ENTRE O SILÊNCIO DO COSMOS E O GRITO DA
CONSCIÊNCIA
Por Heitor Jorge Lau
No princípio da história do
pensamento humano, acreditava-se que a Terra ocupava o centro do Universo. Essa
concepção refletia não apenas uma visão astronômica, mas também uma perspectiva
teológica e filosófica: o planeta e seus habitantes eram considerados a
obra-prima de uma divindade suprema, cuja benevolência justificava tal posição
privilegiada. A centralidade cósmica era, portanto, um reflexo da centralidade
espiritual e moral atribuída à humanidade, sustentando por séculos a ideia de
que tudo o que existia girava em torno do mundo humano. Contudo, com o avanço
das investigações científicas, especialmente durante a Idade Média e o
Renascimento, essa visão começou a ruir. Astrônomos como Copérnico, Kepler e
Galileu demonstraram que a Terra não ocupa o centro de nada, mas orbita em
torno do Sol, e este, por sua vez, é apenas uma estrela entre bilhões. Essa
descoberta abalou profundamente os alicerces do pensamento geocêntrico,
reduzindo a percepção de importância atribuída ao planeta e à espécie humana. A
constatação de que existem outros planetas além da Terra ampliou ainda mais a
noção de diversidade cósmica. Inicialmente, acreditava-se que o sistema solar
fosse único, mas logo se verificou que as estrelas visíveis no céu noturno são,
na realidade, outros sóis, cada qual possivelmente acompanhado de planetas.
A multiplicidade revelou-se imensa:
bilhões de estrelas apenas em uma galáxia, e bilhões de galáxias espalhadas
pelo cosmos. Os números envolvidos na descrição do universo são de tal
magnitude que desafiam a imaginação. Estima-se que existam cerca de 100 bilhões
de estrelas apenas na Via Láctea, e aproximadamente 100 bilhões de galáxias no
universo observável. Cada uma dessas galáxias contém, em média, centenas de
bilhões de estrelas, muitas delas acompanhadas de sistemas planetários. Essa
grandiosidade colossal torna evidente que a humanidade ocupa uma posição
infinitesimal. Comparar a espécie humana a um grão de areia seria, nesse
contexto, um exagero generoso. A realidade é ainda mais dura: a presença humana
não possui qualquer relevância em escala cósmica. Como disse Pascal, “o
silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora”. Paralelamente às
descobertas da astronomia, a biologia contribuiu para implodir o pequeno resto
de orgulho humano. Estudos de fisiologia e anatomia revelaram que o ser humano
não é dotado de essência mágica ou espiritual, mas constitui apenas uma máquina
biológica. O coração não abriga sentimentos, sendo apenas um músculo. As emoções,
consideradas sublimes, são reações físico-químicas no cérebro. A personalidade,
tão cultivada e valorizada, mostrou-se frágil: um pequeno dano neurológico pode
alterar radicalmente a identidade de um indivíduo. Os objetivos individuais,
por sua vez, revelaram-se efêmeros, tão transitórios quanto a própria vida. A
espécie humana, como qualquer outra, não passa de uma variedade de robôs
biológicos comandados por moléculas de DNA. Freud já havia observado que o ser
humano não é senhor em sua própria casa, pois forças inconscientes determinam
grande parte de seus pensamentos e ações.
Os sentidos humanos oferecem apenas
uma visão superficial da realidade. A percepção é restrita a uma fração ínfima
do espectro físico, enquanto todo o restante permanece negro e impenetrável.
Não é possível abrir as cortinas da realidade para observar o que está por
detrás das aparências. O conhecimento humano, nesse sentido, não passa de uma
sofisticada suposição, construída às cegas com as frágeis ferramentas do
intelecto. A busca por verdades absolutas revela-se ingênua, comparável ao
esforço desesperado de alcançar o horizonte. O desejo por certezas não nasce da
busca pelo conhecimento, mas da necessidade de paz interior. Nietzsche resumiu
essa condição ao afirmar que “não existem fatos, apenas interpretações”. Por
bilhões de anos, a matéria que compõe os seres humanos foi apenas poeira
cósmica. Há cerca de 3,5 bilhões de anos, essa poeira adquiriu a capacidade de
se organizar em formas vivas. Com o tempo, desenvolveu consciência de si mesma:
o pó tornou-se homem. Esse homem, ao perceber sua própria existência,
deparou-se com um mundo insólito, sem razão de ser. A perplexidade diante do
absurdo da própria condição tornou-se inevitável. Como passageiro de um trem
que conduz inexoravelmente ao nada, o ser humano pergunta: por que aqui, por
que agora? O universo, contudo, permanece silencioso.
Do ponto de vista biológico, o ser
humano pode ser descrito como uma máquina de sobrevivência, modelo Homo
sapiens. A consciência dessa condição gera perplexidade e angústia. A análise
detida da realidade provoca aflição, pois quanto mais se aprofunda a reflexão,
mais cresce a sensação de vazio. A esperança, por vezes, tenta reinterpretar os
dados da realidade, mas todas as manhãs a constatação é a mesma: tudo isso é
real, inescapavelmente real. Camus afirmou que “o absurdo nasce desse confronto
entre o chamado humano e o silêncio irracional do mundo”. Nesse cenário, as
ilusões desempenham papel fundamental. São elas que alimentam as motivações
humanas, conferindo força vital a objetivos que, em si mesmos, são
racionalmente injustificáveis. Quando a razão dissolve essas ilusões, ocorre um
abatimento temporário, mas na maioria dos casos elas permanecem inabaláveis,
pois são necessárias à subsistência. Mentiras metamorfoseiam-se em verdades
quando delas depende a sobrevivência. Jung, ao refletir sobre o inconsciente
coletivo, mostrou que símbolos e mitos cumprem a função de sustentar a psique
diante do vazio, oferecendo narrativas que, embora não sejam verdades
objetivas, estruturam a experiência subjetiva.
