sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Pensar e agir fora da caixa


     Há quem diga que pensar fora da caixa – que significa ter concepções que fogem ao convencional, tradições e costumes – é coisa de louco, rebelde ou que não “bate bem do pino”. Mas afinal, qual a razão que impede um indivíduo de pensar, agir e ser diferente dos outros? A resposta é precisa, única e histórica: “muitos outros” não aceitam. Não aceitar e até mesmo condenar alguém por pensar diferente sobre um mesmo assunto, seja lá qual for, é e sempre será (até o fim dos tempos) mera questão de divergência de pontos de vista. Se alguém gosta de vinho, outro curte cerveja; se alguém gosta do inverno, outro curte o verão; se alguém gosta de academia, outro curte uma cadeira espreguiçadeira; se alguém gosta de algo, os outros (e são muitos) curtem outro algo. Contudo, nem por isso o direito de condenar ou criticar negativamente o pensar e agir diferente é direito adquirido.

    Vamos navegar pela história. Já faz algum tempo que os indivíduos que pensavam e se comportavam diferentemente das demais pessoas da sociedade eram rigidamente considerados histéricos - referência a uma hipotética condição neurótica e psicopatológica. Historicamente a expressão ‘neurótico’ possui a sua origem no termo médico grego hysterikos. Ele se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no útero, hystera em grego. É interessante observar que tal condição patológica era conferida exclusivamente as mulheres (questão estritamente condicionada ao modo de pensar da época). O termo histeria foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro.

    No final do século XIX, o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que utilizava a hipnose para estudar a histeria, demonstrou que ideias mórbidas podiam produzir manifestações físicas. O Psicólogo francês Pierre Janet, aluno de Charcot naquela época, considerou as causas psicológicas como desencadeadoras dos quadros de histeria. Mais do que as causas físicas. Posteriormente, Sigmund Freud e Josef Breuer, que pesquisaram os mecanismos psíquicos da histeria, postularam teoricamente que a neurose era causada por lembranças reprimidas com intensa energia emocional. A sintomatologia que ao mesmo tempo frustrou e estimulou os médicos do século XIX, foi de grande desafio para Freud, que, a partir desse cenário misterioso, desenvolveu técnicas específicas para conduzir o tratamento de suas pacientes. Nascia, então, a Psicanálise como resposta a esse desafio. Aos poucos a histeria deixou de ser um distúrbio exclusivo do sexo feminino. Ainda hoje, em pleno ano 2021, ainda se utiliza o termo histérico para as mais diversas situações, como por exemplo: “aquela pessoa gritou, ela é uma histérica! ”. Teorizou-se, então, outra segmentação da estrutura neurótica: estava-se diante dos obsessivos que, com sintomas diferentes, também apresentavam grande sofrimento psíquico. Esta sintomatologia, embora predominantemente masculina, não pode ser tratada como exclusiva dos homens.

    O termo histeria originou-se nos primórdios da medicina e foi resultado exclusivo do preconceito, que vinculava as neuroses às doenças do aparelho sexual feminino (superado nos dias atuais). Na Idade Média as neuroses surgiam sob a forma de epidemias, consequência de contágios psíquicos, e estavam na origem do que era factual na história da possessão e da feitiçaria. Alguns documentos daquela época demonstram que a sua sintomatologia não sofreu modificação no decorrer da história. Uma abordagem adequada e uma melhor compreensão sobre a questão iniciaram com os trabalhos de Charcot e da escola do Salpêtrière. Até aquela época a histeria tinha sido o “fantasma” da medicina, ou seja, difícil de compreender, difícil de explicar. As “histéricas” que em séculos passados foram queimadas na fogueira ou exorcizadas, viviam sujeitas à maldição do ridículo e consideradas como articuladoras de simulações e exageros. Na Idade Média eram consideradas feiticeiras.


    Após muita fogueira e exorcismo, aqueles que forem considerados histéricos por pensarem fora da caixa (nos dias atuais), não serão mais queimados ou esconjurados. Porém, correm o risco de serem classificados como loucos, revoltados, estressados, deprimidos, problemáticos... e daí? O importante é saber pensar e ser diferente sem exigir aceitação ou ficar se comparando, caso contrário, a crítica provocará alguma perturbação, algum incômodo. O mundo é repleto de diferenças. Toda diferença exige dois fatores: escolha ou alternativa. Isso consiste no processo mental de pensamento envolvendo o julgamento dos méritos de múltiplas opiniões e a seleção de uma delas para conceber como forma de ser. Algumas escolhas são simples: levantar cedo pela manhã ou voltar a dormir; escolher um trajeto alternativo para viajar ou o mais usado, por exemplo. Contudo, existem escolhas complexas que afetam as crenças pessoais. Geralmente a escolha de um estilo de vida, uma filiação religiosa ou posição política, por exemplo. A maioria das pessoas considera excelente ter alternativas à disposição, embora uma escolha severamente limitada ou artificialmente restrita, possa levar ao desconforto com a opção selecionada e possivelmente a um resultado insatisfatório. No extremo oposto, alternativas ilimitadas podem levar à confusão, remorsos pelas opções não escolhidas e indiferença, numa existência amorfa.


    No final das contas parece que o pensar fora da caixa exige uma expressão que também é controversa: livre arbítrio. Teoricamente, o livre arbítrio delega a cada indivíduo o poder de escolher as suas ações e qual o caminho a seguir. Tal expressão é citada por diversas religiões, como o cristianismo, o espiritismo, o budismo ... O significado de livre arbítrio “encontra sentido” na religião, psicologia, psicanálise, na ciência, moral e bons costume... Para muitos, ter livre arbítrio é ter liberdade de escolha. De fato, todo ser humano detém o direito de fazer o que quiser com a sua vida e escolher qual caminho deseja seguir - desde que não prejudique ninguém. Talvez na Filosofia é possível encontrar o sentido mais amplo e irrestrito da palavra. No âmbito da Filosofia, todo indivíduo pensa e faz exatamente aquilo que tinha de pensar e fazer, e os seus pensamentos e reações são inerentes à sua vontade... ocorrem com a força de outras causas, internas ou externas. Enfim, pensar e ser um ser humano diferente que pense fora da caixa exige altíssimo controle das emoções porque cedo ou tarde a crítica negativa, o isolamento social e o “apontar do dedo” se farão presentes.

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