sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O DIFÍCIL E QUASE IMPOSSÍVEL ATO DE PERDOAR

 

A INTRINCADA TAREFA DO PERDÃO

UM CAMINHO DE MÃO DUPLA

por: Heitor Jorge Lau 

            O perdão é uma das experiências humanas mais complexas e profundas, muitas vezes elevada ao patamar de virtude máxima, mas raramente compreendida em sua totalidade. É uma tarefa difícil porque exige que naveguemos pelas águas turbulentas da dor, do ressentimento, da culpa e, finalmente, da aceitação. No centro dessa dificuldade reside uma questão fundamental: perdoamos os outros por terem nos ferido, ou nos perdoamos por termos falhado (contra nós mesmos ou contra os outros)? A verdade é que o perdão é um caminho de mão dupla, um processo que inevitavelmente envolve ambas as dimensões.

            Quando somos vítimas de um erro, uma traição ou uma injustiça, o perdão ao outro se apresenta como o desafio imediato. O perdão, nesse contexto, não é um ato de absolvição do ofensor ou de minimização do mal sofrido. Não significa dizer "o que você fez está tudo bem" ou esquecer a dor. Pelo contrário, o perdão é, primariamente, um ato radical de autocuidado. É a decisão consciente de soltar a âncora do ressentimento que nos mantém presos ao passado e ao poder destrutivo da outra pessoa.

            O ressentimento é um veneno que bebemos esperando que o outro sinta os seus efeitos. Ao nos recusarmos a perdoar, mantemos viva a ofensa, permitindo que ela continue a consumir nossa paz interior, nossa energia e nossa capacidade de viver plenamente o presente. Perdoar o outro é reconquistar nossa liberdade emocional. É entender que o dano já foi causado, mas a continuação da dor é uma escolha que, a partir do momento do perdão, deixamos de fazer. É um processo de luto, de aceitação da perda (da inocência, da confiança, do que poderia ter sido) e, por fim, de desapego da necessidade de que o ofensor sofra ou pague a dívida da forma que imaginamos.

            No entanto, a jornada do perdão frequentemente nos leva a um espelho. Quando somos nós os ofensores, ou quando falhamos em cumprir nossas próprias expectativas, o perdão se volta para dentro. O autoperdão é, para muitos, ainda mais árduo que perdoar o próximo. A culpa, a vergonha e o remorso podem se tornar juízes implacáveis, nos sentenciando a uma prisão perpétua de autocrítica e punição.

            O autoperdão é essencialmente um reconhecimento da nossa humanidade falível. Significa aceitar que, em determinado momento, agimos com base em nossa limitação, nossa ignorância, nossa dor ou nossa imaturidade. É um processo que exige responsabilidade (admitir o erro e, quando possível, repará-lo), mas que deve ser seguido de compaixão para consigo mesmo. A punição contínua não desfaz o que foi feito... apenas impede o crescimento e a transformação. Perdoar a si mesmo é dar-se a permissão de aprender com o erro, de fechar o capítulo do fracasso e de recomeçar com a sabedoria adquirida. É um ato de fé em nossa capacidade de sermos melhores no futuro.

            No final, as duas dimensões do perdão estão intrinsecamente ligadas. A dificuldade em perdoar os outros muitas vezes reflete a nossa dificuldade em nos perdoarmos. Pessoas que são implacáveis consigo mesmas tendem a ser implacáveis com os demais, projetando a sua autoexigência e autocrítica no mundo exterior. Da mesma forma, ao estender a graça e a compreensão a quem nos feriu, abrimos uma porta para que essa mesma graça e compreensão se dirijam a nós mesmos quando falhamos.

            O perdão não é um evento único, mas uma prática contínua. É a escolha repetida de substituir a raiva pela paz, a culpa pela responsabilidade transformadora, e o aprisionamento pela liberdade. É a difícil, mas vital, tarefa de deixar ir para poder seguir em frente. E nesse movimento, percebemos que o perdão mais profundo e duradouro é aquele que, ao libertar o outro, nos liberta por completo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário