engasgamento, suor, perda do controle sobre a bexiga, náusea, dores no peito e, frequentemente associada, uma sensação de ruína impeditiva. As pessoas que sofrem com isso acreditam que estejam tendo um ataque cardíaco ou colapso nervoso, ou ainda, que estejam ficando loucas. É claro que é possível ter esses sintomas por razões puramente fisiológicas. É por isso que é recomendável que as pessoas que têm essas respostas físicas passem por um exame médico para descartar a possibilidade de uma condição grave de saúde. Tais sintomas também podem ser encontrados em coisas simples como uso de cafeína ou álcool. Mas se esses fatores puderem ser eliminados como causas e os exames clínicos não comprovarem algo anormal, e os sintomas ainda persistirem, é provável que o paciente esteja sofrendo de um padrão clássico De Ataque de Pânico. O surgimento de um ataque está frequentemente ligado aos medos de encontrar determinadas situações no mundo real. Esses medos são muitas vezes chamados coletivamente de Agorafobia, palavra grega que significa, literalmente, “medo de praça pública”. Alguns ativadores típicos da Agorafobia são o esforço vigoroso, estar sozinho, dirigir por sobre pontes ou em túneis, multidões, lugares altos, águas profundas, trens, aviões, áreas abertas ou elevadores. Todas essas situações envolvem o tipo de estresse associado ao perigo – ou o que teria sido perigoso em um ambiente primitivo.

    Portanto, estão claramente ligados à nossa programação evolutiva. Entretanto, o fator a ser acrescentado é o de que a Agorafobia geralmente envolve não apenas o medo de certos perigos, mas o medo de que as reações da mente e do corpo a esses perigos fugirão do controle: de que a pessoa terá um ataque cardíaco ou um colapso, de que perderá a sanidade ou algo semelhante, e até mesmo de que ocorrerá o óbito. O indicador central é o medo de suas próprias sensações e emoções (algumas pessoas têm Ataque de Pânico, mas não têm medo de situações específicas, isto é, não tem “Agorafobia”). Se alguém tem esses sintomas de Agorafobia regularmente, especialmente se as situações levam, de maneira consistente, a Ataques de Pânico, é possível que tenha desenvolvido o Transtorno de Pânico, que é um transtorno em que o medo de um Ataque de Pânico se torna mais ou menos constante. O critério não é necessariamente se ou com que frequência os Ataques de Pânico surgem, mas se é desenvolvido ou não um medo permanente de tais ataques. O Transtorno de Pânico e a Agorafobia estão geralmente associados. Os medos agorafóbicos podem atacar em qualquer lugar e a qualquer momento, embora pareçam mais comuns sob determinadas condições. Cerca de 60% dos Ataques de Pânico se devem à Hiperventilação. Ao se respirar rapidamente (Hiperventilação), é inalado muito mais oxigênio do que o necessário e a quantidade de dióxido de carbono inalado é em quantidade insuficiente. Assim, o sangue contém oxigênio em demasia (Hipocapnia). Isso faz com que as artérias e vasos sanguíneos se contraiam, bloqueando o fluxo de oxigênio ao cérebro, o que leva a sensações de tontura e sufocação. Os Ataques de Pânico muitas vezes ocorrem no meio da noite, possivelmente por causa da Apneia do Sono ou de mudanças no dióxido de carbono. Esses ataques noturnos de pânico frequentemente acordam a pessoa, deixandoa em estado de confusão e agitação. A maior parte das pessoas consegue voltar a dormir quando percebe o que aconteceu. Contudo, quem sofre de Ataque de Pânico pode ficar demasiadamente aterrorizado e não voltar a dormir – sente que esses ataques noturnos são um sinal de catástrofe iminente. Muitos pacientes acreditam que seus sintomas de pânico são sinais de um Ataque de Pânico; toda noite vão dormir sem a certeza de que acordarão pela manhã. Às vezes, as situações que acionam os Ataques de Pânico podem ser bastante incomuns. Parece absurdo, mas alguém pode ter pânico ativado pela presença de nuvens no céu. Como? À medida que o sol é encoberto, o paciente experimenta uma sensação avassaladora de maus pressentimentos: medo de sair em um dia de sol porque as nuvens poderiam aparecer. Isso pode levar a um diagnóstico equivocado de psicose. Mas longe disso”. Trata-se apenas de um Transtorno de Pânico com Agorafobia.

