quarta-feira, 28 de julho de 2021

A OBRIGAÇÃO DE SER FELIZ

 

    Um novo credo, emergido da sociedade das “redes-socializadas”, prega o dever de ser feliz. Qualquer fraqueza em relação a essa obrigação moral será chamada de depressão e verá ser-lhe imposta primeiro a medicalização, depois, talvez, alguma psicoterapia. No exato instante em que se associa ao termo depressão uma prescrição, é preciso investigar a questão do proveito que lhe está necessariamente associado: quem lucra com isso? O Prozac, a pílula da felicidade instantânea, não é uma questão secundária: basta observar a resistência dos laboratórios farmacêuticos aos medicamentos genéricos. Em alguns serviços de saúde, aqueles que tratam dos doentes atingidos por doenças muito graves e com prognóstico frequentemente reservado, apela-se para os psicoterapeutas. O recurso aos psicoterapeutas não parece ter limitado de modo evidente o uso dos medicamentos antidepressivos, nem afinado de maneira substancial o diagnóstico de depressão, uma vez que esse rótulo é tão-somente função da impressão produzida pelo humor do doente sobre os profissionais ou ainda do efeito produzido sobre os profissionais pelo comportamento dos doentes hospitalizados. Se fala da morte, logo, diz-se que é suicida; se chorou pela manhã, logo, é preciso administrar antidepressivos...

    É a reatividade do doente ao processo de medicalização em que ele é inserido que é sumariamente avaliada a partir de alguns elementos psicológicos não específicos, de certo modo por feeling. O que ocorrerá quando a isso acrescentar-se o "diagnóstico de enfermaria". O processo em que entra o doente hospitalizado é, por definição, infantilizante, já que, acamado, assistido em suas necessidades fundamentais, essencialmente dependente dos profissionais, ele está despojado dos atributos que são normalmente os seus na vida cotidiana: de pé, em suas funções profissionais, familiares e relacionais, ali, está deitado, dependente e à espera da melhora de seu estado ou dos cuidados médicos que lhe são prodigalizados e que ele recebe por definição passivamente, uma vez que não é ele, mas o saber médico na pessoa de seu próprio médico, quem decide. Ele é capturado em uma situação paradoxal: ter de aceitar o que lhe fazem - exames, cuidados, tratamentos -, de preferência sem discussão, isto é, em uma atitude passiva designada pelo termo americano: compliance, que designa a faculdade de dobrar-se ao tratamento médico (entendido em sentido amplo). Ao mesmo tempo, porém, pede-se a ele, implicitamente, para cooperar e até mesmo aderir sem reservas ao tratamento, com toda a confiança, isto é, não passiva, mas ativamente. Pede-se a ele, em suma, que seja uma criança obediente e também um adulto que consinta e participe. A experiência com esse tipo de situação leva a pensar que qualquer atitude indicando a grande dificuldade de aceitar essa situação paradoxal é chamada de "depressão", e que o paciente está tendendo para um lado ou para o outro: passividade demais ou seu inverso. O doente que participa, que se comporta como adulto, não deve, de todo modo, chegar a ponto de discutir o tratamento que lhe é administrado. O saber médico não é compartilhável, ele marca um limite para além do qual tratar-se-ia de transgressão. A compliance do doente implica obediência. Se uma compliance demasiado grande converte-se em passividade, levanta-se o diagnóstico de depressão. Isso não é forçosamente falso: a indiferença deve alertar.

    Mas uma aptidão demasiado grande à discussão, ao questionamento sobre o que está sendo feito, traz uma suspeita de não-compliance, a qual supostamente mascara uma secreta impressão subjacente. O bom doente é um colaborador, que não transgrida as regras de compliance às quais é prescrito que se submeta. Aquele que resiste, por menos que o faça, e cuja compliance não é perfeita, é um mau doente: os antidepressivos estão aí para remediar esse problema. Faz parte do quadro o fato de não se aceitar o sofrimento da doença, outra indicação de um mau doente; tanto é, que ainda se pensa que é preciso sofrer para curar-se, isto é, ser feliz. Há um preço a pagar: aquele que custa a aceitá-lo é um depressivo. Ou seja, tudo se passa como se a regra fosse não sofrer moralmente pelo sofrimento físico e pelas coerções da doença. A imagem que reina é a do bem-estar para aquele que sabe “positivar" os acontecimentos que sobrevêm em sua vida, e até mesmo no mundo que o cerca. Aquele que não o consegue e deplora sua impotência atesta uma incapacidade ou uma fraqueza digna de culpa. Essa imagem se alastrou de tal maneira, por meio da interiorização de um único ideal do eu socialmente admitido que toda tristeza é vergonhosa, injustificada e, daqui por diante, patológica. Curiosamente, patologizar a tristeza, sob o termo depressão, é a maneira encontrada para sair do registro moral. Os próprios pacientes integraram essa ideia e pedem a seus médicos psicotrópicos porque se dizem deprimidos. É o cúmulo da alienação aderir a esse ponto da norma imposta! Perder o trabalho, um parente próximo, o cônjuge, merece um antidepressivo, uma vez que a tristeza ou o sentimento de luto é assimilado a um estado depressivo. Ser feliz, positivo, contente com sua sorte é o novo credo, e o sutil distintivo entre o sofrimento psíquico normal que acompanha uma perda e o abandono ao desespero de um ser entregue a sua angústia ou deixado à solta pelo “outro” não está mais na ordem do dia de uma normatividade alçada à onipotência de uma regra. E, no entanto, começa-se a admitir que um doente tem o direito de queixar-se das dores pós-operatórias, de não as considerar normais, aceitáveis, sobretudo desde que se saiba que é possível aliviá-las. Mas não é assim com o direito de ficar triste com a ideia de não mais poder viver e respirar no mundo como se fazia antes de estar doente, ou com aquele de se dar o tempo x de que cada pessoa precisa para fabricar novas referências e até mesmo suas próprias normas, se as do “outro” não são mais compatíveis com aquilo que ela se tornou, em função da doença e de suas consequências.

    Do direito à saúde, passamos ao dever de ser feliz. Ficar triste é uma anormalidade, uma falta moral cuja redução química é confiada ao médico ou ao psicoterapeuta. “Psicologizam-se” de bom grado as perturbações do humor manifestamente reportáveis a um problema médico que tenha vindo abalar a relação de um sujeito com seu corpo até então silencioso. Em compensação, em vez de a ela ser assegurado um endereço, um lugar de questionamento, a tristeza sem objeto, isto é, aquela que não se pode reportar a uma situação de perda ou de falta real, será medicalizada. Ela é sem objeto no sentido de "sem causa" objetivável.

    Entretanto é preciso distinguir os dois casos, pois o seu tratamento é radicalmente diferente, em todas as suas dimensões: o tratamento teórico que lhes é aplicado, e o tratamento prático pelo qual se deve fazê-los passar. Esse é o termo adequado quando há um tratamento químico cujo único objetivo é fazer desaparecer as manifestações e as consequências de qualquer alteração patológica do corpo. Mas é também um termo que tem o seu valor quando há um tratamento psicológico: um tratamento por meio da palavra. A depressão deve poder retornar a uma rede significante que a faça significar algo para o sujeito, caso não possa desvelar sua causa até o momento enigmática.

    O atual tratamento da depressão parece ser apenas uma “tapeação humanista”; o profissional compensa o recorte realizado pela medicina, do corpo em órgãos, acreditando reencontrar um suplemento de alma com a preocupação que tem em relação à depressão, a qual, entretanto, revela um furo que ele não para de querer tapar. Como o doente praticamente não tem escolha ou os meios de decidir de outra maneira, ele na maioria das vezes não perceberá aí a oportunidade nem de falar mais, nem de ver um abuso da medicina; uma vez ou outra, entretanto, ele aceitará a entrevista que lhe é proposta com o terapeuta e, deixando os comprimidos em sua gaveta, abordará com ele as numerosas questões que sua situação lhe inspira. Talvez não seja o melhor momento de começar uma análise, mas pode oferecer a ocasião de vislumbrar sua possibilidade.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

