O IMPULSO PSICOLÓGICO DE COMPRAR
Por Heitor Jorge Lau
A sociedade contemporânea é marcada por um ritmo acelerado de consumo, em que a aquisição de bens materiais muitas vezes transcende a necessidade prática e se transforma em um símbolo de status, poder e pertencimento. Nesse contexto, emerge um fenômeno que vai além do simples ato de comprar: a Oniomania, também conhecida como Transtorno de Compras Compulsivas. Trata-se de uma condição psicológica caracterizada pela incapacidade de controlar o impulso de adquirir produtos, mesmo quando não há qualquer necessidade funcional ou utilitária. O que move o indivíduo não é a função do objeto, mas sim o valor simbólico que ele carrega, a sensação de reconhecimento social e a ilusão de que, ao possuir determinados bens, alcançará um patamar superior de prestígio e aceitação.
A Oniomania não deve ser confundida com o consumo ocasional motivado por desejo ou prazer. Todos nós, em algum momento, compramos algo que não era estritamente necessário, seja por estética, por moda ou simplesmente por vontade. O que diferencia o transtorno é a repetição compulsiva desse comportamento, a perda de controle sobre os gastos e a incapacidade de resistir ao impulso, mesmo diante de consequências negativas como endividamento, conflitos familiares e sofrimento emocional. O ato de comprar, nesse caso, funciona como uma válvula de escape para tensões internas, ansiedades e frustrações. O indivíduo encontra no consumo uma forma de alívio temporário, mas logo após a compra surge o arrependimento, a culpa e a necessidade de repetir o ciclo para recuperar a sensação de prazer.
Esse distúrbio está intimamente ligado ao contexto cultural em que vivemos. O capitalismo moderno, aliado às estratégias de marketing e às redes sociais, construiu uma lógica em que o valor de uma pessoa muitas vezes é medido pelo que ela possui. O carro que dirige, a roupa que veste, o celular que usa, tudo se torna um marcador de identidade e status. A publicidade não vende apenas produtos, mas estilos de vida, narrativas de sucesso e pertencimento. Assim, indivíduos mais vulneráveis emocionalmente podem ser capturados por essa lógica e desenvolver um padrão compulsivo de consumo, acreditando que a aquisição constante de bens é a chave para preencher lacunas internas ou conquistar reconhecimento externo.
Do ponto de vista psicológico, a Oniomania pode estar associada a outras condições, como ansiedade, depressão e transtornos de personalidade. Muitas vezes, o ato de comprar é utilizado como uma forma de automedicação emocional. A pessoa sente um vazio, uma angústia ou uma tristeza, e ao adquirir algo novo experimenta uma descarga de dopamina que gera prazer imediato. Esse prazer, no entanto, é efêmero, e logo dá lugar ao arrependimento e à necessidade de repetir o comportamento. É um ciclo semelhante ao que ocorre em outros vícios, como o jogo compulsivo ou o uso de substâncias. O objeto comprado, em si, perde rapidamente o valor, pois não foi adquirido por sua função, mas pelo ato simbólico da compra. Por isso, muitas vezes os compulsivos acumulam itens sem uso, roupas ainda com etiquetas, objetos repetidos ou supérfluos, que acabam esquecidos em armários e gavetas.
As consequências da Oniomania são profundas e multifacetadas. No campo financeiro, o endividamento é uma das principais consequências. Pessoas com esse transtorno frequentemente gastam além de suas possibilidades, acumulam dívidas em cartões de crédito, recorrem a empréstimos e podem chegar a situações de falência pessoal. No campo emocional, há um impacto significativo na autoestima, já que o indivíduo se vê preso em um ciclo de prazer e culpa, incapaz de controlar seus impulsos. No campo social e familiar, os conflitos são comuns, pois os gastos excessivos afetam a vida doméstica, geram discussões e podem comprometer projetos coletivos, como a compra de uma casa ou a educação dos filhos. Além disso, há um estigma associado ao comportamento, já que muitas pessoas interpretam a compulsão como falta de responsabilidade ou frivolidade, sem compreender que se trata de um transtorno psicológico.
