terça-feira, 21 de outubro de 2025

EQM – EXPERIÊNCIAS DE QUASE MORTE

 

(apenas uma exposição sem ponto final ou com certezas definitivas)

Por Heitor Jorge Lau

            O tema das "experiências pós-morte" ou, mais precisamente, das Experiências de Quase Morte (EQM), e a sua correlação com a atividade cerebral é fascinante e tem sido objeto de pesquisa científica. O aumento dos impulsos cerebrais nos momentos após a morte é uma hipótese central nessas investigações e pode estar vinculado a alguns dos fenômenos relatados.

            As Principais Pesquisas e Descobertas:

            Os estudos científicos têm-se concentrado em tentar correlacionar os relatos das EQMs (como a "luz branca", a revisão da vida ou o encontro com entes queridos) com os processos fisiológicos que ocorrem no cérebro durante a parada cardíaca, ou seja, na transição da vida para a morte.

            Aumento da Atividade Elétrica Cerebral (Ondas Gama):

§  O que é: alguns estudos, incluindo um notável em 2022 em um paciente de 87 anos que morreu durante um exame de eletroencefalograma (EEG), registraram um aumento da atividade das ondas gama no cérebro pouco antes e após o coração parar de bater.

§  Implicação: as ondas gama são as oscilações cerebrais mais rápidas e estão envolvidas em processos cognitivos de alto nível, como concentração, sonho, recuperação de memória e percepção consciente.

§  A "revisão da vida" e entes queridos: a intensa atividade gama nessas áreas (como as associadas à memória e ao processamento de informações) é levantada como uma possível explicação para as experiências de "revisão da vida" e as alucinações visuais de luz ou de pessoas falecidas, que são características comuns das EQMs. O cérebro, sob estresse extremo e falta de oxigênio (hipóxia), pode gerar uma explosão de atividade para um último esforço de processamento de informação.

            Atividade em Regiões Específicas:

§  Outras pesquisas, incluindo estudos iniciais em animais e alguns casos humanos, apontaram para a intensa atividade em regiões como a junção Temporoparieto-Occipital (TPO), que está associada à percepção dos sentidos, à consciência, aos sonhos e às alucinações visuais. A alteração na função desta área é frequentemente citada como um fator que pode levar à sensação de sair do corpo.

            Outras Teorias (Hipóxia e Drogas Psicodélicas):

§  Hipóxia Cerebral: a falta de oxigênio no cérebro é uma das teorias mais antigas. A isquemia e a hipóxia (falta de oxigênio) podem causar alucinações e distorções sensoriais, o que poderia explicar o "túnel" e a "luz brilhante" (semelhante ao que acontece com pilotos de avião em altas acelerações).

                 §  Neurotransmissores/Psicodélicos: pesquisadores também exploraram semelhanças entre as EQMs e alucinações induzidas por drogas psicodélicas, como a dimetiltriptamina (DMT), sugerindo que a liberação de substâncias químicas naturais pelo cérebro em momentos de estresse extremo pode modular a experiência.

            Até aqui você leu (provavelmente) tudo que se refere a descobertas recentes que desafiam a noção de que o cérebro simplesmente "desliga" de imediato na morte clínica. Embora a ciência ainda esteja em um território desconhecido e não haja uma teoria universalmente aceita, a hipótese de que a intensa e coordenada atividade cerebral nos momentos finais (especialmente as oscilações gama e a ativação de certas áreas cerebrais) seja a base fisiológica para os relatos vívidos e as imagens das Experiências de Quase Morte (como ver a luz ou parentes falecidos) é a linha de pesquisa mais promissora atualmente.

 

                O IMPULSO PELA ETERNIDADE:

                POR QUE DESEJAMOS A VIDA APÓS A MORTE?

            A recente exploração científica das Experiências de Quase Morte (EQMs) – que correlaciona visões de túneis de luz e encontros com entes queridos a uma explosão de atividade das ondas gama cerebrais nos momentos finais – nos oferece uma perspectiva fisiológica para esses fenômenos. No entanto, o fascínio por esses relatos não reside apenas na química cerebral, mas no impulso humano mais profundo: o desejo por uma vida após a morte. Se o cérebro, como a neurociência sugere, orquestra uma "revisão da vida" ou induz alucinações de paz e transcendência como um último ato de processamento de informação, a questão que se impõe é: por que a humanidade tem essa necessidade visceral de acreditar em algo além? O desejo por uma vida eterna, em sua essência, pode ser entendido como uma estratégia de sobrevivência psicológica, onde os três fatores atuam em conjunto:

            1. O medo da morte (aniquilação) e a inevitabilidade da consciência

            A principal força motriz é o medo da aniquilação, o terror instintivo do "não-ser". Como seres humanos, somos dotados de uma consciência avançada que nos permite compreender não apenas a nossa existência, mas também a sua finitude. Essa capacidade, que é a base da nossa inteligência, é também a fonte da nossa maior angústia: a certeza de que a vida terá um fim. A crença na imortalidade, ou em algum tipo de continuidade (seja em um paraíso ou reencarnação), serve como um mecanismo de defesa para mitigar essa ansiedade existencial.

            2. O medo do desconhecido (e a busca por significado)

            O medo do desconhecido não é apenas o que há "depois", mas a possibilidade de que "depois" não haja nada. A vida eterna preenche esse vazio com propósito e significado. A ideia de um plano maior, de que a nossa dor e a nossa trajetória individual têm um sentido duradouro, é um poderoso bálsamo contra o caos percebido da existência. A promessa da vida após a morte valida a importância da vida que levamos, garantindo que o amor, a luta e o sacrifício não serão em vão.

