ENANTIODROMIA
Por Heitor Jorge Lau
O termo Enantiodromia foi introduzido na tradição ocidental pelo filósofo grego Heráclito de Éfeso para designar o movimento pelo qual tudo se transforma no seu contrário. Em suas palavras, “o caminho que sobe e o que desce é um e o mesmo”. A ideia remete à percepção de que a realidade - seja natural, psíquica ou social - não se organiza em estruturas fixas, mas em tensões dinâmicas entre opostos que se interpenetram. No campo da psicologia analítica, Carl Gustav Jung retomou e reformulou o conceito, conferindo-lhe um papel central na compreensão do processo de autorregulação da psique. Para Jung, a Enantiodromia expressa uma lei universal de compensação: toda tendência unidirecional da consciência gera, em contrapartida, um movimento inconsciente na direção oposta. Quando uma atitude psíquica se torna exageradamente dominante - seja racional, moral, afetiva ou ideológica - forças complementares emergem do inconsciente para restabelecer o equilíbrio. Essa dinâmica, segundo ele, constitui um princípio fundamental da individuação, o processo pelo qual o sujeito se torna uma totalidade, integrando os contrários que o habitam.
A Enantiodromia, portanto, não se limita a um fenômeno psicológico isolado, mas reflete uma estrutura arquetípica que perpassa as esferas da cultura, da história e da natureza. A própria alternância de períodos de racionalismo e misticismo, de ordem e caos, de expansão e retraimento nas civilizações pode ser interpretada como manifestação coletiva desse princípio. Jung observou que movimentos culturais que negam aspectos essenciais da experiência humana - como a irracionalidade, a emoção ou a espiritualidade - acabam por engendrar, no tempo, seu reverso: o retorno vigoroso daquilo que foi reprimido. A psicologia, nesse sentido, se torna também uma hermenêutica da cultura.
No âmbito da antropologia, o conceito pode ser lido como um modo simbólico de compreender a lógica das inversões rituais e míticas que estruturam o imaginário social. Claude Lévi-Strauss, ao analisar os mitos ameríndios, mostrou que a mente humana organiza o mundo por pares de opostos - vida e morte, natureza e cultura, cru e cozido - cuja relação é dialética e transformacional. A Enantiodromia, sob essa perspectiva, seria a própria energia que impulsiona tais transformações simbólicas, conduzindo o pensamento de um polo ao outro em busca de mediação.
Do ponto de vista neurocientífico, pode-se traçar um paralelo entre esse princípio e os processos de homeostase e autorregulação do sistema nervoso. O cérebro, como sistema dinâmico complexo, opera continuamente entre forças excitadoras e inibitórias, buscando equilíbrio entre estabilidade e mudança. A Enantiodromia, assim, pode ser compreendida não apenas como metáfora filosófica, mas como expressão simbólica de uma tendência biológica à compensação e à integração dos contrários. Contudo, o valor mais profundo do conceito reside talvez na sua dimensão ética e existencial.
A consciência humana, ao evitar o contato com seus opostos - com o “outro” interno ou externo - adoece em unilateralidade. O retorno do reprimido, seja sob a forma de sintomas psíquicos, crises sociais ou desastres coletivos, é o modo pelo qual a totalidade exige ser reconhecida. A Enantiodromia revela, portanto, uma lei da alma: aquilo que é negado tende a retornar, e o equilíbrio psíquico depende da capacidade de acolher o oposto sem se perder nele.
Ao compreender esse movimento, a psicanálise e as ciências humanas encontram um ponto de convergência entre o simbólico, o biológico e o cultural. A Enantiodromia nos lembra que o humano é sempre atravessado por tensões e paradoxos, e que o crescimento psicológico, assim como a evolução das sociedades, depende da integração consciente dessas polaridades. Mais do que uma simples lei de reversão, trata-se de um princípio de transformação: o reconhecimento de que o sentido surge não na fixação de um polo, mas no diálogo permanente entre opostos.

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