sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O PODER QUE OS BOATOS EXERCEM SOBRE A MENTE HUMANA

BOATOS? MENTIRAS? DESVIOS DA VERDADE?

Por Heitor Jorge Lau

            Os boatos sempre exerceram um fascínio peculiar sobre as sociedades humanas. Eles surgem em momentos de incerteza, florescem em ambientes de ambiguidade e se espalham com uma velocidade que desafia qualquer tentativa de controle. Nicholas DiFonzo, em seu livro “O Poder dos Boatos - como os rumores se espalham, ditam comportamentos, podem ser administrados e por que acreditamos neles” (livro que inspirou este texto), mergulha nesse universo para mostrar que os rumores não são apenas fofocas banais, mas sim fenômenos sociais complexos que revelam muito sobre nossas necessidades psicológicas, nossos vínculos coletivos e os mecanismos de comunicação que sustentam a vida em grupo. O poder dos boatos reside justamente em sua capacidade de preencher lacunas de informação, de oferecer explicações quando a realidade parece obscura e de moldar comportamentos individuais e coletivos, mesmo quando carecem de fundamento objetivo.

            É possível partir da premissa de que os boatos não devem ser vistos como meros desvios da verdade, mas como respostas naturais a situações em que a informação oficial é insuficiente ou inacessível. Quando as pessoas enfrentam crises, mudanças repentinas ou ameaças percebidas, tendem a buscar sentido e segurança. É nesse espaço de dúvida que os rumores encontram terreno fértil. Eles funcionam como narrativas compartilhadas que ajudam a reduzir a ansiedade, ainda que muitas vezes ampliem a confusão. Os boatos são, em essência, tentativas coletivas de dar sentido ao desconhecido. Não é por acaso que proliferam em ambientes corporativos diante de fusões e demissões, em comunidades durante epidemias ou em sociedades inteiras quando há instabilidade política. O rumor é, portanto, uma forma de comunicação social que revela tanto nossas fragilidades quanto nossa criatividade.

            Um aspecto instigante é a forma como os boatos se espalham. Diferente da informação oficial, que segue canais estruturados e hierárquicos, os rumores percorrem redes informais, aproveitando-se da confiança entre indivíduos. Eles se propagam de boca em boca, em conversas privadas, em mensagens instantâneas e, hoje, nas redes sociais digitais. Essa circulação informal confere ao boato uma aura de autenticidade, pois ele parece vir de pessoas próximas, de fontes “internas” ou de testemunhas oculares. O receptor tende a acreditar mais facilmente em algo que lhe é transmitido por alguém de confiança do que em uma declaração impessoal de uma instituição. Essa dinâmica explica por que os boatos conseguem atravessar fronteiras e se multiplicar em velocidade exponencial. O rumor não precisa de provas concretas para se sustentar, basta que seja plausível o suficiente para preencher uma lacuna de sentido.

            Os boatos não são apenas passivos, mas ativos na formação de comportamentos. Eles podem induzir decisões, alterar percepções e até modificar o curso de eventos. Quando uma comunidade acredita que um determinado alimento está contaminado, mesmo sem evidências, o consumo cai drasticamente. Quando circula o rumor de que uma empresa está prestes a falir, investidores podem retirar seus recursos, acelerando justamente a crise que se temia. Esse efeito performativo dos boatos mostra que eles não são apenas reflexos da realidade, mas forças que moldam a própria realidade. Os rumores podem ser autossustentáveis: ao gerar comportamentos, eles criam condições que reforçam sua veracidade aparente. É um ciclo em que a crença coletiva transforma o rumor em fato social.

            Outro ponto crucial é a questão da credibilidade. Por que acreditamos em boatos, mesmo quando sabemos que podem ser falsos? A credibilidade de um rumor não depende apenas de sua veracidade, mas de sua capacidade de ressoar com nossas expectativas, medos e desejos. Um boato que confirma nossas suspeitas ou que se encaixa em nossas crenças prévias tem mais chances de ser aceito. Além disso, a repetição desempenha um papel fundamental: quanto mais vezes ouvimos um rumor, maior a tendência de considerá-lo verdadeiro. Esse fenômeno, conhecido como “efeito da verdade ilusória”, mostra que nossa mente é suscetível à familiaridade. O rumor, ao se repetir, ganha força psicológica, independentemente de sua base factual. É por isso que campanhas de desinformação conseguem ser tão eficazes: elas exploram a repetição e a plausibilidade para criar narrativas convincentes.

            Importante ressaltar que os boatos podem ser administrados. Ignorar rumores pode ser perigoso, pois eles não desaparecem por si só. Ao contrário, tendem a crescer na ausência de informações oficiais. Por isso, uma das estratégias mais eficazes é oferecer transparência e comunicação clara. Quando instituições se mantêm em silêncio, deixam espaço para que rumores preencham o vazio. Enfrentar os boatos exige reconhecer sua existência, compreender suas motivações e oferecer respostas que satisfaçam a necessidade de sentido das pessoas. Isso não significa apenas desmentir, mas também construir narrativas alternativas que sejam mais convincentes e que ofereçam segurança. Administrar boatos é administrar a confiança.

