Diário de momentos da vida – Era uma vez na Praça da Matriz
por: Heitor Jorge Lau
Era uma bela segunda feira, ensolarada, temperatura amena, enfim, um belo dia ... uma linda e genuína manhã de Primavera. Eu, tranquilamente caminhando pela Praça da Matriz, resolvi sentar em um banco para observar tudo que um cenário digno de pintura estava me oferecendo e convidando para desfrutar. O Céu azul cobria o espaço com um véu de paz e tranquilidade...uma paisagem relaxante e meditativa. O vento acariciava a minha face com afagos de carinho e ternura. A natureza é imensuravelmente calmante, apaziguadora, relaxante e entorpecedora. A Praça da Matriz, apesar de se localizar no centro da cidade, reserva um mundo à parte, carregado de canto dos pássaros, risadas de alguns transeuntes ... interessante que o som do interior deste universo cala as buzinadas dos motoristas mais nervosinhos, as propagandas dos carros de publicidade e propaganda, o barulho dos motores de incontáveis veículos que no entorno da praça trafegam, as freadas e todos os demais ruídos...
Repentinamente uma mamãe sabiá pousa sobre o gramado, perseguida por dois filhotes, bem crescidinhos, pedindo: “queremos comidinha, comidinha, comidinha”. Uma cena não rara para quem olha com olhos atentos e serenos quando por ali transita. Nem por isso deixa de ser espetacular. Uma sessão psicoterápica, gratuita, sem divã, sem hora para começar, sem hora para terminar ... e quem dera nunca terminasse tamanha cena de descontração e tranquilidade. O ritual que diante dos meus olhos aconteceu não se delongou muito, afinal, a mamãe sabiá precisava encontrar mais alimento para os seus vívidos e inquietos sabiazinhos, que por força da natureza, logo-logo serão também adultos, logo-logo estarão da mesma forma alimentando os seus bebês.
Mas o cenário na qual me encontrava detinha mais espetáculos a oferecer. Ouvi risos, gargalhadas na verdade, alegria advinda de um grupo de cinco homens – entre 25 a 40 anos –, uns sentados no gramado, outro de pé, e outros no banco da praça. Ao lado deles três companhias inusitadas: cães, igualmente felizes, deitados no chão com a maior tranquilidade, visivelmente satisfeitos, em todos os sentidos. O que chamou a atenção foi o fato de serem pessoas humildes, vestimenta surrada, aparentemente desempregados – imaginei. Se por um lado lhes faltavam emprego, roupas ou alimento, felicidade naqueles corpos tinha de sobra. Não estavam lá muito interessados no movimento das ruas e muito menos do interior da praça. Vez que outra algum daqueles felizes cidadãos retirava do bolso um biscoito e comia. Ali, naquele diminuto espaço de convivência reinava a paz, harmonia, o sossego, a total despreocupação com o tempo a seguir. O sentimento que brotava daquele grupo dava para sentir de longe o viver sem pensar, sem calcular, sem agendar ... apenas viver.
A minha atenção foi desviada. Logo adiante caminhava um casal, passos lentos, palavras inexistentes, um destino. Mas o que chamou a atenção foi aquela jovem segurando firmemente um aparelho no qual um tubo plástico de pequeno diâmetro se dirigia diretamente para as narinas do senhor que a acompanhava. Tudo indicava que aquele aparelho ajudava o homem a respirar. Naquele instante, muito mais breve que as cenas anteriores dos pássaros, surge uma sensação de tristeza porque eu - livre da dependência de uma bomba de oxigênio - fiquei a imaginar o quão limitador seria viver assim. Mas também senti um toque de felicidade em perceber que naquele casal existia parceria, amizade, cumplicidade, vontade de viver livremente sem pensar o fardo que a vida impôs a ele, aos dois. Lembrei que muitas vezes nos queixamos de situações indesejáveis, ausência de alguma coisa, qualquer coisa ... lembrei de gente que passa o tempo todo se queixando da vida ... que pecado! E eles se foram, anônimos, silenciosos, misteriosos. Contudo a lembrança ficou. Não sei até quando, mas ficou.