A Força do Hábito

 


    Era uma vez um cara que, religiosamente, saboreava uma xícara de café após o jantar e consequentemente não conseguia dormir profundamente porque o sono tornava-se “leve”. Era uma vez uma senhora que, religiosamente, ingeria duas térmicas de água quente com erva antes do jantar – chimarrão, e consequentemente não conseguia dormir profundamente pois necessitava urinar duas ou três vezes durante a noite. Era uma vez milhões de pessoas que não conseguiam deixar o celular mais distante do que trinta centímetros porque no primeiro “plim” a ansiedade provocava uma compulsão de visualizar a tela. Impulso que domina toda e qualquer possibilidade de continuar fazendo aquilo que se está fazendo...seja dirigindo, se alimentando, cochilando, caminhando, pouco importa. A ânsia de pegar o telefone e visualizar o conteúdo simplesmente impede a continuidade da vida. Mas afinal, o que faz um ser humano repetir continuamente a ação que provoca uma reação inadequada, desconfortável, perigosa.... Ao perguntar o motivo da incansável e insensata reprise destas e tantas outras manifestações, uma resposta é quase que unânime: “Eu não consigo parar! ”. Não consegue? Por que? A conclusão resume-se no termo: ¨hábito¨. Ou seria ¨mania¨? Ou uma combinação das duas?

    Existe uma sutil diferença entre ¨hábito¨ e ¨mania¨. A mania é um comportamento repetitivo que pode gerar danos a quem pratica, seja psicológico, social ou emocional. O hábito, por sua vez, é uma ação feita de modo inconsciente, mas que não gera problemas tanto quanto a mania. A mania quando se torna intensa pode se transformar em TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo? Afinal, o TOC se caracteriza pela presença de obsessões e compulsões. Obsessões são pensamentos intrusivos, repetitivos, persistentes e indesejados, enquanto as compulsões são comportamentos repetitivos ou atos mentais que o indivíduo se sente compelido a realizar em resposta à obsessão. O perfeccionista quer que tudo que ele faça seja perfeito: seu trabalho, provas, ações e práticas. A pessoa perfeccionista, por exemplo, tem a convicção de que a perfeição é um único caminho para a aceitação pessoal e dos outros. Por isso, busca incessantemente os melhores resultados possíveis.

    O Transtorno Obsessivo Compulsivo pode ser percebido diante da presença de obsessões, compulsões ou ambas. As obsessões ou compulsões precisam atender, no mínimo, um dos quesitos a seguir: - Tomar muito tempo. - Causar angústia significativa. - Interferir com a capacidade funcional da pessoa. Um indivíduo que não consegue ouvir o “plim” do celular sem verificar a mensagem pode não perder muito tempo, mas certamente é movido pela angustia e, inevitavelmente, reduz a sua capacidade produtiva funcional. É importante perceber que as obsessões persistem até o exercício da compulsão que alivia a ansiedade. Provavelmente concorrem vários fatores para o seu aparecimento: de natureza biológica envolvendo a predisposição genética, alterações funcionais e da neuroquímica cerebral, e fatores psicológicos como aprendizagens de formas erradas de lidar com medos e ansiedades. As obsessões/compulsões mais corriqueiras em pacientes com o transtorno são relacionadas a contaminação, limpeza, checagem, insegurança e controle. Estima-se que aproximadamente um em cada 40 a 60 indivíduos na população apresenta o TOC e é provável que somente no Brasil existem entre três e quatro milhões de pessoas acometidas pelo transtorno.

    Enfim, O poder contido no hábito comanda o tempo todo. Isso acontece quando se entra no carro, se ajeita o assento, se coloca o cinto de segurança, se acerta os espelhos retrovisores, se coloca o pé na embreagem, se liga a ignição do veículo, .... Durante todas essas operações entra o “piloto automático cerebral”. Em síntese, a vida do ser humano é constantemente determinada por fatores que nem sempre são plenamente conscientes. Estes são os hábitos revelados por atos impensados e escolhas automáticas. Eles orientam como se vestir, o que comer, como negociar, como se exercitar ou beber um vinho no happy hour.

