Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Psicanalista
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social
O conhecimento do mundo é feito
segundo formas ou configurações e, na criança, se faz também dessa maneira, com
formas ou configurações que se multiplicam e se substituem ao infinito. Cada
idade, desde o nascimento até os 12 anos, tem as suas formas próprias, nos
vários sentidos das aptidões humanas. Esta referência diz respeito à esfera da
vida intelectual, da atividade psicomotora, das emoções, da memória, dos órgãos
psicomotores, das ideias que, sucessivamente, as crianças vão fazendo do mundo
exterior, e assim por diante. Seria praticamente impossível não lembrar de Jean
Piaget - biólogo, psicólogo e epistemólogo suíço. Considerado um dos mais
importantes pensadores do século XX, defendeu uma abordagem interdisciplinar
para a investigação epistemológica e fundou a Epistemologia Genética, teoria do
conhecimento com base no estudo da gênese psicológica do pensamento humano. Não
haveria necessidade de reconhecer que o mundo infantil é completamente diverso
do mundo dos adultos. As crianças possuem “gestalts” particulares. A criança
até três anos de vida, somente reconhece o seu mundo infantil, ignorando por
completo o universo dos adultos. O que não é desejado é veementemente negado,
sob um ponto de vista individual (e egoísta) estritamente sentimental. A partir
do terceiro ano de vida, talvez até o sétimo ou oitavo, a criança começa a
admitir e reconhecer os dois mundos: o seu exclusivo, de acordo com os seus
interesses instintivos e o dos adultos. Do sétimo ao décimo ano de vida é que o
mundo real começa a ser aceito, e há uma ordenação hierárquica de ambos, graças
ao que as fantasias e a vida psíquica infantil se submetem às exigências da
realidade. É quase possível conceber este trajeto de descobertas como uma vida
infantil “autista”. Seria um autismo natural que vai se desmantelando com o
passar dos anos a fim de ceder lugar a realidade. Entretanto, se a realidade
for excessivamente hostil, é de admitir que a sua aceitação seja difícil e que
o indivíduo conserve as “sobras autistas” ou os “mecanismos autistas” pela vida
adulta afora. Porém, quando o desenvolvimento se desenrola sem muitas
dificuldades, o aprimoramento hierárquico da lógica sobre o mundo autista
acontece constantemente. As preocupações corriqueiras dos adultos não possuem
lugar na vida infantil e tudo que a criança tira do mundo adulto será,
certamente, introduzido no seu mundo autista. É relevante entender que não
somente os objetos fazem parte desta captura e transformação, fazem parte
também, os animais, os adultos, os pais e os irmãos (principalmente). Na ânsia
de envolver a todos neste mundo particular a criança alça mão de artifícios que
lhe são peculiares (ou acessíveis no momento). Os adultos, por sua vez, podem
se deixar envolver ou não, através da imposição de suas vontades. Contudo,
também podem se deixar arrastar, não contribuindo (ou contribuindo pouco) para
que a criança aceite a realidade. A única certeza é que não proporcionar aquilo
que a criança precisa se traduz em hostilidade, por outro lado, dar além do
necessário é superprotegê-la. Enfim, se as crianças nascem dotadas de alguma
disposição nervosa (quase sempre sim, em decorrência do enfrentamento com o
mundo exterior e real), os pais também se tornam aflitos por enxergarem perigos,
males e ameaças onde, de fato, não existem. Surge então, a neurose infantil.
Após uma delongada teorizada surge ou resta uma dúvida: em que momento da vida
de um paciente, a sua trajetória natural (“autista”) foi interrompida e qual
foi o gatilho emocional que fez emergir um suposto descontrole
físico-emocional?