Há quem diga que pensar fora da caixa – que significa ter concepções que fogem ao convencional, tradições e costumes – é coisa de louco, rebelde ou que não “bate bem do pino”. Mas afinal, qual a razão que impede um indivíduo de pensar, agir e ser diferente dos outros? A resposta é precisa, única e histórica: “muitos outros” não aceitam. Não aceitar e até mesmo condenar alguém por pensar diferente sobre um mesmo assunto, seja lá qual for, é e sempre será (até o fim dos tempos) mera questão de divergência de pontos de vista. Se alguém gosta de vinho, outro curte cerveja; se alguém gosta do inverno, outro curte o verão; se alguém gosta de academia, outro curte uma cadeira espreguiçadeira; se alguém gosta de algo, os outros (e são muitos) curtem outro algo. Contudo, nem por isso o direito de condenar ou criticar negativamente o pensar e agir diferente é direito adquirido.
Vamos navegar pela história. Já faz algum tempo que os indivíduos que pensavam e se comportavam diferentemente das demais pessoas da sociedade eram rigidamente considerados histéricos - referência a uma hipotética condição neurótica e psicopatológica. Historicamente a expressão ‘neurótico’ possui a sua origem no termo médico grego hysterikos. Ele se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no útero, hystera em grego. É interessante observar que tal condição patológica era conferida exclusivamente as mulheres (questão estritamente condicionada ao modo de pensar da época). O termo histeria foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro.
No final do século XIX, o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que utilizava a hipnose para estudar a histeria, demonstrou que ideias mórbidas podiam produzir manifestações físicas. O Psicólogo francês Pierre Janet, aluno de Charcot naquela época, considerou as causas psicológicas como desencadeadoras dos quadros de histeria. Mais do que as causas físicas. Posteriormente, Sigmund Freud e Josef Breuer, que pesquisaram os mecanismos psíquicos da histeria, postularam teoricamente que a neurose era causada por lembranças reprimidas com intensa energia emocional. A sintomatologia que ao mesmo tempo frustrou e estimulou os médicos do século XIX, foi de grande desafio para Freud, que, a partir desse cenário misterioso, desenvolveu técnicas específicas para conduzir o tratamento de suas pacientes. Nascia, então, a Psicanálise como resposta a esse desafio. Aos poucos a histeria deixou de ser um distúrbio exclusivo do sexo feminino. Ainda hoje, em pleno ano 2021, ainda se utiliza o termo histérico para as mais diversas situações, como por exemplo: “aquela pessoa gritou, ela é uma histérica! ”. Teorizou-se, então, outra segmentação da estrutura neurótica: estava-se diante dos obsessivos que, com sintomas diferentes, também apresentavam grande sofrimento psíquico. Esta sintomatologia, embora predominantemente masculina, não pode ser tratada como exclusiva dos homens.
O termo histeria originou-se nos primórdios da medicina e foi resultado exclusivo do preconceito, que vinculava as neuroses às doenças do aparelho sexual feminino (superado nos dias atuais). Na Idade Média as neuroses surgiam sob a forma de epidemias, consequência de contágios psíquicos, e estavam na origem do que era factual na história da possessão e da feitiçaria. Alguns documentos daquela época demonstram que a sua sintomatologia não sofreu modificação no decorrer da história. Uma abordagem adequada e uma melhor compreensão sobre a questão iniciaram com os trabalhos de Charcot e da escola do Salpêtrière. Até aquela época a histeria tinha sido o “fantasma” da medicina, ou seja, difícil de compreender, difícil de explicar. As “histéricas” que em séculos passados foram queimadas na fogueira ou exorcizadas, viviam sujeitas à maldição do ridículo e consideradas como articuladoras de simulações e exageros. Na Idade Média eram consideradas feiticeiras.
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