O tratamento da Oniomania exige uma abordagem multidisciplinar. A terapia cognitivo-comportamental é uma das mais utilizadas, pois ajuda o paciente a identificar os gatilhos que levam ao comportamento compulsivo e a desenvolver estratégias para resistir ao impulso. O trabalho terapêutico busca modificar padrões de pensamento, questionar crenças ligadas ao consumo e fortalecer a capacidade de autocontrole. Em alguns casos, pode ser necessário o uso de medicamentos, especialmente quando o transtorno está associado a quadros de ansiedade ou depressão. O apoio familiar também é fundamental, já que o ambiente doméstico pode funcionar como um espaço de suporte e de monitoramento dos comportamentos. Além disso, a educação financeira desempenha um papel importante, ajudando o indivíduo a reorganizar suas finanças, estabelecer limites de gastos e recuperar o equilíbrio econômico.
É importante destacar que a Oniomania não é apenas um problema individual, mas também um reflexo de uma sociedade que valoriza excessivamente o consumo como forma de identidade e status. Vivemos em um mundo em que a lógica do “ter” muitas vezes se sobrepõe ao “ser”. As redes sociais amplificam essa dinâmica, já que nelas as pessoas expõem constantemente seus bens, viagens, roupas e experiências, criando uma pressão para que os outros também consumam e mostrem que estão “no mesmo nível”. Essa comparação constante pode ser devastadora para quem já possui fragilidades emocionais, levando ao desenvolvimento ou agravamento do transtorno. Nesse sentido, combater a Oniomania também exige uma reflexão coletiva sobre os valores que orientam nossa sociedade e sobre a necessidade de construir formas de reconhecimento que não estejam baseadas apenas no consumo.
A história da Oniomania mostra que o fenômeno não é novo, embora tenha se intensificado nas últimas décadas. Desde o início do século XX já havia relatos de pessoas que apresentavam comportamentos compulsivos de compra, mas foi apenas no final do século que o transtorno começou a ser estudado de forma mais sistemática pela psiquiatria e pela psicologia. Hoje, estima-se que entre 3% e 5% da população mundial possa apresentar sintomas relacionados ao transtorno, com maior prevalência entre mulheres, embora homens também sejam afetados (média entre 3% e 5% = aproximadamente 330 milhões de pessoas). Essa diferença pode estar relacionada a fatores culturais, já que historicamente o consumo de roupas, acessórios e objetos de moda foi mais associado ao universo feminino, mas é importante reconhecer que o problema atravessa gêneros e classes sociais.
O impacto da Oniomania também pode ser observado no campo econômico. O consumo compulsivo alimenta determinados setores do mercado, especialmente aqueles ligados à moda, tecnologia e bens de luxo. As empresas, conscientes desse comportamento, muitas vezes exploram estratégias de marketing que estimulam a compra impulsiva, como promoções relâmpago, lançamentos constantes de novos modelos e campanhas que associam produtos a status e prestígio. Isso cria um ambiente ainda mais desafiador para quem sofre do transtorno, já que está constantemente exposto a estímulos que reforçam seu comportamento compulsivo. Nesse sentido, há um debate ético sobre o papel das empresas e da publicidade na manutenção de padrões de consumo que podem ser prejudiciais à saúde mental.
Apesar das dificuldades, é possível superar a Oniomania. Muitos pacientes que buscam tratamento conseguem recuperar o controle sobre seus impulsos e reconstruir uma relação mais saudável com o consumo. O processo, no entanto, exige tempo, dedicação e apoio. É necessário compreender que o transtorno não desaparece da noite para o dia, mas pode ser controlado com estratégias adequadas. O caminho envolve não apenas resistir ao impulso de comprar, mas também encontrar novas formas de lidar com emoções negativas, desenvolver hobbies, fortalecer vínculos sociais e construir uma identidade que não esteja baseada apenas na posse de bens materiais. A superação da Oniomania é, portanto, também um processo de autoconhecimento e de reconstrução de valores pessoais.
Portanto, a Oniomania nos convida a refletir sobre a relação que estabelecemos com o consumo e sobre os valores que orientam nossas escolhas. Vivemos em uma sociedade que constantemente nos incentiva a comprar mais, a desejar mais, a acumular mais... Mas até que ponto esse consumo nos traz felicidade genuína? Até que ponto ele preenche nossas lacunas emocionais ou nos aproxima de uma vida significativa? O transtorno de compras compulsivas mostra que, quando o consumo se torna um fim em si mesmo, ele pode se transformar em uma prisão, em um ciclo de prazer e sofrimento que corrói a saúde mental, as finanças e os relacionamentos. Reconhecer a Oniomania como um distúrbio emocional é um passo importante para oferecer suporte a quem sofre com ela, mas também é um convite para todos nós repensarmos nossa relação com o consumo e buscarmos formas de viver que valorizem mais o ser do que o ter.

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