terça-feira, 20 de julho de 2021

SÍNDROME DE PETER PAN

 

 

    Não ameaça a vida; portanto, não é uma doença. Mas põe em risco a saúde mental da pessoa; portanto, é mais que um incômodo. Seus sintomas são bem conhecidos; portanto, não dá dizer que é uma descoberta. Porém este quadro jamais foi descrito. Trata-se de um fenômeno psicológico: a Síndrome de Peter Pan. Ela não cabe em nenhuma categoria reconhecível, embora não haja como negar sua existência. Tal anomalia é denominada síndrome. Ou, para usar jargão comum, uma síndrome é um conjunto de sintomas expresso por algum tipo de padrão social. Todo mundo sabe que ela existe, mas até agora ninguém a rotulou ou explicou.

 Como reconhecer um menino-homem?

Era uma vez...Peter Pan...

 CAPITÃO GANCHO: — Você tem algum outro nome?

PETER PAN: — Hum, hum.

GANCHO: — Legume?

PETER: — Não.

GANCHO: — Mineral?

PETER: — Não.

GANCHO: — Animal?

PETER: — Sim.

GANCHO: — Homem?

PETER: — Não.

GANCHO: — Menino?

PETER: — Sim.

GANCHO: — Menino como os outros?

PETER: — Não!

GANCHO: — Menino maravilhoso?

PETER: — Sim!

 

    É possível reconhecer esta pessoa? A julgar pela idade, é um homem; porém, por seus atos, é uma criança. O homem deseja amor; a criança quer compaixão. O homem almeja a aproximação; a criança teme ser tocada. Se enxergar além de sua máscara de orgulho, verá sua vulnerabilidade. Se desafiar sua audácia, sentirá seu medo. Você pode achar que conhece bem essa pessoa, mas a verdade é o inverso. As contradições são incômodas. As respostas são ambíguas.

    Fica até mesmo difícil encontrar as perguntas corretas. Contudo, olhe para seus filhos ou para os de algum amigo, e pergunte-se: "Como seria se o corpo dele crescesse e sua mente parasse no tempo?" Este homem-menino é vítima de um mal grave. Se não for ajudado, amargará muito a vida. Não se trata de doença mental nem de incapacidade de convivência em sociedade.

     No entanto, ele é muito triste. Para ele a vida é uma perda de tempo. Ele se esforça por camuflar a tristeza com vivacidade e piadas. Em muitos casos isso engana, ao menos por alguns anos. Com o tempo, porém, aqueles que o amam vão se cansando de sua imaturidade. À primeira vista isso parece prematuro e até injusto. Mas ao analisar melhor o quadro, é possível entender por que todos desejam livrar-se dessa pessoa.

    É tarefa difícil identificar esse homem-menino. Quanto antes reconhecê-lo, maiores as chances de auxiliá-lo. Ele pode ser um filho, um marido, um tio ou um primo. Ou ainda um amigo, um vizinho, um colega de trabalho. Ou, se você é do sexo masculino, pode ser você! Quem quer que seja ele, pensa que não quer sua ajuda. Não a quer porque não sabe que precisa dela. Está tão acostumado a encarar a vida como uma caverna vazia que suas atitudes do tipo "não ligo a mínima" parecem normais. Se ele ousar gostar de alguém, ficará perturbadíssimo. Prefere a paz e a tranquilidade da indiferença.

    Possivelmente não se conseguirá identificar esse homem enquanto ele tem pouca idade. O contraste entre a idade atual e seu grau de maturidade será o primeiro indício. Uma vez identificado o problema, é possível planejar a ajuda a oferecer ou, pelo menos, evitar contribuir para as dificuldades dele. Ao compreender a complexidade do quadro, poderá se perceber os primeiros sinais indicadores da síndrome. O problema começa a aparecer cedo na vida de um homem. A identificação desse homem-menino implica num processo de observação de comportamento.

Perfil Social da Vítima

Sexo: masculino Idade - de 12 a 50 anos.

Cronologia sintomática:

De 12 a 17 anos: quatro sintomas fundamentais desenvolvem-se em graus variáveis: irresponsabilidade, ansiedade, solidão e conflitos relativos ao papel sexual.

De 18 a 22 anos: aparece a negação à medida que o narcisismo e o chauvinismo dominam o comportamento.