    Todo hábito pessoal acontece em ciclos. Um ciclo é composto por exatas três etapas. Cada etapa possui um diferente gatilho, uma rotina e oferece uma recompensa única. Certos hábitos são simples e outros complexos, valendo-se de gatilhos emocionais e oferecendo sutis prêmios neuroquímicos. Mas todo hábito, seja simples ou complexo, também é maleável. Um cidadão ébrio, por exemplo, pode vir a se tornar sóbrio. Um estudante que abandona os estudos básicos também pode se tornar um profissional de sucesso. Contudo, modificar, abandonar e até mesmo adquirir hábitos não se resume tão somente em força de vontade. Alguns pesquisadores que se debruçaram sobre a questão perceberam um ciclo neurológico que envolve a questão embrionária de cada hábito que se resume em rotina, recompensa e gatilho, intitulada como o Ciclo do Loop do Hábito.

    O livro “O Poder do Hábito” de Charles Duhigg - repórter do jornal The New York Times -, descreve que os hábitos podem impactar na vida pessoal ou profissional, ou ambas. Segundo Duhigg, “A maioria das escolhas que fazemos a cada dia pode parecer fruto de decisões tomadas com bastante consideração, porém não é. Elas são hábitos”. O autor afirma que a inclusão de hábitos saudáveis e descarte dos inúteis é a principal atitude para avançar no caminho de objetivos traçados. O repórter do jornal descreve que os hábitos são “inclinações” por determinada ação, ou seja, a disposição de agir constantemente de certo modo adquirida pela repetição. O livro baseado na neurociência, explica que o cérebro busca incessantemente reduzir esforços. A ideia em si não é nova, todavia, Duhigg explica como os hábitos são processados dentro do cérebro humano. O Loop do Hábito, anteriormente mencionado, é explicado na edição da seguinte forma:  - Gatilho (ou deixa): qualquer acontecimento que desperte a atenção do cérebro pode ser considerado um gatilho e é ele que impulsiona a ação. – Rotina: acionada pelo gatilho, a rotina é a maneira “comum” de resposta - seja em ações físicas, emocionais ou mentais. – Recompensa: quando o cérebro acredita que determinada rotina funcionou, ele irá armazenar essa informação. Deste modo, quando acontecer novamente uma mesma situação, provavelmente o cérebro irá recorrer pelo mesmo caminho – criando-se, assim, um hábito.

    Após esta sucinta explanação sobre o poder do hábito você pode estar se perguntando: - ok, e como fazer para evitar este processo? A resposta fica para outro texto!

terça-feira, 20 de julho de 2021

SÍNDROME DE PETER PAN

 

 

    Não ameaça a vida; portanto, não é uma doença. Mas põe em risco a saúde mental da pessoa; portanto, é mais que um incômodo. Seus sintomas são bem conhecidos; portanto, não dá dizer que é uma descoberta. Porém este quadro jamais foi descrito. Trata-se de um fenômeno psicológico: a Síndrome de Peter Pan. Ela não cabe em nenhuma categoria reconhecível, embora não haja como negar sua existência. Tal anomalia é denominada síndrome. Ou, para usar jargão comum, uma síndrome é um conjunto de sintomas expresso por algum tipo de padrão social. Todo mundo sabe que ela existe, mas até agora ninguém a rotulou ou explicou.

 Como reconhecer um menino-homem?

Era uma vez...Peter Pan...

 CAPITÃO GANCHO: — Você tem algum outro nome?

PETER PAN: — Hum, hum.

GANCHO: — Legume?

PETER: — Não.

GANCHO: — Mineral?

PETER: — Não.

GANCHO: — Animal?

PETER: — Sim.

GANCHO: — Homem?

PETER: — Não.