    O Transtorno de Pânico é tratável?

    A condição é passível de tratamento e o Transtorno de Pânico poderá melhorar substancialmente em dois meses, a partir do uso de uma Terapia Cognitivo-Comportamental estruturada. A maior parte das pessoas tratados dessa maneira mantém sua condição de melhora, expressando decréscimo tanto na ansiedade quanto na depressão. É muito importante salientar que, como todos os transtornos da ansiedade não tratados, o Transtorno de Pânico e a Agorafobia podem resultar em uma combinação debilitadora de ansiedade e depressão. Não é incomum que o problema persista durante anos, talvez décadas. Algumas ficam tão incapacitadas que não conseguem mais trabalhar. Outras são incapazes de ter vida social ou de viajar – em casos extremos, podem até não sair de casa. Às vezes, o medo de doenças físicas se torna uma profecia que acaba por se cumprir: as pessoas com Transtorno de Pânico são mais propensas a desenvolver doenças cardiovasculares, aneurismas, embolia pulmonar ou derrames cerebrais. Também são mais aptas a ficarem deprimidas e a tentarem o suicídio. Se não for tratado, o Transtorno de Pânico pode ser uma condição devastadora.

 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

SOLIDÃO

 

   

    A SOLIDÃO

    Reflexões de um Psicanalista

    Fevereiro de 2021. Após algumas sessões com a paciente M., ela por livre e espontânea vontade, afirma: “Creio que não precisamos mais nos encontrar. Sinto-me muito bem! ”. E realmente, apresentava um semblante de segurança e tranquilidade. Mesmo ciente da forte e provável possibilidade da Sra. M. ter uma recaída das suas ansiedades e depressões constantes, o Analista, diante de um quadro expressivo de intensa serenidade e felicidade, resolve satisfazer a sua vontade. Afinal, nada, absolutamente nada, foi escavado no seu passado que revelasse algo perturbador que ressurgisse das profundezas do inconsciente. Maio de 2021. A Sra. M. parece ter readquirido a sua instabilidade emocional e excessiva preocupação com determinados objetos, pessoas e cenários. Na visão neurótica da Sra. M. tudo acaba terminando com um resultado desastroso, apesar das situações serem na maioria das vezes, simples. Ela comumente acaba frustrando-se com os próprios pensamentos ruins e, de certa forma, lamuriando para quem estiver próximo e disposto a ouvi-la. A questão que sempre acaba suscitando é: - afinal, as psiconeuroses mais brandas, não provenientes de um quadro clínico físico severo, são incuráveis, apenas administráveis ou o paciente (no fundo) não quer se ver livre delas? Sempre me causou e ainda provoca espanto quando ouço um paciente declarar que faz terapia há cinco, dez, vinte anos. Mais surpresa ainda fico quando um profissional da saúde mental afirma, categoricamente, que é bom fazer análise pelo “resto da vida”. Enfim, ninguém em perfeito juízo gosta de permanecer com gripe, sarampo, catapora, dor de dente, dor de cabeça, ..., contudo, por que os “grilos” mentais, aparentemente, fazem parte ou acabam por se incorporar na personalidade das pessoas.

