A PSICANÁLISE DIANTE DA COMPLEXIDADE CONTEMPORÂNEA
Por Heitor Jorge Lau
A sociedade moderna, marcada por uma aceleração vertiginosa, pela hiperconectividade e por pressões de desempenho inéditas, parece testemunhar uma explosão de sofrimento mental. Diante dessa paisagem psíquica cada vez mais complexa e multifacetada, surge o questionamento inevitável sobre a eficácia e a relevância da psicanálise, o método de investigação da mente humana fundado por Sigmund Freud no final do século XIX. A aparente dificuldade da psicanálise em oferecer respostas rápidas e abrangentes aos novos males do século XXI levanta um debate profundo: seria esta uma falha de sua metodologia original, um encontro com problemas humanos fundamentalmente incorrigíveis, ou, talvez, um sintoma da descrença e impaciência de uma sociedade que valoriza a solução imediata?
A psicanálise, com sua ênfase no inconsciente, na sexualidade infantil e na interpretação, foi concebida para desvendar as neuroses da sociedade vitoriana, onde a repressão e a culpa moral eram as principais fontes de angústia. O divã tornou-se o palco onde os conflitos internos, resultantes do embate entre o id (a fonte dos impulsos primitivos), o superego (a voz da moral e da consciência) e o ego (o mediador da realidade), eram pacientemente decifrados. A proposta central era a de tornar consciente o inconsciente, permitindo ao indivíduo integrar suas experiências reprimidas e, assim, alcançar uma libertação.
No entanto, o mal-estar contemporâneo, conforme argumentam alguns críticos e teóricos, parece menos estruturado em torno da repressão e mais ligado à exaustão e à vazio. A clínica atual se depara frequentemente com patologias do narcisismo, transtornos de personalidade borderline, e quadros de ansiedade generalizada e depressão que não se encaixam perfeitamente no modelo clássico da neurose. Tais quadros são frequentemente caracterizados pela falta de um conflito interno claro e verbalizável, manifestando-se em atos impulsivos, somatizações intensas ou uma sensação de desamparo existencial.
Neste cenário, a lentidão e a profundidade exigidas pela metodologia psicanalítica, que prioriza a associação livre e a transferência, que é a repetição de padrões de relacionamento passados na relação com o analista, parecem entrar em choque com a lógica da produtividade e da eficiência social. O paciente contemporâneo, habituado a diagnósticos rápidos e soluções farmacológicas de efeito imediato, pode perceber a psicanálise como um processo demasiadamente lento e de resultados incertos. Seria essa impaciência e a demanda por alívio rápido uma forma de descrença generalizada na capacidade de um processo de autoconhecimento profundo e demorado? Em uma sociedade que mercantiliza a felicidade, o trabalho psíquico é percebido como um investimento de alto risco.
Além disso, o questionamento sobre a "falha" da psicanálise pode residir na própria natureza do sofrimento que ela se propõe a tratar. O cerne da teoria freudiana reside na inevitabilidade do conflito, na ideia de que a vida civilizada exige a renúncia a certos prazeres instintivos, resultando em um mal-estar constitutivo da experiência humana. A psicanálise promete a análise e a aceitação deste mal-estar, não a sua erradicação. Ela convida à aceitação de que ninguém é perfeito, de que o ser humano é fundamentalmente atravessado por pulsões destrutivas (Thanatos) e sexuais (Eros), e que o "eu" é uma casa dividida.
Essa verdade inquietante pode ser a fonte de uma cegueira ou recusa por parte de uma cultura obcecada pela positividade e pela auto-otimização. O ideal contemporâneo é o do indivíduo "perfeito," que controla suas emoções, maximiza sua performance e irradia felicidade ininterrupta. A psicanálise, ao insistir na existência de uma sombra, de um desejo obscuro e de limites intransponíveis, torna-se um incômodo filosófico. Se o objetivo social é ser completo, o reconhecimento psicanalítico da incompletude e da castração simbólica pode ser rejeitado como uma falha, não da terapia, mas da própria realidade que ela revela.
No entanto, é simplista decretar a falência da psicanálise. O método, que evoluiu em diversas escolas pós-freudianas, como a lacaniana, a kleiniana e a escola das relações objetais, tem se adaptado ao longo do tempo. Analistas contemporâneos trabalham com a compreensão de que as novas patologias exigem não apenas a interpretação dos sonhos e dos lapsos, mas também a presença do corpo e a intervenção ativa na realidade do paciente, especialmente em casos de trauma e violência. A psicanálise não é uma fórmula rígida, mas uma clínica da escuta que se ajusta ao discurso e ao sofrimento de seu tempo.
Portanto, a "falha" da psicanálise diante da complexidade mental moderna não é necessariamente metodológica, mas sim contextual e cultural. A sua profundidade entra em conflito com a superficialidade exigida pela velocidade social. O seu convite à aceitação da imperfeição se choca com a tirania do ideal de perfeição. A psicanálise pode não ter todas as respostas rápidas para a ansiedade de performance do mundo atual, mas a sua persistente recusa em oferecer uma "cura total" - em aceitar que o sofrimento é parte inerente da condição humana - talvez seja a sua maior força e o seu mais urgente lembrete sobre a inevitável imperfeição do ser. A tarefa da psicanálise hoje é, talvez, mais a de resistir à urgência do que a de se apressar em resolvê-la.

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