Um psicanalista basicamente fica sentado ouvindo os problemas das pessoas. As coisas boas elas colocam no Instagram e as ruins elas contam deitadas no divã. E com o tempo é perceptível que as pessoas podem ter vários tipos diferentes de problemas. Elas podem querer arranjar um namorado e não conseguir ou se separar e não conseguir. Elas podem querer agradar o chefe e não conseguir ou agradar a mãe e não conseguir. Varia muito. Mas tem um problema que parece atravessar a vida de todos: que é a sensação de que mesmo que as coisas necessárias para viver hoje em dia sejam cada vez mais fáceis de conseguir, as pessoas se sentem cada vez mais exaustas. Qual o motivo? Para responder a indagação é preciso acompanhar uma história. E não é uma história qualquer, é a história da vida, a história da vida até os dias de hoje. E o título dessa história é o estranho caso da existência confortável e sem sentido ou como um macarrão ao alho e óleo pode salvar a sua vida. Vamos lá!
São sete horas da manhã; o despertador toca; você desliga; ele toca de novo; você desliga de novo; ele insiste e aí com a cabeça pesada, dificuldade de abrir os olhos, você lembra que ontem não conseguia dormir, e sabendo que hoje não conseguiria acordar, colocou cinco alarmes seguidos no celular. Eu tenho que ir pro trabalho, você pensa, mas você está de home office e o seu escritório fica a seis passos da sua cama. Maravilha! Você toma um café, abre a tela e esse é o seu dia. Sentado, entediado e exausto, sendo que você sequer se mexeu. Aí você abre uma outra tela, o celular, enquanto a reunião acontece na tela do computador. YouTube, canais de receita, OK? Você sente fome. Agora é só esperar até o restaurante abrir. Aí você clica mais umas quatro vezes num outro app. A comida chega, o dia vai passar. E depois é só tentar dormir com celular grudado na sua cara, mais uma noite de insônia e amanhã tudo começa de novo, exatamente igual.
Mas nesse momento, enquanto o seu chefe fala alguma coisa enfadonha na reunião, você resolve escorregar o dedo no feed do YouTube e se depara com um vídeo. Clica, abre e aqui está ele explicando o porquê de você se sentir cada vez mais exausto sem sequer sair do lugar. Coloca o seu chefe no mudo e segue assistindo o vídeo. Porque se você pensar um pouco não faz muito sentido. A vida é difícil, OK? Tudo dá trabalho, verdade, tudo exige esforço. Mas se as coisas que a gente precisa para sobreviver hoje em dia são cada vez mais fáceis de conseguir, tudo está a um clique de distância, por que será que você se sente cada vez mais exausto?
Para entender isso, é preciso fazer uma rápida digressão, algo como milhões de anos, para conhecer uma coisa chamada a DUPLA VIA DO PRAZER e entender que para o prazer de fato ocorra na vida e para que o esforço de existir seja suportável. Duas coisas precisam estar juntas, a busca e a recompensa. Como a vida é difícil, quando a gente precisa de alguma coisa, comida, por exemplo, quando você sente fome, é necessário que uma coisa aconteça dentro de você para que você não morra de fome. A motivação para buscar comida. Ela acontece em uma área do cérebro chamada Via Dopaminérgica Mesocortical Mesolímbica. Para a psicanálise, LIBIDO. Esse sistema de busca existe desde o surgimento dos répteis, pelo menos, ou seja, alguns milhões de anos ou mais. Então, tempo para caramba, porque a vida já era difícil e o esforço imenso já era necessário. E essa Via Dopaminérgica Mesocortical Mesolímbica, a LIBIDO, é engraçada. Por um lado, ela é a responsável pela motivação para as pessoas buscarem qualquer coisa que se esteja precisando. Uma espécie de expectativa positiva, de euforia antecipatória, de sensação de vai rolar... É a ideia de se engajar com a incerteza do mundo e, mesmo assim, ter prazer nisso.
E isso serve para buscar comida, água, abrigo, sexo, amor... essa motivação para buscar já é uma parte fundamental do prazer. Mas por outro lado, quando a Via Dopaminérgica não está aplicada à busca de alguma coisa que se esteja precisando naquela hora, ela tem a necessidade dela mesma. Ela se alimenta de novidade. Ela precisa de coisas novas o tempo todo. Então, é ela que faz a gente sair pelo mundo em busca de conhecer coisas novas, mesmo que sejam coisas que a gente aparentemente não necessita.