GANCHO: — Menino?

PETER: — Sim.

GANCHO: — Menino como os outros?

PETER: — Não!

GANCHO: — Menino maravilhoso?

PETER: — Sim!

 

    É possível reconhecer esta pessoa? A julgar pela idade, é um homem; porém, por seus atos, é uma criança. O homem deseja amor; a criança quer compaixão. O homem almeja a aproximação; a criança teme ser tocada. Se enxergar além de sua máscara de orgulho, verá sua vulnerabilidade. Se desafiar sua audácia, sentirá seu medo. Você pode achar que conhece bem essa pessoa, mas a verdade é o inverso. As contradições são incômodas. As respostas são ambíguas.

    Fica até mesmo difícil encontrar as perguntas corretas. Contudo, olhe para seus filhos ou para os de algum amigo, e pergunte-se: "Como seria se o corpo dele crescesse e sua mente parasse no tempo?" Este homem-menino é vítima de um mal grave. Se não for ajudado, amargará muito a vida. Não se trata de doença mental nem de incapacidade de convivência em sociedade.

     No entanto, ele é muito triste. Para ele a vida é uma perda de tempo. Ele se esforça por camuflar a tristeza com vivacidade e piadas. Em muitos casos isso engana, ao menos por alguns anos. Com o tempo, porém, aqueles que o amam vão se cansando de sua imaturidade. À primeira vista isso parece prematuro e até injusto. Mas ao analisar melhor o quadro, é possível entender por que todos desejam livrar-se dessa pessoa.

    É tarefa difícil identificar esse homem-menino. Quanto antes reconhecê-lo, maiores as chances de auxiliá-lo. Ele pode ser um filho, um marido, um tio ou um primo. Ou ainda um amigo, um vizinho, um colega de trabalho. Ou, se você é do sexo masculino, pode ser você! Quem quer que seja ele, pensa que não quer sua ajuda. Não a quer porque não sabe que precisa dela. Está tão acostumado a encarar a vida como uma caverna vazia que suas atitudes do tipo "não ligo a mínima" parecem normais. Se ele ousar gostar de alguém, ficará perturbadíssimo. Prefere a paz e a tranquilidade da indiferença.

    Possivelmente não se conseguirá identificar esse homem enquanto ele tem pouca idade. O contraste entre a idade atual e seu grau de maturidade será o primeiro indício. Uma vez identificado o problema, é possível planejar a ajuda a oferecer ou, pelo menos, evitar contribuir para as dificuldades dele. Ao compreender a complexidade do quadro, poderá se perceber os primeiros sinais indicadores da síndrome. O problema começa a aparecer cedo na vida de um homem. A identificação desse homem-menino implica num processo de observação de comportamento.

Perfil Social da Vítima

Sexo: masculino Idade - de 12 a 50 anos.

Cronologia sintomática:

De 12 a 17 anos: quatro sintomas fundamentais desenvolvem-se em graus variáveis: irresponsabilidade, ansiedade, solidão e conflitos relativos ao papel sexual.

De 18 a 22 anos: aparece a negação à medida que o narcisismo e o chauvinismo dominam o comportamento.

De 23 a 25 anos: período de crise aguda, durante o qual a vítima pode procurar ajuda queixando-se de uma vaga, mas profunda insatisfação com a vida. Geralmente interpretado como normal.

De 26 a 30 anos: a vítima entra no estágio crônico, representando o papel de "adulto".

De 31 a 45 anos: a vítima casou-se, tem filhos, um emprego estável, porém angustia-se por sentir a vida entediante e monótona.

Após os 45 anos: aumentam a depressão e a agitação à medida que se aproxima a andropausa. A vítima pode rebelar-se contra um estilo de vida indesejado e sem significado próprio, tentando recapturar sua juventude.

Nível socioeconômico: classe média para alta.

    Aparência: ele é visto como amável e agradável por pessoas que não o conhecem muito bem. Tem sorriso insinuante e deixa uma primeira impressão excelente.

