segunda-feira, 13 de outubro de 2025

UM OLHAR SOBRE O CÓDIGO GENÉTICO E A CONDIÇÃO HUMANA


 

A TEIA DA VIOLÊNCIA

Por Heitor Jorge Lau

            A notícia de uma estudante de direito que ascendeu à sombria notoriedade por uma série de assassinatos cometidos por envenenamento, sendo classificada como uma possível serial killer, lança uma sombra perturbadora sobre a natureza humana. Tais atos de barbárie, que ecoam desde os primórdios da civilização, forçam-nos a revisitar uma questão fundamental: a origem da crueldade em nossa espécie, o Homo sapiens. Seria a violência uma herança atávica, inscrita em nosso código genético, uma disfunção cultural, ou o resultado complexo de uma interação de fatores? Para iniciar essa profunda investigação, é crucial compreender primeiro a nossa própria composição biológica em relação às demais formas de vida.

            O código genético humano, o ácido desoxirribonucleico ou DNA, longe de ser singular, possui uma estrutura e funcionalidade notavelmente semelhantes às encontradas em outros seres vivos, desde uma mosca-da-fruta até um grão de arroz. O DNA, a molécula que carrega as instruções hereditárias para o desenvolvimento, funcionamento, crescimento e reprodução de todos os organismos conhecidos, é composto por sequências de nucleotídeos, que são as unidades básicas do DNA, combinados em pares. A similaridade fundamental reside não apenas na estrutura de dupla hélice, mas também na maneira como o código é lido e traduzido em proteínas. Essa uniformidade molecular é um testemunho da origem comum da vida na Terra, um conceito central na teoria da evolução. Ao compararmos o genoma humano, que é o conjunto completo de DNA de uma célula, com o de outras espécies, as semelhanças são impressionantes. Por exemplo, compartilhamos cerca de noventa e oito por cento do nosso DNA com os chimpanzés, os primatas mais próximos evolutivamente do Homo sapiens. No entanto, mesmo organismos distantes, como os vermes e as moscas-das-frutas, possuem sequências genéticas comuns e utilizam métodos semelhantes para ativar e desativar os genes, as unidades funcionais do DNA que contêm as instruções para produzir uma proteína específica. Essa conservação, a manutenção de genes semelhantes ao longo de milhões de anos de evolução em diferentes espécies, demonstra que os processos biológicos essenciais à vida são muito antigos e fundamentais.

            No entanto, as diferenças, muitas vezes sutis, são responsáveis por nossas características distintivas, incluindo as complexidades do cérebro humano. Algumas dessas variações estão em porções do DNA que não codificam proteínas diretamente, como os microRNAs, que são pequenas moléculas de RNA que ajudam a controlar a expressão de outros genes, regulando quais proteínas devem ou não ser formadas. A identificação de microRNAs exclusivos do ser humano, ou que sofreram mutações importantes em nossa linhagem, especialmente em regiões ativas no cérebro, sugere um substrato biológico para as capacidades cognitivas superiores do Homo sapiens. Ao abordar a questão da violência e das barbaridades humanas, a tentação de atribuir tais atos a uma "herança genética de espécies não humanas" é simplista. Embora o comportamento agressivo tenha raízes evolutivas e seja observado em diversas espécies como um mecanismo de sobrevivência, defesa territorial ou competição por recursos, a violência humana, especialmente a que envolve complexidade, premeditação e crueldade como nos casos de seriais killers, transcende o instinto bruto.

             A ciência moderna, notadamente a neurobiologia e a genética comportamental, sugere que o comportamento violento não é determinado por um único "gene do mal", mas é o resultado de uma intrincada interação entre fatores biológicos e ambientais, uma perspectiva conhecida como biopsicossocial. No que tange aos aspectos biológicos, sabe-se que variações em certos genes podem modular a predisposição a comportamentos agressivos. Um dos mais estudados é o gene que codifica a enzima Monoamina Oxidase A, frequentemente abreviado como MAOA. Esta enzima é responsável por metabolizar, ou quebrar, neurotransmissores como a serotonina e a dopamina no cérebro, que estão envolvidos na regulação do humor e do comportamento. Uma variante de baixa atividade do gene MAOA, que resulta em menos enzima MAOA e potencialmente níveis alterados de neurotransmissores, tem sido associada a uma maior impulsividade e agressividade em alguns estudos. Contudo, a chave está na interação: essa predisposição genética só parece se manifestar em comportamentos violentos significativos quando combinada com um ambiente hostil na infância, como abuso físico ou negligência.

            É aqui que o componente ambiental - a cultura e o desenvolvimento familiar - entra em cena, atuando através de mecanismos como a epigenética, que é o estudo das mudanças na função dos genes que não envolvem alterações na sequência do DNA, mas sim a forma como esses genes são "ligados" ou "desligados". Um ambiente familiar deturpado, caracterizado por violência, falta de afeto ou modelos parentais disfuncionais, pode desencadear ou exacerbar predisposições genéticas latentes. O cérebro, especialmente durante a infância e adolescência, é um órgão plástico, ou seja, capaz de se modificar. Estímulos ambientais nocivos podem alterar permanentemente a arquitetura neural, afetando regiões como o córtex pré-frontal, responsável pelo controle de impulsos e pelo julgamento moral, e a amígdala, envolvida no processamento de emoções como o medo e a agressão. A cultura também desempenha um papel inegável. As normas sociais, os valores morais e a forma como uma sociedade define e lida com a violência moldam o comportamento individual. A diminuição proporcional da violência em muitas sociedades ao longo da história, conforme argumentam alguns cientistas sociais, é frequentemente atribuída a mudanças culturais, incluindo o estabelecimento do monopólio da força pelo Estado e o desenvolvimento da razão e da educação.

            Portanto, a crueldade humana não pode ser reduzida a uma única causa. Não é simplesmente uma herança genética de espécies ancestrais, nem apenas o produto de uma cultura distorcida. A explicação mais coerente e robusta reside na combinação de fatores: uma complexa teia onde a biologia (incluindo as variações genéticas e a neurobiologia) fornece uma predisposição, e o ambiente (a estrutura familiar, o aprendizado social e as influências culturais) atua como catalisador ou inibidor. A tragédia da estudante de direito, e de outros atos bárbaros ao longo da história, reside nessa sombria intersecção: uma vulnerabilidade inata que, ao encontrar um ambiente propício à deturpação, se manifesta na mais chocante das violências. A compreensão plena da maldade humana exige, portanto, uma perspectiva integradora que não negligencie nem a fria linguagem do código genético nem o calor caótico da experiência de vida.

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