A busca por novidade: a Via Dopaminérgica é viciada em novidade. Mas então, voltando, quando se tá com fome, é essa via que vai impulsionar a busca para conseguir comida. E aí, nesta hora, uma coisa aparece na cabeça, o que a psicanálise chama de objeto de desejo ou que a Neurociência chama de sólido mental. Pensemos numa maçã, por exemplo. Sentiu fome, apareceu uma maçã, não apareceu um hambúrguer, uma pizza, um chocolate, ... Considere que foi mesmo uma maçã que apareceu. E essa maçã é a mesma que poderia aparecer na cabeça do Homo Habilis, uma espécie de hominídeo que viveu no princípio do Pleistoceno Inferior a 2,2 milhões de anos, época do nosso trisavô.
E naquele momento outra coisa muito importante acontecia. Ele imaginava uma maneira de conseguir essa maçã. E isso, imaginar uma solução já é parte fundamental do prazer de buscar e depende da Via Dopaminérgica, a capacidade de imaginar um caminho. Essa via impulsionava o Homo Habilis para que ele pudesse ir em busca da tal maçã. E essa parte agora é fundamental para você entender esse lero. O Homo Abilis precisava fazer uma coisa absolutamente extraordinária, difícil até de conceber nos dias de hoje: ele precisava se levantar e andar. O esforço, os incontáveis riscos daquele mundo para conseguir a tal maçã, chuvas, predadores, outras tribos, ... E só depois disso tudo é que vinha a segunda parte dessa dupla via do prazer: o Sistema de Recompensas Hedonistas. Isso acontecia quando ele finalmente encontrava a maçã e dava uma mordida nela. A frutose entrando em contato com as papilas gustativas. Uma outra área do cérebro, um outro processo, busca e recompensa, preliminares e orgasmo. É tudo a mesma ideia!
A satisfação então estava completa, o esforço fazia sentido. O tempo passou, Homo Habilis, Homo Erectus, Neandertal, Sapiens. No período Neolítico, também conhecido como Idade da Pedra Polida, uma fase crucial da Pré-História, marcada pela sedentarização dos humanos e o desenvolvimento da agricultura, ocorrendo aproximadamente entre 10.000 a.C. e 3.000 a.C., o “pessoal” parou de viajar tanto e inventou a agricultura. E aí se passa a plantar macieiras, e a motivação para plantar era necessária, muito necessária. E a recompensa vinha só com a colheita. Então a busca e a recompensa começam a se afastar uma da outra.
No século VI antes de Cristo, bum! surge o dinheiro. E aí tudo muda de uma maneira radical. A partir daí passa a existir uma “coisa” entre a busca e a recompensa. Logo, não se exige mais esforço ou motivação para plantar ou conseguir maçãs. O esforço passa a ser conseguir dinheiro. E o dinheiro, em tese, pode comprar qualquer maçã do mundo. Em tese, isso segue o dinheiro, a revolução industrial. E se passa a apertar parafuso sem sequer saber o que se está construindo no mundo do trabalho para conseguir o dinheiro. A repetição é motivada pela esperança de que o dinheiro virá no final do mês. Portanto, ninguém busca mais, ninguém descobre mais.
Lembra da necessidade de novidade da Via Dopaminérgica? Pois bem, ela está lascada! É tudo uma grande repetição, porque a repetição é mais eficaz para gerar o dinheiro. Beleza então? Século XX. A situação é mais ou menos a seguinte: o esforço inteiro está destinado à produção do dinheiro. A busca mantinha o ser humano imaginando como conseguir esse dinheiro e como a vida finalmente teria sentido com os objetos que esse dinheiro poderia comprar. E a recompensa ocorria quando e se esse dinheiro servisse de fato para comprar esses objetos. Via de regra não funcionava!