    Condição financeira: os mais jovens raramente se sustentam. Aos quase trinta anos ainda moram com os pais, ou destes dependem financeiramente. Vítimas com mais idade podem apresentar uma situação segura, sentindo, contudo, que não a têm. Costumam ser mesquinhas, exceto com relação à satisfação de seus próprios desejos.

    Situação marital: até aproximadamente os vinte e cinco anos, os homens costumam manter-se solteiros. Namoram mulheres mais novas, ou aquelas cujas ações sugerem imaturidade. Depois de casadas, em geral, estas mulheres acabam tendo que manter a vítima "na linha". Esta costuma preferir os amigos à família.

    Situação educacional: as vítimas mais jovens levam a faculdade "na brincadeira" e têm dificuldade em resolver o que desejam estudar. Raramente terminam o curso universitário no período normal. As vítimas com mais idade sentem-se insatisfeitas com o grau de instrução obtido, achando que deveriam ter ido além. Esses homens raramente são vistos como vencedores ou empreendedores.

    Situação profissional: as mais novos têm uma história profissional bastante instável. Só trabalham quando sob pressão. Querem uma carreira, mas não querem "batalhar". Ofendem-se facilmente com relação a empregos que consideram "indignos" deles. Têm problemas empregatícios por causa de sua negligência. As vítimas de mais idade caem no extremo oposto. Trabalham duro, na tentativa de provar seu valor. Têm expectativas irrealistas em relação a si mesmos, a seus colegas de trabalho e a seus chefes. Veem-se acometidos pela incômoda ideia de não ter encontrado o emprego "certo".

    Família: a vítima geralmente é o filho mais velho de uma família tradicional. Os pais permanecem casados e têm boa situação financeira. Provavelmente o pai é executivo de alguma empresa, enquanto a mãe considera o cuidar da casa e dos filhos como sua principal tarefa. Ela talvez trabalhe fora para aumentar a renda familiar, embora não tenha ambições profissionais.

Interesses: o grande interesse das vítimas mais novas são as festas. As mais velhas esforçam-se por se divertir em festas, mas também tendem a se envolver além de limites razoáveis em esportes comunitários.

    Perfil Psicológico da Vítima

    Sete traços psicológicos dominam a vida da vítima da Síndrome de Peter Pan. Estão presentes em cada estágio de desenvolvimento, porém são mais perceptíveis durante o período de crise. No estágio crônico a vítima tende a esconder esses traços por trás de uma máscara de maturidade.

    Paralisia emocional: as emoções da vítima são inadequadas. Não são expressas da mesma forma com que são experimentadas. A raiva costuma emergir como fúria, a alegria toma a forma de histeria, e uma decepção transforma-se em autopiedade. A tristeza pode manifestar-se como alegria forçada, brincadeiras imaturas ou risadas nervosas. As vítimas mais idosas afirmam que amam você ou que gostam de você, mas não parecem capazes de expressar tal amor. Ironicamente, apesar de quando crianças haverem sido extremamente sensíveis, estes homens de modo geral parecem ser egocêntricos até a crueldade. Acabam chegando ao ponto de aparentemente se recusarem a compartilhar seus sentimentos. Na verdade, perderam contato com suas emoções, e simplesmente não sabem o que sentem.

    Procrastinação: durante o estágio de desenvolvimento a jovem vítima adia as coisas até ser absolutamente forçada a fazê-las. "Não sei" e "não me importa" tornam-se sua defesa contra as críticas. Seus objetivos de vida são obscuros e mal definidos, principalmente porque ela adia para o dia seguinte pensar sobre eles. A culpa força a vítima mais idosa a compensar a procrastinação do passado, transformando-se em alguém que precisa estar sempre fazendo alguma coisa. Ela simplesmente não sabe relaxar.  