E em seguida outra cena - parecia ser o dia das lições de vida. Duas mulheres, meia idade, visivelmente passeando. Uma delas empurrando uma senhora, presumivelmente idosa, sentada em uma cadeira de rodas. Ao contrário daquele senhor livre ao menos para andar, esta mulher mantinha o corpo completamente inerte, olhos fixados para o chão, não mais do que um metro além da ponta dos seus pés apoiados na parte inferior da cadeira. Seu rosto completamente sem expressão, nenhum sorriso, nenhuma palavra, nenhum olhar, nada, total ausência de vida. O que será que ela estaria pensando, sentindo? Saberia ela onde estava? Estaria ela sentindo o agradável calor do sol sobre sua pele alva? Estaria ela ouvindo o canto dos pássaros? Difícil de saber, triste de imaginar. E elas, também, se foram!
Estava eu pronto para seguir o meu caminho e num piscar de olhos surge uma garota, aproximadamente uns 17 ou 18 anos de idade. Outra pessoa, outro comportamento. Ela tinha um caminhar incógnito, sem pressa, sem destino, sem compromisso. Mas algo chamava a atenção: pequenos fones de ouvido, um em cada ouvido, conectados ao seu celular. O que ela estaria ouvindo de forma tão compenetrada, com um semblante tão sisudo? Música? Um áudio book? Que dúvida, que curiosidade... Então ela sentou-se em um banco e começou a digitar no teclado do telefone. Ah! Que alívio, a curiosidade foi parcialmente reduzida. Mas com quem se comunicava? Pai? Mãe? Algum amigo ou amiga? O namorado? Seja lá com quem fosse, as expressões do seu rosto se mantiveram tão inertes quanto a senhora da cadeira de rodas, os gestos do corpo tão mecânicas quanto daquele senhor do oxigênio ... pena, seria tão bom ver uma jovem sentindo o sol, a natureza, como aqueles pássaros livres para voar, livres para cantar. Ela, diferentemente dos outros que passaram - empurrados ou acompanhados - permaneceu ali, com o corpo sem expressão, somente os dedos moviam-se sobre as teclas do celular. Um mundo particular e restrito. Real ou irreal, quem sabe?
E o tempo passou – uma hora. E quem seguiu desta vez foi eu! Segui o meu caminho, mas foi difícil esquecer a última hora e meia de acontecimentos. Cada qual com a sua particularidade, sua mensagem intrínseca. Foram noventa minutos de análise, filosofia, deduções, conclusões ..., mas tudo, absolutamente tudo, no mundo real preenchido pela imaginação. O grupo de homens felizes, os pássaros, o casal, as senhoras e a jovem, o que pensavam, sentiam? Para onde foram? Será que aquela senhora da cadeira de rodas não estaria feliz por estar passeando na praça? Não estaria apenas com muito, muito sono? E aquele senhor do oxigênio, estaria feliz por estar caminhando, se distraindo na praça? O grupo de homens, estariam felizes por estar entre amigos? Não seriam eles cinco magnatas disfarçados para fazerem o que desejam sem julgamento? Ah, não esqueçamos da mamãe sabiá. Estará ainda buscando alimento para os filhotes ou foi a última refeição antes de deixá-los livres – contra a vontade deles é claro.
Enfim, o quanto a vida carrega mistérios a todo instante? Difícil e impossível de saber as respostas. A única certeza é que a cada fração de segundos algo de novo, desconhecido e inusitado acontece diante dos nossos olhos e só nos resta imaginar, observar o momento, sentir a mensagem e refletir sobre o antes, durante e depois. Não se trata de procurar verdades ou inverdades, não! Igualmente não se trata de separar o certo do errado. E que ninguém tenha o malvado pensamento de se tratar de bisbilhotice e curiosidade pela vida alheia. Os pequenos e mínimos acontecimentos narrados anteriormente espelham o mundo que vivemos. O mundo real, com seres humanos (e sabiás), alguns sorrindo, gargalhando, outros nem tanto. Cada qual vivendo da sua maneira ou da maneira que podem.

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