            3. A "máquina" do inconsciente: gerenciando a realidade

          Aqui reside o papel mais poderoso: a "máquina" inconsciente. Teorias da Psicologia, especialmente a Teoria da Gestão do Terror (TMT), sugerem que o inconsciente humano trabalha ativamente para mascarar ou gerenciar o terror da finitude. Se o cérebro tem a capacidade de gerar um estado de intensa paz, luz e encontro com a memória afetiva (como nas EQMs) no momento da morte, é plausível que o inconsciente utilize essa "programação" para construir e sustentar a crença na imortalidade.

§  A "certeza mascarada": o desejo de vida após a morte não é necessariamente uma "certeza da inexistência" mascarada, mas sim a manifestação da nossa necessidade de coerência. Para a "máquina" do inconsciente, é mais eficiente e "tranquilo" operar com a premissa de que a consciência não se extingue, garantindo assim que a vida seja vivida com menos paralisia e angústia.

            Enfim, as EQMs e o desejo de imortalidade podem ser vistos como duas faces da mesma moeda: o fenômeno neurobiológico é a forma como o cérebro moribundo se comporta sob estresse extremo, e a crença na vida eterna é a forma como o inconsciente humano gerencia a nossa inevitável morte. Ambos servem a um propósito fundamental: tornar a transição da vida para o fim (real ou percebido) um processo mais suportável.

           

            Então, ser cético, crente ou descrente diante do exposto?

            Essa é a pergunta crucial que resume o dilema existencial humano!

            A melhor forma de encarar o conjunto de fenômenos – tanto as explicações neurobiológicas para as EQMs (o aumento dos impulsos cerebrais) quanto o desejo psicológico de uma vida eterna – não é se fixar em um extremo (ceticismo total ou crendice cega), mas sim adotar uma postura de curiosidade ativa e humildade intelectual.

            Abaixo estão os três pensamentos possíveis (se pensados com clareza e tranquilidade podem ser enriquecedores):

            1. Ceticismo (a análise crítica)

            O ceticismo, no sentido científico, é essencial. Ele nos exige a busca por evidências e a rejeição de conclusões apressadas.

            Vantagem: permite reconhecer que fenômenos como a "luz branca" ou a "revisão da vida" podem ter explicações fisiológicas sólidas (hipóxia, liberação de neurotransmissores, explosão de ondas gama). O ceticismo nos ancora na realidade verificável.

            Armadilha: o ceticismo excessivo ou a "descrença" podem nos fechar para a profundidade da experiência humana. Descartar completamente os relatos de EQMs como meras alucinações fisiológicas ignora o impacto transformador e a consistência desses eventos em diversas culturas.

            2. Crendice (a busca por consolo)

            A crendice ou a aceitação de crenças sem questionamento (geralmente ligadas à fé ou espiritualidade), fornece conforto e significado.

            Vantagem: fornece um poderoso mecanismo psicológico para lidar com o medo da aniquilação, preenchendo o vazio existencial. Para muitas pessoas, a fé na imortalidade é o que torna a vida aqui e agora mais moral, significativa e menos ansiosa.

          Armadilha: a crendice cega impede o desenvolvimento intelectual e a exploração de alternativas. Ao aceitar uma resposta definitiva, a pessoa pode perder a riqueza da jornada de autoconhecimento e da investigação científica.

 

            A melhor abordagem: curiosidade ativa e dualidade

            A forma mais saudável e completa de encarar tudo isso é aceitar a dualidade e adotar uma posição que chamarei de Ceticismo Aberto ou Aceitação Cética:

           

ü          EIXO: Intelectual/Científico.

        O que acolher? Acolher as explicações científicas (ondas gama, hipóxia, etc.) como a origem fisiológica provável dos fenômenos da EQM.

        O que rejeitar/controlar? A arrogância de que a ciência já explicou tudo sobre a consciência e a morte.

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ü          EIXO: Existencial/Psicológico

         O que acolher? Acolher o desejo de imortalidade como um mecanismo de sobrevivência psicológico e cultural fundamental.

            O que rejeitar / controlar? A paralisia pelo medo do desconhecido ou a necessidade de uma resposta final e absoluta.

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ü      EIXO: Pessoal/Subjetivo.

        O que acolher? Reconhecer a validade da experiência subjetiva. Se alguém sentiu paz e teve a vida transformada após uma EQM, esse impacto é real, independentemente da causa ser neurobiológica ou transcendental.

         O que rejeitar / controlar? A imposição da sua crença (ou descrença) sobre a experiência do outro.

 

            CONSIDERAÇÃO FINAL

            A melhor forma de encarar a morte e a busca pela vida eterna é com humildade. Devemos ter a maturidade de aceitar que as visões da "luz branca" podem ser o nosso cérebro moribundo nos dando uma "despedida" cheia de significado e paz (como uma potente alucinação induzida por estresse), ao mesmo tempo em que reconhecemos que o mistério da consciência e o destino da alma (ou da identidade pessoal) permanecem fora do alcance total da ciência atual. Portanto, vale uma premissa máxima: na vida, nem tudo pode ser explicado (ainda). Em resumo, encare isso com curiosidade: investigue as explicações científicas, respeite o desejo humano de significado e conforto, e aceite que a fronteira entre a química cerebral e o mistério da existência ainda é nebulosa.

 

 

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