De 23 a 25 anos: período de crise aguda, durante o qual a vítima pode procurar ajuda queixando-se de uma vaga, mas profunda insatisfação com a vida. Geralmente interpretado como normal.

De 26 a 30 anos: a vítima entra no estágio crônico, representando o papel de "adulto".

De 31 a 45 anos: a vítima casou-se, tem filhos, um emprego estável, porém angustia-se por sentir a vida entediante e monótona.

Após os 45 anos: aumentam a depressão e a agitação à medida que se aproxima a andropausa. A vítima pode rebelar-se contra um estilo de vida indesejado e sem significado próprio, tentando recapturar sua juventude.

Nível socioeconômico: classe média para alta.

    Aparência: ele é visto como amável e agradável por pessoas que não o conhecem muito bem. Tem sorriso insinuante e deixa uma primeira impressão excelente.

    Condição financeira: os mais jovens raramente se sustentam. Aos quase trinta anos ainda moram com os pais, ou destes dependem financeiramente. Vítimas com mais idade podem apresentar uma situação segura, sentindo, contudo, que não a têm. Costumam ser mesquinhas, exceto com relação à satisfação de seus próprios desejos.

    Situação marital: até aproximadamente os vinte e cinco anos, os homens costumam manter-se solteiros. Namoram mulheres mais novas, ou aquelas cujas ações sugerem imaturidade. Depois de casadas, em geral, estas mulheres acabam tendo que manter a vítima "na linha". Esta costuma preferir os amigos à família.

    Situação educacional: as vítimas mais jovens levam a faculdade "na brincadeira" e têm dificuldade em resolver o que desejam estudar. Raramente terminam o curso universitário no período normal. As vítimas com mais idade sentem-se insatisfeitas com o grau de instrução obtido, achando que deveriam ter ido além. Esses homens raramente são vistos como vencedores ou empreendedores.

    Situação profissional: as mais novos têm uma história profissional bastante instável. Só trabalham quando sob pressão. Querem uma carreira, mas não querem "batalhar". Ofendem-se facilmente com relação a empregos que consideram "indignos" deles. Têm problemas empregatícios por causa de sua negligência. As vítimas de mais idade caem no extremo oposto. Trabalham duro, na tentativa de provar seu valor. Têm expectativas irrealistas em relação a si mesmos, a seus colegas de trabalho e a seus chefes. Veem-se acometidos pela incômoda ideia de não ter encontrado o emprego "certo".

    Família: a vítima geralmente é o filho mais velho de uma família tradicional. Os pais permanecem casados e têm boa situação financeira. Provavelmente o pai é executivo de alguma empresa, enquanto a mãe considera o cuidar da casa e dos filhos como sua principal tarefa. Ela talvez trabalhe fora para aumentar a renda familiar, embora não tenha ambições profissionais.

Interesses: o grande interesse das vítimas mais novas são as festas. As mais velhas esforçam-se por se divertir em festas, mas também tendem a se envolver além de limites razoáveis em esportes comunitários.

    Perfil Psicológico da Vítima

    Sete traços psicológicos dominam a vida da vítima da Síndrome de Peter Pan. Estão presentes em cada estágio de desenvolvimento, porém são mais perceptíveis durante o período de crise. No estágio crônico a vítima tende a esconder esses traços por trás de uma máscara de maturidade.

    Paralisia emocional: as emoções da vítima são inadequadas. Não são expressas da mesma forma com que são experimentadas. A raiva costuma emergir como fúria, a alegria toma a forma de histeria, e uma decepção transforma-se em autopiedade. A tristeza pode manifestar-se como alegria forçada, brincadeiras imaturas ou risadas nervosas. As vítimas mais idosas afirmam que amam você ou que gostam de você, mas não parecem capazes de expressar tal amor. Ironicamente, apesar de quando crianças haverem sido extremamente sensíveis, estes homens de modo geral parecem ser egocêntricos até a crueldade. Acabam chegando ao ponto de aparentemente se recusarem a compartilhar seus sentimentos. Na verdade, perderam contato com suas emoções, e simplesmente não sabem o que sentem.

    Procrastinação: durante o estágio de desenvolvimento a jovem vítima adia as coisas até ser absolutamente forçada a fazê-las. "Não sei" e "não me importa" tornam-se sua defesa contra as críticas. Seus objetivos de vida são obscuros e mal definidos, principalmente porque ela adia para o dia seguinte pensar sobre eles. A culpa força a vítima mais idosa a compensar a procrastinação do passado, transformando-se em alguém que precisa estar sempre fazendo alguma coisa. Ela simplesmente não sabe relaxar.  