    No final das contas, sem qualquer estudo mais aprofundado sobre este e tantos outros cases parecidos, até mesmo sobre o tema relacionado, surge uma palavra que assombra quase 50% da população mundial: solidão. Mas o que de fato vem a ser este sentimento? Ao digitar a palavra “solidão” no site “https://www.dicionarioinformal.com.br” surgem vários sinônimos. Dentre eles destaco alguns: apartado, acantoado, afastado, arredio, despedida, desunião, desviado, disjunto, distanciado, isolado, partida, remoto, retiro, deserto, abandono, árido, desabitado, despovoado, ermitão, inabitado, banimento, deportação, exílio, proscrição, relegação, descampado, eremita, retirado, clausura, retraimento, privação, viuvez, ausência... São alguns sinônimos, contudo suficientes, para provocar a reflexão sobre o quanto se sentir só pode vir a ser ruim e por vezes fatídico. A solidão é um lamento recorrente de bilhões de viventes mundo afora. E, curiosamente, estar só fisicamente não seria um pré-requisito para que isto aconteça. A solidão emocional é real e mesmo que possa parecer impossível ou “coisa da cabeça”, ela surge até quando se está rodeado de pessoas. A internet e as redes sociais, artifício que propicia conexão e interatividade com os mais variados navegadores, teoricamente deveria amenizar ou eliminar a solidão. Todavia, parece que não acontece de fato. Pesquisa norte-americana revelou que 46-47% das pessoas carregam consigo o sentimento de solidão e abandono na maioria das vezes ou quase sempre.  Sobretudo, é importante salientar que a solidão é natural em alguns períodos da vida. Entretanto, se esse sentimento é constante e ininterrupto é preciso procurar urgentemente algum tipo de ajuda. A solidão, acima de tudo, é um sentimento de não pertencimento, como os sinônimos anteriormente elencados traduzem. Por dedução, quem não consegue criar vínculos, nunca se identifica e não se relaciona com as outras pessoas, sofrem, mesmo que inconscientemente, com a solidão.  O medo de ser julgado e incompreendido é característico do solitário sofredor, cuja única força interior passa a ser o vazio existencial. A solidão até certo ponto é um sentimento inerente e subjetivo à existência humana. Existe uma visão completamente errônea de que a pessoas que vivem ou que desejam viver sós estão ou estarão, inevitavelmente, acompanhas da solidão.  

    Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão do século XIX, já dizia: “somos uma espécie de porco-espinho”. Qual seria o significado deste pensamento? Para compreender, uma analogia se faz necessária: Frio do inverno x “frio” da solidão. Ambos ferem! Diante do frio o ser humano pode buscar se aquecer com a ajuda do calor do corpo alheio... ficando próximo. Mas, como um porco espinho, os espinhos espinham, furam, provocam dor... e a reação instantânea é se afastar o mais rapidamente possível do incômodo provocado. Resultados imediatos: a dor aos poucos vai voltando e o isolamento é consequência. O frio permanece, o sofrimento persiste, e mais uma tentativa de aproximação acontece sem um efeito diferente. Novamente, o incômodo afasta e o “porco espinho” fica novamente isolado. Este pensamento metafórico do filósofo Schopenhauer demonstra um dilema da existência humana: para ser livre é preciso ser solitário, contudo, o “frio” os acompanha. Por outro lado, a escolha de permanecer com mais um ou em grupo traz na escolha as dores das diferenças. Existe alguma saída para tal impasse? Talvez ou certamente a solução estaria em encontrar a distância considerada segura, que proporcionasse o calor ideal e necessário... que evitasse o espinhamento. Mas, qual seria em tese, a barreira minimamente segura para que duas criaturas espinhentas convivam?

    A solidão, ainda mais em momentos de pandemia, faz com que o isolamento social deixe de ser considerado algo normal. A solidão é distinta do estar sem alguém perto, assim como estar acompanhado não garante “calor”. Caso contrário a solidão inexistiria em cidades com aglomerações demográficas consideráveis. A questão é que simplesmente não existe vinculo algum entre pessoas que cotidianamente trocam cumprimentos e gentilezas em espaços comuns de convivência. As suas respectivas histórias de vida podem até mesmo serem parecidas, mas, provavelmente, nunca se cruzarão. Contar com alguém? Dificilmente. A existência sem vínculos torna-se deveras inexpressiva e desinteressante, coloca uma pitada significativa de melancolia no viver. Muitos confundem este estado melancólico com a conhecida e temida depressão, mal que enfraquece vínculos com tudo e com todos e enfraquece o desejo de viver. A solidão sempre foi percebida e encarada como algo negativo e destrutivo.