Todos se esforçavam muito, imaginavam tudo e conseguiam muito pouco. Era ruim, mas era o que era. E aí acontece uma coisa que vai mudar tudo (de novo). Surge a internet. Na época ela chega ao público. E em seguida no primeiro iPhone... e a internet vai parar no bolso junto com a maçã mordida. A partir daí a equação é outra (de novo). Agora todas as novidades do mundo estão na palma da mão, sem que precise sequer sair da cama. Hoje, quando você sente fome, você aperta um botão no iFood ou algum App para que apareça na porta da sua casa a comida que você precisa para sobreviver (ou nem tanto).
E a recompensa está lá, sem nenhuma incerteza, sem nenhuma imaginação, sem nenhuma descoberta, sem nenhum risco, nada, nadinha, absolutamente nada. E o esforço inteiro vai parar na produção repetitiva e vazia do dinheiro. E já que a recompensa aparece na porta da sua casa sem nenhum esforço impulsionado pela motivação da busca, a nossa Via Dopaminérgica pode se dedicar ao seu vício por novidades, o scroll infinito do que quer que seja. Vídeos de gatinhos, praias na Tailândia, memes, fofocas, o cenário político de um país que você não conhece, enfim... A vida de alguém que você nunca vai encontrar, dancinhas no TikTok que você não vai dançar, a busca vazia, sem nenhum encontro, com recompensas necessárias para a sua sobrevivência. Busca sem nenhuma recompensa, recompensa sem nenhum esforço e esforço sem nenhuma novidade. O resultado disso é que você se sente cada vez mais exausto em uma vida cada vez mais confortável, repetitiva e sem sentido. Isso porque a busca, a recompensa e o esforço estão completamente separados um do outro. Então você não consegue mais dormir de noite, acordar de dia, está deprimido com burnout, ansioso, compulsivo e não sente mais prazer na sua vida... porque o prazer depende de juntar a busca e a recompensa para que o esforço de existir tenha algum sentido.
OK? Maravilha? Tudo parece terrível e eu acabei de te explicar porque a sua vida e a minha são bastante insatisfatórias, né? E agora o que fazer? Aí você me pergunta se eu quero voltar a ser um Homo Habilis. Não, eu acho que não! A ideia de coletar maçãs e caçar roedores não me anima muito. E se me disserem que eu vou ter que plantar minha própria comida, eu posso até achar bonito, mas eu não vou fazer. A verdade é essa (ou não?). Mas o caso é que a gente vai ter que achar uma maneira de reaproximar a busca e a recompensa para voltar a ter experiências completas de prazer na vida. Então, atenção! eu vou te dar uma receita, uma simples que você de fato é capaz de fazer, mas que tem que ser feita hoje, agora. Não daqui a um mês, não nas férias, não quando você se aposentar. Hoje!
Deixa o seu chefe no mudo, deixa ele aí, avisa que vai sair da reunião virtual. Fala que você teve um desconforto intestinal. O pessoal não tem muita curiosidade sobre esse tipo de condição. Bota uma camiseta, um tênis, fecha a câmera e sai. Atenção agora que essa parte é importante e difícil. Deixa o celular em casa. Eu sei que é complexo, mas é fundamental. Deixa o celular em casa, caminha até o mercado mais próximo. Não pede um Uber, caminha. Enquanto você caminha, eu preciso que você tente imaginar uma coisa para comer, uma coisa fácil, um macarrão, por exemplo, um espaguete ao alho e óleo. Você imaginar um cogumelo salteado na manteiga ou um feijão preto com bacon, isso importa menos. O que importa é que você vai imaginar enquanto anda.
Pensa onde que isso deve estar no mercado. Chegando no mercado, ficando com o meu espaguete, a título de ilustração, vá até a prateleira do macarrão, pega um pacote de espaguete. Alho você tem em casa e azeite, se não, pega também. Na saída, escolhe uma maçã. Isso, uma maçã. Você não precisa de um saco de maçã. Uma maçã. Volta para casa pensando na vida, no caminho e imaginando o cheiro do alho dourando no azeite. Em casa, água para ferver, sal na água. Quando ferver, bota o macarrão. Quando ele tiver perto de ficar pronto, o tempo de cozimento tá no pacote, tá? É fácil. Aí você bota o alho no azeite, numa frigideira na boca do lado do fogão, fica olhando o alho.

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