CONVERSAS QUE NUNCA EXISTIRAM
Por Heitor
Jorge Lau
Eu, você, nós... vivemos cercados
por palavras que nunca foram ditas, por diálogos que permaneceram suspensos no
ar, por encontros que se dissolveram antes mesmo de acontecer. As conversas que
nunca existiram são como fantasmas que nos acompanham silenciosamente, lembrando-nos
de que a vida não é apenas feita do que se concretiza, mas também do que se
perde no caminho. São murmúrios invisíveis que moldam nossa subjetividade tanto
quanto os discursos que realmente foram pronunciados. O Pai da Psicanálise, Sigmund
Freud, ao explorar os recônditos da mente, mostrou que aquilo que não é dito,
aquilo que é reprimido, continua a viver em nós. O inconsciente é, em grande
medida, um arquivo de conversas que nunca existiram, palavras que não
encontraram espaço na consciência, mas que insistem em se manifestar em sonhos,
lapsos, sintomas... Quando deixamos de falar, não deixamos de existir, apenas
deslocamos nossa fala para outra dimensão. Jacques Lacan, Psicanalista francês,
por sua vez, lembrava que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”.
Isso significa que mesmo as conversas que nunca existiram estão inscritas em
nós como linguagem latente, como discurso que nos atravessa sem que o
percebamos.
Nietzsche - filósofo, filólogo,
crítico cultural, poeta e compositor alemão - em sua crítica à verdade e à
moral, poderia dizer que essas conversas inexistentes são também expressões da
vontade de potência (a vontade de potência ou de poder, descrita por Nietzsche
é a principal força motriz em seres humanos - realização, ambição e esforço
para alcançar a posição mais alta possível na vida. Estas são manifestações da
vontade de poder; no entanto, o conceito nunca foi sistematicamente definido no
trabalho de Nietzsche, deixando a sua interpretação aberta ao debate). São
possibilidades que não se realizaram, mas que revelam o campo infinito de
forças que nos constituem. Cada silêncio é uma escolha, cada palavra não dita é
uma afirmação de poder ou de fraqueza. O que não falamos é tão revelador quanto
o que falamos. Conversas que nunca existiram entre amigos que se afastaram,
entre amigos que se perderam, entre pais e filhos que não encontraram o
momento certo... Elas se acumulam como cartas nunca enviadas, como mensagens
apagadas antes de serem lidas... São o testemunho de que a comunicação humana é
sempre incompleta, sempre marcada pela ausência. Martin Heidegger, filósofo,
escritor e professor, dizia que o ser humano é um ser lançado no mundo e
condenado à incompletude. As conversas que nunca existiram são parte dessa
incompletude: lembram-nos de que nunca expressamos tudo, nunca alcançamos
plenamente o outro.
Mas há também uma beleza nesse
vazio. Walter Benjamin, ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e
sociólogo, ao falar sobre a aura das obras de arte, poderia nos inspirar a
pensar que há uma aura nas conversas que nunca existiram. Elas carregam uma
potência única, justamente porque não se realizaram. São como obras inacabadas
que nos convidam a imaginar, a preencher os espaços com nossa própria
subjetividade. O não dito abre espaço para a criação. Na psicanálise, Donald
Winnicott, pediatra e
psicanalista inglês influente no campo das teorias das relações objetais e do
desenvolvimento psicológico, falava da importância do espaço potencial, aquele
lugar entre o real e o imaginário onde o brincar acontece. As conversas que
nunca existiram habitam esse espaço potencial. Elas não são totalmente reais,
mas também não são totalmente imaginárias. São experiências intermediárias que
nos permitem elaborar, fantasiar e criar. Quando pensamos em algo que
gostaríamos de ter dito, estamos brincando com a linguagem, estamos criando
mundos possíveis. Conversas que nunca existiram entre filósofos e artistas,
entre mortos e vivos, entre passado e futuro... Imaginar Sócrates dialogando
com Freud, ou Hannah Arendt conversando com Clarice Lispector, todos grandes
nomes do pensamento e da cultura ocidental – intelectuais que marcaram
profundamente como pensamos o ser humano, a ética e a vida social, é dar vida a
encontros impossíveis que, no entanto, iluminam nossa compreensão do mundo.
Essas conversas inexistentes são exercícios de pensamento, são laboratórios de
ideias... O filósofo francês, Gilles Deleuze, dizia que a filosofia é a criação
de conceitos. Talvez as conversas que nunca existiram sejam justamente isso:
criações conceituais que emergem do vazio.