    Quem não recorda de Norman Bates, personagem solitário do filme “Psicose” do cineasta Alfred Hitchcock. Bates, vivendo isoladamente em um local nitidamente decadente e, para piorar, com um sofrimento imenso pela ausência da mãe falecida, se transforma no assassino que a produção retrata. Seria possível concluir que o seu perfil assassino é resultado do isolamento? Talvez! Até porque o filme não demonstra o protagonista antes do episódio fatídico. Então vamos rememorar outro personagem para ilustrar que um ser humano considerado normal pode, sim, se comportar de maneira, no mínimo, estranha defronte o isolamento social. Chuck Noland, personagem interpretado por Tom Hanks no filme “O Náufrago”, acaba conversando com uma bola “batizada” de Sr. Wilson. Aliás, Noland quase perde a vida tentando resgatá-la do mar quando se desprende da embarcação que se encontravam. A bola havia sido personificada como um amigo, companheiro, ouvinte e salvador da solidão. Aliás, sem “espinhos”. Agora, se o primeiro exemplo retratou um personagem abalado pela solidão, porém sem um passado revelado; se o segundo exemplo retratou um personagem que se tornou solitário contra a vontade e um passado revelado; agora, vamos exemplificar um personagem com passado revelado e que não ficou solitário. Jack Torrence, personagem interpretado por Jack Nicholson no filme “o Iluminado”. Contrariando a percepção da maioria das pessoas que uma pessoa insana, geralmente ou provavelmente, é um ser solitário, isolado, “cai por terra” nesta produção. Torrence, literalmente perde a estabilidade humana mesmo não estando sozinho.

    Retornando ao case da Sra. M. Não existe (até o momento) medicação para a solidão, isolamento social, dor dos espinhos alheios... a solidão chega de mansinho, sem aviso, sem alarde, sem prazo de validade. Ela carrega em si uma roupagem disfarçada, tão dissimulada que fica difícil e até mesmo impossível de reconhecer e compreender. Mas domina, determina e desmantela sentimentos sadios e imprescindíveis para uma existência saudável e duradoura. Quando se está feliz mesmo sem companhia, o ser humano acorda, abre a janela do quarto (e da vida) canta para os pássaros, late para os cães, mia para os gatos, xinga o vizinho, pouco importa. Neste caso a loucura faz parte da felicidade e, paradoxalmente, da sanidade. Mas um dia o pássaro migrou, o cão não abana a cauda, o gato não dá importância e a vizinha ficou dentro de casa. Agora chega o momento da completa falta de interação, ausência do reconhecimento, carência até mesmo do enfrentamento. Hoje passa. Mas, e amanhã? Depois de amanhã? E depois? Por isso, conhecer a si e as pessoas do mundo que nos cercam, perceber a solidão chegando, saber a distância que os espinhos alheios não irão ferir é o princípio, não a cura, mas o essencial para conviver sadiamente com ela, que não irá nos abandonar nem agora e nem depois.

 Heitor Jorge Lau

 

quarta-feira, 16 de junho de 2021

PSICANÁLISE COGNITIVA

 

                  Definindo Psicanálise Cognitiva

                 O Cognitivismo, um olhar contemporâneo sobre o comportamento humano, surge com a convicção de que a forma como as pessoas pensam justifica quase que a totalidade das atitudes comportamentais. A conjunção das teorias behavioristas e gestaltistas formataram o teor do cognitivismo. Todavia, é importante ressaltar que a Psicanálise Cognitiva se aproxima muito do Gestaltismo por procurar saber como o ser humano raciocina e aprende. A Psicanálise Cognitiva aborda áreas de estudo que visam compreender como o ser humano concebe, assimila, recorda e raciocina diante de informações que chegam até ele. O Psicanalista Cognitivo, por sua vez, procura entender como os indivíduos apercebem formas variadas, os motivos ou motivações que os levam a recordar ou obliterar acontecimentos e porque o aprendizado de uma língua acontece. Qualquer tentativa de aprender sobre a capacidade cognitiva do ser humano sem um resgate histórico dos estudos relacionados ao pensamento torna mais complexa a empreitada. É possível alegar que as pessoas também aprendem ou evoluem com os erros cometidos no passado.

            Portanto, ao se conhecer a gênese e trajetória do passado se descobre como o ser humano “pensa sobre o pensar”. Partindo do pressuposto que o ser humano evolui gradativamente no percurso palmilhado, ele incrementa ou transforma as suas ideias sob a égide da dialética. A dialética pode ser entendida como um processo que transforma as ideias no decorrer do tempo, todavia, por intermédio de um padrão de transmutação. Este processo de transformação surge a partir de uma tese (enunciado de uma opinião), constituindo a seguir uma antítese (enunciado contrário à tese), culminado em uma síntese (rebate entre tese e antítese). A dialética surge no âmbito da Psicanálise Cognitiva justamente para equilibrar qualquer tentativa de negligenciar ou refutar um pensamento em detrimento de outro por mera preferência ou tendência. Portanto, a dialética conduz para uma visão técnico-científica, ou seja, isenta de especulações sobre a crença de que a inteligência é fruto especifico da genética ou do ambiente.

 

                Antecedentes Filosóficos da Psicanálise

                 Racionalismo versus Empirismo

              Os antecedentes da Psicanálise Cognitiva, segundo historiadores, possuem alicerces nas abordagens Filosóficas e Fisiológicas. A primeira busca compreender variados aspectos da vida a partir de contextualizações das ideias e experiências interiores do ser humano. A segunda abordagem age e estuda cientificamente por intermédio de metodologias empíricas, cujo objetivo é observar as funções vitais dos seres vivos. Tanto o Racionalismo como o Empirismo convergem em um objetivo principal: o estudo da mente. A primeira teoria crê que a análise lógica conduz ao conhecimento; em contrapartida, a segunda acredita não somente no potencial científico da observação, mas também da experimentação. Se o racionalista fundamenta a teoria da Psicanálise, o empirista, por sua vez, orienta o seu investigar empírico. Tal ótica possibilita a certeza de que tanto uma teoria quanto a outra se complementam. Kant (1724-1804) acabou por concluir tal concepção, anteriormente consideradas incompatíveis por Descartes (1596-1650) e Locke (1632-1704).

 

                Antecedentes Psicológicos da Psicanálise Cognitiva

                 As Primeiras Dialéticas na Psicanálise da Cognição

                 O Estruturalismo insurgiu como a primeira dialética histórica da Psicanálise entre o Estruturalismo e o Funcionalismo. O Estruturalismo, como o próprio termo expressa, busca compreender a estrutura da mente humana e suas respectivas percepções das assimilações desenvolvidas nos elementos estruturais. Wundt (1832-1920), Filósofo e Psicólogo alemão, utilizou o método da introspecção, cujo princípio é visualizar as informações que foram interiorizadas pela mente. A sua teoria contribuiu para a formatação do Estruturalismo mesmo sendo criticado por especialistas da época. Como contraponto surge o Funcionalismo, teoria que se interessa muito mais sobre o que o ser humano realiza e por que as realiza. A condução das pesquisas funcionalistas culminou no Pragmatismo, uma vez que, os pragmatistas se interessam pela utilidade prática do conhecimento adquirido sobre as ações e motivações individuais. A Teoria do Associacionismo, antecessora do Behaviorismo, fui muito influenciada por filosofias empiristas e positivistas, a qual considera o ambiente e a experiência prática como fonte do saber e da formatação do comportamento humano.

                Como sugere o termo, é uma associação das ideias e eventos à mente humana, composição capaz de propiciar a plena aprendizagem. Ebbinghaus (1850-1909) foi o pesquisador que empregou os princípios associacionistas de modo sistêmico. Thorndike (1874-1949) elencou a questão, deveras interessante, que a formatação das associações era fomentada pela satisfação, o que denominou de Lei de Efeito (1905). A teoria afirma que todo estímulo resulta em alguma resposta a partir de uma recompensa. O Behaviorismo, uma teoria de perspectiva estritamente teórica, percebida como uma tradução extrema do Associacionismo sustenta que a Psicanálise atente na correlação entre o “comportamento observável” e os “estímulos ambientais”. O Behaviorismo sofreu enorme resistência dos Psicanalistas da Gestalt. A Psicanálise da Gestalt entende que as compreensões das manifestações psicológicas são percebidas e interpretadas sob um olhar holístico, ou seja, sobre o todo, ao invés de fragmentos da totalidade. A visão gestaltista sintetiza categoricamente que “o todo é diferente das partes”, em síntese, é impossível resolver qualquer questão apenas observando frações da totalidade.