            O poder dos boatos também se manifesta em sua dimensão cultural. Diferentes sociedades têm diferentes tolerâncias e formas de lidar com rumores. Em algumas culturas, eles são vistos como parte natural da vida comunitária, uma forma de manter a coesão social. Em outras, são tratados como ameaças à ordem e à autoridade. Os boatos podem reforçar identidades coletivas, criando fronteiras entre “nós” e “eles”. Rumores sobre grupos externos, por exemplo, podem fortalecer a solidariedade interna, ainda que à custa da exclusão ou da estigmatização. Nesse sentido, os boatos não são apenas comunicações informais, mas instrumentos de poder que podem ser usados para manipular percepções e consolidar hierarquias sociais.

            E o papel das emoções na propagação dos boatos? Rumores carregados de medo, esperança ou indignação têm maior potencial de se espalhar do que aqueles neutros. A emoção funciona como combustível que impulsiona a circulação da narrativa. Quando um boato desperta ansiedade, as pessoas sentem necessidade de compartilhá-lo, como forma de alerta ou de busca por apoio. Da mesma forma, rumores que oferecem esperança em tempos de crise podem se espalhar rapidamente, pois atendem a uma necessidade psicológica de alívio. Essa dimensão emocional explica por que os boatos são tão resistentes à refutação racional. Mesmo diante de provas contrárias, a força emocional pode manter viva a crença coletiva.

            Em tempos de redes sociais digitais, rumores podem alcançar milhões de pessoas em questão de minutos, atravessando fronteiras geográficas e culturais. A lógica algorítmica das redes sociais, que privilegia conteúdos engajadores, favorece justamente os boatos mais emocionais e polêmicos. Isso cria um ambiente em que a desinformação se torna não apenas possível, mas lucrativa. O poder dos boatos, nesse cenário, não é apenas social, mas também econômico e político. Eles podem influenciar eleições, mercados e até decisões de saúde pública. A pandemia de COVID-19 mostrou de forma dramática como rumores sobre curas milagrosas ou teorias conspiratórias podem impactar comportamentos coletivos, com consequências reais para a vida das pessoas.

            Apesar de seu potencial destrutivo os boatos podem ter funções positivas. Eles podem servir como mecanismos de alerta, chamando atenção para problemas que ainda não foram oficialmente reconhecidos. Podem fortalecer vínculos sociais, ao criar espaços de compartilhamento e solidariedade. Podem até estimular a criatividade, ao gerar narrativas que desafiam versões oficiais e incentivam o pensamento crítico. O poder dos boatos, portanto, não é unidimensional. Ele pode ser perigoso, mas também pode ser útil, dependendo de como é administrado e interpretado. Essa ambivalência é parte do que torna o fenômeno tão instigante.

            É preciso ter consciência da responsabilidade na propagação dos boatos. Cada vez que compartilhamos uma informação sem verificar sua veracidade, contribuímos para a construção de uma realidade coletiva que pode ser distorcida. O poder dos boatos não está apenas nas narrativas em si, mas na participação ativa das pessoas que os transmitem. Somos agentes desse processo, e nossa escolha de acreditar ou não, de compartilhar ou não, define o impacto que os rumores terão. Essa perspectiva nos lembra que combater os boatos não é apenas tarefa das instituições, mas também de cada indivíduo. A consciência crítica é uma ferramenta essencial para lidar com esse fenômeno. Em síntese, os boatos são muito mais do que simples fofocas. Eles são expressões da necessidade humana de sentido, instrumentos de comunicação social, forças que moldam comportamentos e narrativas que podem ser administradas. O poder dos boatos reside em sua capacidade de preencher lacunas, de mobilizar emoções e de criar realidades coletivas. Entender esse poder é fundamental para lidar com os desafios da comunicação contemporânea, em que a informação circula em velocidade inédita e em que a fronteira entre verdade e mentira se torna cada vez mais tênue. 

            O desfecho que este texto propõe é, ao mesmo tempo, um alerta e uma oportunidade. O alerta é que os boatos, quando ignorados ou mal administrados, podem corroer a confiança, gerar pânico e até provocar crises reais. A oportunidade é que, ao compreender sua lógica, podemos aprender a lidar melhor com eles, fortalecendo a comunicação transparente e cultivando ambientes de confiança. Os rumores nos lembram que somos seres sociais em busca de sentido, e que nossa necessidade de interpretar o mundo nunca será totalmente suprida por dados objetivos. Sempre haverá espaço para narrativas informais, para hipóteses compartilhadas, para histórias que circulam entre nós. Cabe a cada indivíduo e a cada instituição decidir como ocupar esse espaço: se com silêncio, que alimenta a incerteza, ou com diálogo, que constrói confiança. O poder dos boatos não está apenas em sua propagação, mas em nossa disposição de acreditar e compartilhar. Reconhecer isso é o primeiro passo para transformar um fenômeno que, por séculos, foi visto apenas como ameaça em uma oportunidade de compreender melhor a mente humana e os laços sociais que nos unem. Enfim, fica aqui, um convite a olhar para os rumores não como inimigos a serem eliminados, mas como sinais a serem interpretados. Eles revelam medos, desejos e expectativas coletivas. Eles mostram onde falta informação, onde há insegurança, onde a confiança precisa ser reconstruída. Ao invés de apenas combatê-los, podemos aprender com eles. E talvez esse seja o maior poder dos boatos: não apenas o de moldar comportamentos, mas o de nos ensinar sobre nós mesmos, sobre nossas vulnerabilidades e sobre nossa incessante busca por sentido em um mundo que nunca deixa de ser incerto. 


 

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