quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O REAL e o IMAGINÁRIO: ETERNO CONFRONTO

Resultado de imagem para mente

 

Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Psicanalista
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social

 

     O imaginário humano possui a capacidade extraordinária de tornar determinadas ocorrências suscetíveis a exageros e distorções. Esse processo é típico do homem, ser capaz de adulterar, moldar e certificar deliberadamente certos aspectos do factual, de acordo com sua visão, interpretação, sensibilidade, emoção e conveniência.

            Mas a pergunta é: como seria a vida sem o extraordinário? É impressionante como o incomum parece provocar grande fascínio nas pessoas, a ponto de influir no seu modo de agir e pensar, transformando o excepcional em mito, crença e em determinados contextos em “verdadeiro”. É importante perceber que, não raramente, a ficção procura, até mesmo, justificar ou explicar a realidade.

            A página preliminar do livro Pensar o somático: imaginário e patologia, de Sami-Ali contém uma epígrafe de Ibn Arabi (1164-1240) que diz o seguinte: “Nada seríamos, não fosse a imaginação”. A mensagem intrínseca na oração é relevante. Afinal, desde os tempos bíblicos o imaginário, segundo registros preservados, é uma constante. O caráter e as proporções que determinados relatos da época alcançaram, delineiam a fé cristã há milhares de anos, por exemplo.

            Cabe ressaltar que, neste momento, não existe qualquer motivo ou tentativa de pôr em dúvida ou adentrar no mérito da veracidade dos fatos. A exemplificação elencada almeja suscitar no leitor a reflexão sobre a potencialidade do imaginário. Deseja evidenciar que certos fenômenos e manifestações podem permanecer legitimados e certificados por meses, anos, milênios.

            Todavia existem criações, originárias da mesma fase citada anteriormente, que perderam sua validade por não encontrar mais respaldo em um contexto mais moderno, mais intelectivo. Criaturas mitológicas como o Minotauro, por exemplo, foram imaginários que obtiveram sua valorização, sua veneração e respeitabilidade pelo medo dos castigos impostos por uma eventual desconsideração. Mas o ser humano evolui e parte daquilo que foi pertinente um dia deixa de ser noutro.

            O homem ao nascer, independentemente do período histórico, apesar de dotado da capacidade de raciocinar, primeiramente imagina. O primeiro contato com os objetos, sons, odores é assimilado pelos sensores físicos, mas a significação não possui lógica ou comparação com alguma experiência vivenciada, portanto, não passa de pura imaginação. Pois é justamente este imaginário que constitui os sentidos e molda a gênese do mundo de cada vivente.

            Afinal, se o imaginário já faz parte do indivíduo desde sua concepção, por que não é aceito com naturalidade por algumas pessoas? Quiçá, simplesmente pelo fato de o termo comportar certa confusão semântica desde sua origem. Numa acepção mais simplista, é compreendido como desvario e ausência de honestidade, ou seja, qualquer criação oriunda do imaginário é encarada com incredulidade e suspeição. Se o racional tem status de verdadeiro, a imaginação é produto do inconsistente.

            Teorias à parte, o fato é que todo ser humano possui uma essência imperscrutável e o imaginário lhe pertence. É nesse universo insondável, repleto de segredos, que os dados e as informações do mundo físico são reprocessadas sob uma nova roupagem, um novo significado, onde o lobo vira lobisomem, o morcego transforma-se em vampiro, e a mula-sem-cabeça, que além da ausência da caixa craniana, ainda serve de protagonista de histórias assustadoras.

            Mas o imaginário não aflora somente em relatos e lendas espantosas. A arte, de forma geral, é inspirada, sim, pela capacidade imaginativa do poeta, do compositor, do pintor, do escritor. Nela são encontradas todas as maneiras imaginativas de traduzir o já manifesto e compreendido, descritas de forma a atiçar a mente e o coração do homem que, além de racional, é também emocional.

            Os exemplos anteriores denotam a presença do imaginário como fomentador da imaginação. Essa consideração parece sem nexo ou redundante, mas aquele que lê, assiste ou ouve, aprecia e constrói o seu imaginário pessoal de acordo com a sua interpretação e conveniência. Conclui-se, então, que não há como negar: o imaginoso sempre esteve e sempre fará parte do cotidiano do homem, mesmo porque essa capacidade lhe é conferida naturalmente.

            Assim, após uma explanação, mesmo que deveras sucinta sobre o tema imaginário, foi possível observar que o mundo real coexiste com o irreal explícito e suscitado e, por que não afirmar, ainda, que os dois necessariamente dependem um do outro porque a reflexão, tão necessária na humanidade, é instigada pela controvérsia. E, o imaginário quase sempre desperta a curiosidade e provoca a polêmica, a discussão.

            Também, os produtos da imaginação possuem sentidos conotativos, por isso estão sujeitos à discriminação como sendo oriundos dos insanos ou loroteiros. Segundo Malebranche (apud DURAND, 1998, p. 10), a imaginação “é suspeita de ser a amante do erro e da falsidade”. Aqui se percebe que a subjetividade não é interpretada no sentido literal da palavra. O subjetivo é particular e indeterminável, portanto, deveria ser isento de crítica ou comparação, entretanto, muitas vezes não é.

            Outro detalhe, talvez o mais importante, é que o imaginário não é restrito àquele que é dotado de maior capacidade intelectual ou cultural. Logo, qualquer um pode construir, usufruir e disseminar uma ideia oriunda da imaginação. Por isso, o imaginário tem a potencialidade de difundir as representações coletivas do povo como é o caso das lendas e histórias populares.

            O imaginário, enquanto propriedade própria do ser humano, se entretece com o real por meio da criação metafórica do mundo numa reciprocidade da qual só de modo paulatino e por meio de uma gradual compreensão podem desprender-se como termos distintos. Portanto, a verdade é que o imaginário se tornou parte integrante e indissociável da elaboração de qualquer discurso proferido pelo homem e do qual não pode prescindir.

 

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