Há também um aspecto ético. Emmanuel
Levinas, outro filósofo francês, insistia na ideia de que o rosto do outro nos
convoca e nos exige uma resposta. Mas quantas vezes não respondemos? Quantas
vezes deixamos o outro sem palavras... sem retorno? As conversas que nunca
existiram são também falhas éticas, momentos em que não estivemos à altura da
responsabilidade que o outro nos impõe (ou nos autoimpomos). O silêncio pode
ser uma forma de violência. Por outro lado, o silêncio pode ser também uma
forma de cuidado. Muitas conversas não existiram porque não deveriam existir,
porque a palavra poderia ferir mais do que curar. O filósofo, historiador das
ideias, teórico social, filólogo, crítico literário e professor da cátedra
História dos Sistemas do Pensamento, Michel Foucault, lembrava que o discurso é
sempre atravessado por relações de poder. Escolher não falar pode ser um gesto
de resistência, uma recusa a entrar em jogos de poder. As conversas que nunca
existiram podem ser também atos de liberdade. Na literatura, encontramos
inúmeros exemplos de conversas inexistentes que se tornam centrais. Os
personagens de “A Metamorfose”, “O Processo” e “O Castelo”, do escritor Kafka, estão
repletos de temas e arquétipos de alienação e brutalidade física e psicológica,
conflito entre pais e filhos, “atores” com missões aterrorizantes, labirintos
burocráticos e transformações místicas. Muitas vezes não conseguem se
comunicar, e é justamente essa impossibilidade que revela a condição humana. Em
Proust, romancista e ensaísta francês, as lembranças são atravessadas por
diálogos que nunca aconteceram, mas que poderiam ter mudado o curso da vida. A
arte, nesse sentido, é um espaço privilegiado para dar voz às conversas que
nunca existiram.
Conversas que nunca existiram entre
nós e nós mesmos. Quantas vezes não deixamos de nos dizer algo? Quantas vezes
não evitamos confrontar nossos próprios pensamentos? A psicanálise nos mostra
que o sujeito é dividido, que há sempre uma parte de nós que não fala com a
outra. As conversas internas que nunca existiram são talvez as mais dolorosas,
porque nos afastam de nós mesmos. Mas é nesse espaço que surge a possibilidade
de transformação. Carl Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço que criou a psicologia
analítica falava da importância de integrar a sombra, de dialogar com aquilo
que rejeitamos em nós. As conversas que nunca existiram com nossa sombra são
convites à individuação, ao processo de nos tornarmos inteiros. O que
não foi dito pode ser dito, o que não foi enfrentado pode ser enfrentado. Conversas
que nunca existiram também nos lembram da finitude. Quantas pessoas partiram
sem que tivéssemos a chance de dizer o que queríamos? Essas ausências nos
ensinam que o tempo é limitado, que cada palavra pode ser a última. O filósofo,
teólogo, poeta e crítico social dinamarquês Kierkegaard, falava da angústia
como a experiência da possibilidade. As conversas que nunca existiram são
angústia pura: lembram-nos das possibilidades perdidas, das escolhas não
feitas. E, no entanto, há uma esperança. As conversas que nunca existiram podem
existir agora, podem ser recriadas na escrita, na imaginação, na arte... Quando
escrevemos este manifesto, estamos dando voz a diálogos que nunca aconteceram.
Estamos transformando ausência em presença, silêncio em palavra. Conversas que
nunca existiram são também sementes de futuro. Elas nos mostram o que ainda
pode ser dito, o que ainda pode ser construído. O filósofo e educador Paulo
Freire falava da importância do diálogo como prática de liberdade. Talvez seja
hora de transformar as conversas que nunca existiram em conversas que existem,
de abrir espaço para o encontro verdadeiro. Mas não devemos esquecer que o não
dito tem seu lugar. Derrida, na sua filosofia, nos lembrava da importância da différance,
daquilo que escapa, que se adia. O conceito différance foi criado por
Jacques Derrida para mostrar que nada tem um significado fixo por si só. Todo
sentido só existe em relação a outros sentidos e está sempre em movimento,
nunca totalmente concluído. As conversas que nunca existiram são parte dessa
lógica: elas adiam o sentido, elas nos lembram que nunca há plenitude na
linguagem. O vazio é constitutivo.
Portanto, este manifesto não é
apenas uma lamentação pelas conversas que nunca existiram. É também uma
celebração. Celebramos o poder do silêncio, a força da ausência, a beleza do
inacabado. Celebramos a capacidade humana de imaginar, de criar mundos
possíveis a partir do que não foi. Conversas que nunca existiram são como
estrelas apagadas cujo brilho ainda nos alcança. São como músicas nunca
compostas que, no entanto, ressoam em nossa mente. São como abraços não dados
que, paradoxalmente, nos aquecem. E talvez, no fim, sejam elas que nos definem.
Somos feitos não apenas das palavras que dissemos, mas também das que calamos.
Somos feitos não apenas dos encontros que tivemos, mas também dos que perdemos.
Somos feitos não apenas das conversas que existiram, mas sobretudo das
conversas que nunca existiram.

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