quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A RELIGIÃO e a VIDA VIRTUOSA

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Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Psicanalista
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social


    Aparentemente, o que nos move para uma religião, é a necessidade intrínseca de nos conectar com o sagrado. Creio que é da natureza humana desejar a vida eterna e isto, de certa forma, demonstra amor pela vida. Ideias filosóficas - sobre a morada da alma após a morte, por exemplo, são praticamente universais e podemos encontrar suas origens na pré-história: os homens de Neanderthal tinham rituais de sepultamento que sugerem uma crença de continuidade da vida após a morte.

    Nos 1.900 anos que antecederam Jesus Cristo, encontraremos pelos menos trinta filósofos expressivos, predominantemente gregos, que se preocupavam em criar hipóteses que dessem sentido à vida humana. Alguns exemplos: Tales, Pitágoras, Heráclito, Sócrates, Aristóteles, Platão e Epícuro (todos gregos); Láo-tsé e Confúcio (chineses); Sidarta Gautama, o Buda (indiano); Zoroastro (persa), fundador do Zoroastrismo, que defendia uma vigorosa noção de bem e do mal, considerada a primeira manifestação de monoteísmo ético. Segundo historiadores da religião, algumas das concepções do Zoroastrismo - a crença no paraíso, na ressurreição, no juízo final e na vinda de um messias - viriam a influenciar outras religiões, inclusive o cristianismo.

    Podemos encerrar este exercício histórico pelos hebreus, outra pujante força filosófica no mundo antigo, citando Abraão (1900 a.C.), Moisés (1220-1200 a.C.), Davi (1013-973 a.C.) e Jesus Cristo (5 a.C. – 30 d.C.). Os hebreus antigos, com suas concepções de um Deus único e da lei dada por Ele, “armaram o palco para a civilização ocidental” um milhar de anos antes de Cristo. Talvez não haja um filósofo hebreu singular (antes de Jesus) que tenha alcançado a estatura de Confúcio, Buda ou Sócrates, mas os antigos pensadores hebreus nos deixaram um dos mais influentes livros da história – a Bíblia hebraica, ou o “ Antigo Testamento”.

    As igrejas devem sua origem a mestres dotados de fortes convicções individuais, mas tais mestres raramente tiveram influência sobre as igrejas que fundaram, enquanto que as igrejas tiveram enorme influencia sobre as comunidades em que floresceram. Nada há de acidental quanto a essa diferença entre uma igreja e o seu fundador. Logo que se supõe que a palavra de certos homens contém a verdade absoluta, surge um corpo de especialistas para interpretar seus ensinamentos, e tais especialistas adquirem, infalivelmente, poder, já que possuem a “chave da verdade”. Como qualquer outra casta privilegiada, usam de seu poder em benefício próprio.

    A religião, antes de tudo, é um fenômeno social - é possível perceber que somos herdeiros de um mix de concepções religiosas advindas de vários mestres, catalogadas por um corpo de especialistas.

    Tradicionalmente a vida religiosa era, por assim dizer, um diálogo entre a alma e Deus. Obedecer à vontade de Deus era virtude – e isso era possível ao indivíduo sem que levasse em conta a situação da comunidade. Esse individualismo da alma, isoladamente, teve o seu valor em certas fases da história. O cristianismo surgiu, no império romano, entre populações inteiramente destituídas de poder político, cujos estados nacionais haviam sido destruídos e fundidos em vastos e impessoais agregados humanos. Durante os primeiros três séculos da era cristã, os indivíduos que adotavam o cristianismo não podiam modificar as instituições sociais ou políticas sob as quais viviam, embora estivessem profundamente convencidos de que eram más. Nessas circunstâncias, era natural que adotassem a crença de que um indivíduo poderia ser perfeito num mundo imperfeito, e que a vida virtuosa nada tinha a ver com este mundo.

Em um mundo globalizado, a meu ver, um dos defeitos da religião tradicional é o seu individualismo, pois hoje precisamos mais de uma concepção social do que individual. No que se refere ao bem-estar da comunidade, podemos também encontrar referencial no mundo antigo. Tomemos por exemplo, Platão que quando quis descrever a vida virtuosa, descreveu toda uma comunidade, e não um indivíduo; fê-lo a fim de definir o que era justiça, que é um conceito inteiramente social. Ele estava habituado à cidadania de uma república, e a responsabilidade política era algo que encarava como fato estabelecido.

    A vida virtuosa, agora revisada, exige um número enorme de condições sociais e não pode realizar-se sem eles. É uma vida inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento. Para viver uma vida satisfatória no seu mais amplo sentido, o homem precisa ter uma boa educação, amigos, amor, filhos (se os desejar), uma renda suficiente que o mantenha distante de necessidades e de graves preocupações, boa saúde e trabalho que não lhe seja desinteressante. Todas essas coisas, em graus diversos, dependem da comunidade, e são favorecidas ou impedidas por acontecimentos políticos. A vida satisfatória tem que ser vivida numa boa sociedade, e não pode ser vivida amplamente de outro modo. Não adianta mais querer salvar apenas a própria alma, é preciso olhar a coletividade.

 

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