A razão, por sua vez, não dita o que
deve ser feito, mas apenas como fazê-lo. As opiniões e crenças humanas não são
racionais em sua origem, elas constituem racionalizações das necessidades. A
filosofia de vida, na prática, é uma tentativa de justificar ações com uma
máscara de racionalidade. Por trás dos raciocínios, escondem-se preconceitos e
paixões inconscientes. A subsistência fundamenta-se no autoengano. Se a
significância fosse proporcional às crenças necessárias para motivar a vida,
todos seriam deuses. As religiões exemplificam esse fenômeno: ilusões de
significância alimentadas por necessidades de autopreservação. As crenças
místicas, religiosas e transcendentais cumprem a função de satisfazer
necessidades afetivas. Deus, bem-aventurança, transcendência, nirvana, paz
espiritual - todos esses conceitos são verdadeiros apenas como estados de
espírito, comparáveis a poemas de amor. Tais crenças proporcionam bem-estar e
segurança, reduzem a ansiedade e oferecem respostas definitivas sobre o mundo,
a moral e a vida. Contudo, a felicidade proporcionada por uma crença não
assegura sua veracidade. Lacan, ao refletir sobre o desejo humano, mostrou que
ele é sempre desejo de algo que falta, e que as crenças funcionam como
tentativas de preencher esse vazio estrutural. O esclarecimento conduz à
consciência da insignificância humana. A espécie foi reduzida da coroa da
criação a um ponto microscópico, sem utilidade ou relevância. Ainda é possível
atribuir algum sentido à vida, mas o senso de importância foi irreparavelmente
abalado pelos golpes da ciência. A frustração decorre do choque entre
expectativas antropocêntricas e a realidade objetiva. A humanidade lançou
esperanças ao desconhecido e colheu desapontamento. A condição atual é de
solidão diante de um universo indiferente.
A reflexão sobre valores e
moralidade insere-se nesse mesmo contexto. Grande parte da estrutura de
significados que sustenta a vida humana é criada pela própria espécie. Tudo o
que possui valor, o possui apenas porque foi reconhecido como tal. Se não se
atribuísse valor aos diamantes, eles seriam apenas pequenas pedras brilhantes
difíceis de encontrar. Os valores, portanto, não existem em si mesmos, são
construções humanas, reflexos da natureza e das necessidades da espécie. Sartre
afirmou que “o homem está condenado a ser livre”, e essa liberdade implica a
responsabilidade de criar seus próprios valores. Negar a existência de qualquer
espécie de verdade, valor ou dever impessoal é reconhecer que toda abstração
que se coloca acima do ser humano torna-se arbitrária. Quando a verdade é
transformada em lei suspensa, julgando em função de si mesma sem considerar as
circunstâncias específicas, ela se converte em tirania. A ideia de Deus, nesse
sentido, é exemplo de como uma abstração pode adquirir vida própria e transformar-se
em um monstro dogmático, autoritário e intolerante, ameaçando a liberdade
humana.
A contemplação sobre a condição
humana, portanto, conduz a uma conclusão inevitável: não há verdades
universais, não há valores impessoais, não há deveres absolutos. Há apenas a
liberdade de criar significados, a responsabilidade de sustentar a vida com
valores autênticos e a consciência da finitude que acompanha cada instante.
Essa consciência, embora dolorosa, é também libertadora, pois ao reconhecer a
ausência de sentido intrínseco, o ser humano conquista a possibilidade de criar
seu próprio sentido. Ao aceitar a insignificância cósmica, descobre a grandeza
de sua liberdade. Ao compreender a fragilidade biológica, aprende a valorizar o
instante efêmero da existência. Mas é justamente nesse reconhecimento que se
encontra a dignidade da vida: não na ilusão de recompensas eternas, nem na
submissão a verdades fossilizadas, mas na coragem de assumir o vazio e
transformá-lo em criação. O homem não é centro do universo, não é coroado por
deuses, não é destinado a glórias além da morte. É apenas pó consciente, mas é
pó que pensa, que cria, que inventa valores e que, por isso, pode transformar o
nada em obra. Como lembrava Camus, “é preciso imaginar Sísifo feliz”: não
porque sua tarefa tenha sentido, mas porque é na própria consciência do absurdo
que reside a possibilidade de liberdade. Assim, o fim não é um consolo, mas uma
afirmação: viver é criar, e criar é resistir ao vazio. O universo permanecerá
indiferente, mas a consciência humana pode, ainda assim, erguer significados. E
é nesse gesto - frágil, efêmero, mas profundamente humano - que se encontra a
única grandeza possível. Jung lembrava que “quem olha para fora sonha, quem
olha para dentro desperta”, e é nesse despertar que reside a possibilidade de
transformar o vazio em criação.

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