terça-feira, 15 de junho de 2021

TERAPIA DA CONVERSA

 

                A diferença entre conversar com um profissional e um amigo

            Falar com um amigo e terapeuta é a mesma coisa? Não? Afinal, com um amigo a gente só conversa. Não é raro encontrar pessoas que pensem de tal forma. A princípio o acompanhamento profissional pode parecer uma simples conversa. Uma vez compreendido o papel da terapia, não é possível mais realizar essa analogia. Aliás, a confusão entre amizade e terapia pode ter efeitos drásticos para o relacionamento das pessoas – e essa questão é pouco levantada quando se desabafa com alguém constantemente.

            Amizade e psicoterapia: qual a diferença?

            Amizade é um conceito fluído e possui diversas acepções ao longo do tempo. A amizade e a sua manutenção dependem de três características chaves: interesses compartilhados, igualdade e reciprocidade. Dessa forma, as amizades só persistem se ambas as partes compartilharem uma perspectiva comum, tiverem personalidades parecidas e forem capazes de dar e receber apoio mútuo. O “como” conversar é fundamental. Um profissional que conduz a Terapia da Conversa ajuda as pessoas com o autoconhecimento.  Promove o crescimento pessoal. A Terapia da Conversa é um processo de desdobramento da sabedoria inerente que muitas vezes é aprisionada sob camadas de condicionamento, medo e reatividade. A diferença entre conversar com amigos e realizar a Terapia da Conversa é que os amigos, na maioria das vezes, ficam felizes por nós ou temem por nós, mas normalmente não estão analisando e refletindo sobre os seus comentários para apoiar o crescimento e a mudança a longo prazo.

            A diferença entre conversar com o profissional e um amigo

          Conversar com alguém, seja um amigo ou profissional, é imprescindível à saúde mental, entretanto atuam em esferas separadas da nossa vida. As conceituações evidenciam uma primeira diferença, porém é necessário esclarecer os pontos em que elas são distintas. A amizade envolve uma troca mútua. O encontro é algo mais pontual e ambas as partes se beneficiam da convivência. O aspecto positivo é o que mantém o elo entre as pessoas. Ajudar e escutar o amigo em dificuldade faz parte desse acordo social, porém há um limite para que a relação não se desgaste. Descarregar constantemente a carga negativa nos amigos não é uma boa opção, pois todos possuem os seus problemas. É importante ter alguém para conversar, mas é importante separar os momentos. Quando realizamos isso deixamos de tratar a amizade como algo positivo e mútuo, e vemos uma relação “benéfica” somente para uma das partes. O Profissional Terapeuta é importante nesse contexto. A relação profissional permite que a conversa seja um espaço focado somente naquele que deseja desabafar. O espaço é um ambiente reservado para discutir os problemas que a pessoa possui. Além disso, a recorrência da Terapia da Conversa é fundamental para a solução dessas questões – o que vai na direção contrária dos encontros pontuais da amizade. Estamos conversando com um profissional, ou seja, alguém que passou por toda uma graduação e atua de forma especializada no tema.
             
            O profissional da Terapia da Conversa é o personagem mais acertado para tratar de questões que incomodam a mente, pois ele irá focar no crescimento a longo prazo. Os amigos procuram soluções mais imediatas e raramente possuem conhecimento no assunto apresentado a eles. Outro ponto a ser considerado é a imparcialidade do terapeuta. Nesse sentido, podemos nos sentir desconfortáveis com o julgamento das pessoas mais próximas sobre as nossas ações e pensamentos. Já, na Terapia da Conversa não há essa preocupação, pois esse é o ambiente para a pessoa se abrir sem restrições. Ela precisa disso para compreender o que aconteceu e, assim, aprender e crescer com isso. E muito importante: a confidencialidade é um aspecto fundamental na condução do processo. Está precisando desabafar? Talvez a Terapia da Conversa seja o caminho mais acertado.