    Impotência nas relações sociais: não importa quanto se esforcem; as vítimas não conseguem fazer amizades verdadeiras. Na adolescência são facilmente levadas pelos companheiros. Os impulsos assumem a prioridade sobre o sentido do certo e do errado. Procurar amigos e ser agradável a meros conhecidos têm precedência sobre as demonstrações de amor e a preocupação com a família. A vítima sofre de uma desesperada necessidade de pertencer a grupos; é terrivelmente solitária e entra em pânico se está só. Ela pode até mesmo tentar comprar amigos. Durante toda a vida tem dificuldade em sentir-se bem consigo mesma. Um falso orgulho constantemente impede a aceitação das próprias limitações humanas. 

    Pensamento mágico: "Se eu não pensar nisso, acabará". "Se eu achar que é diferente, assim será". Estes exemplos refletem o "pensamento mágico" das vítimas, o qual impede que admitam honestamente para si próprias terem cometido erros, e praticamente as impossibilita de dizer "desculpe-me". Este processo irracional é uma defesa utilizada pelas vítimas para sobrepujarem sua impotência nas relações sociais e sua paralisia emocional que lhes permite culpar aos outros por seus enganos. Frequentemente as leva ao abuso de drogas, pois creem que, quando estão "loucas", seus problemas desaparecem.

    Conflitos com a mãe: raiva e culpa causam uma enorme ambivalência em relação à mãe. As vítimas desejam libertar-se da influência dela, mas sentem-se culpadas toda vez que o tentam. Quando estão com a mãe, há sempre uma tensão no ar, pontilhada por momentos de sarcasmos seguidos de momentos de ternura reativa. Os mais jovens provocam a compaixão nas suas mães a fim de obterem o que querem, especialmente dinheiro. Ao discutirem têm repentes de ira, e depois desculpam-se de modo inconsequente. Os mais velhos têm menos o senso de ambivalência e mais o de culpa por causa da dor que causaram a suas mães.

    Conflitos com o pai: a vítima sente-se alienada no relacionamento com o pai. Anseia aproximar-se, mas convenceu-se de que jamais poderá receber amor e aprovação de seu pai. Mesmo com mais idade, ainda idealiza o pai, não compreendendo suas limitações e muito menos aceitando seus defeitos. Boa parte da problemática da vítima com respeito a figuras de autoridade origina-se nos conflitos com o pai.

    Conflitos sexuais: a impotência social da vítima estende-se até o campo sexual. Logo após a puberdade o rapaz começa a buscar desesperadamente uma namorada. Contudo, sua imaturidade e maneiras tolas tendem a afastar a maioria das moças. Seu medo de ser rejeitado leva-o a ocultar sua sensibilidade por trás de uma atitude machista, cruel e impiedosa. Na maioria dos casos o jovem permanece virgem até entrar na casa dos vinte ou mais, coisa que o constrange e leva-o a mentir — frequentemente a ponto de falar em estupro, gabando-se de como "ganhou", ou planeja "ganhar", as garotas. Uma vez rompida a barreira da virgindade, a vítima pode passar para o outro extremo, tendo relações sexuais com qualquer moça que o deseje — para provar a si mesmo que é potente. Quando decide ficar com uma, liga-se completamente a ela. Seu ciúme só é suplantado por sua habilidade em despertar nela a compaixão. O homem sente-se provocado (e pode até ficar furioso) frente às atitudes de afirmação ou de autonomia da mulher; ele precisa que ela seja dependente dele para que possa sentir que a está protegendo. Na realidade, ele sente-se impotente para lidar com uma mulher de personalidade marcante, que o trata de igual para igual, e por isso ele a inferioriza. Anseia partilhar sua sensibilidade com uma mulher, porém nega este lado de sua personalidade por temer que seus amigos o considerem um fraco e não um "homem". 

    Enfim, na tentativa de compreender a Síndrome de Peter Pan, cabe lembrar: amar um menino é preciso, pois ele não se ama; acreditar no homem é preciso, pois ele não acredita em si mesmo; e, acima de tudo, ouvir o ser humano é preciso, pois ele não ouve a si próprio. A fim de sobrepujar esse problema, ele precisa percorrer a maior distância do mundo: a que vai de sua boca a seus ouvidos.

 

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