    Impotência nas relações sociais: não importa quanto se esforcem; as vítimas não conseguem fazer amizades verdadeiras. Na adolescência são facilmente levadas pelos companheiros. Os impulsos assumem a prioridade sobre o sentido do certo e do errado. Procurar amigos e ser agradável a meros conhecidos têm precedência sobre as demonstrações de amor e a preocupação com a família. A vítima sofre de uma desesperada necessidade de pertencer a grupos; é terrivelmente solitária e entra em pânico se está só. Ela pode até mesmo tentar comprar amigos. Durante toda a vida tem dificuldade em sentir-se bem consigo mesma. Um falso orgulho constantemente impede a aceitação das próprias limitações humanas. 

    Pensamento mágico: "Se eu não pensar nisso, acabará". "Se eu achar que é diferente, assim será". Estes exemplos refletem o "pensamento mágico" das vítimas, o qual impede que admitam honestamente para si próprias terem cometido erros, e praticamente as impossibilita de dizer "desculpe-me". Este processo irracional é uma defesa utilizada pelas vítimas para sobrepujarem sua impotência nas relações sociais e sua paralisia emocional que lhes permite culpar aos outros por seus enganos. Frequentemente as leva ao abuso de drogas, pois creem que, quando estão "loucas", seus problemas desaparecem.

    Conflitos com a mãe: raiva e culpa causam uma enorme ambivalência em relação à mãe. As vítimas desejam libertar-se da influência dela, mas sentem-se culpadas toda vez que o tentam. Quando estão com a mãe, há sempre uma tensão no ar, pontilhada por momentos de sarcasmos seguidos de momentos de ternura reativa. Os mais jovens provocam a compaixão nas suas mães a fim de obterem o que querem, especialmente dinheiro. Ao discutirem têm repentes de ira, e depois desculpam-se de modo inconsequente. Os mais velhos têm menos o senso de ambivalência e mais o de culpa por causa da dor que causaram a suas mães.

    Conflitos com o pai: a vítima sente-se alienada no relacionamento com o pai. Anseia aproximar-se, mas convenceu-se de que jamais poderá receber amor e aprovação de seu pai. Mesmo com mais idade, ainda idealiza o pai, não compreendendo suas limitações e muito menos aceitando seus defeitos. Boa parte da problemática da vítima com respeito a figuras de autoridade origina-se nos conflitos com o pai.

    Conflitos sexuais: a impotência social da vítima estende-se até o campo sexual. Logo após a puberdade o rapaz começa a buscar desesperadamente uma namorada. Contudo, sua imaturidade e maneiras tolas tendem a afastar a maioria das moças. Seu medo de ser rejeitado leva-o a ocultar sua sensibilidade por trás de uma atitude machista, cruel e impiedosa. Na maioria dos casos o jovem permanece virgem até entrar na casa dos vinte ou mais, coisa que o constrange e leva-o a mentir — frequentemente a ponto de falar em estupro, gabando-se de como "ganhou", ou planeja "ganhar", as garotas. Uma vez rompida a barreira da virgindade, a vítima pode passar para o outro extremo, tendo relações sexuais com qualquer moça que o deseje — para provar a si mesmo que é potente. Quando decide ficar com uma, liga-se completamente a ela. Seu ciúme só é suplantado por sua habilidade em despertar nela a compaixão. O homem sente-se provocado (e pode até ficar furioso) frente às atitudes de afirmação ou de autonomia da mulher; ele precisa que ela seja dependente dele para que possa sentir que a está protegendo. Na realidade, ele sente-se impotente para lidar com uma mulher de personalidade marcante, que o trata de igual para igual, e por isso ele a inferioriza. Anseia partilhar sua sensibilidade com uma mulher, porém nega este lado de sua personalidade por temer que seus amigos o considerem um fraco e não um "homem". 

    Enfim, na tentativa de compreender a Síndrome de Peter Pan, cabe lembrar: amar um menino é preciso, pois ele não se ama; acreditar no homem é preciso, pois ele não acredita em si mesmo; e, acima de tudo, ouvir o ser humano é preciso, pois ele não ouve a si próprio. A fim de sobrepujar esse problema, ele precisa percorrer a maior distância do mundo: a que vai de sua boca a seus ouvidos.