quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

MENTES ALTERADAS E COMPORTAMENTOS IRRACIONAIS

 

    Por que a emoção é muito mais emoção do que se pensa? Basta perguntar a qualquer estudante universitário de vinte anos se  pratica sexo desprotegido e ele recita de imediato inumeráveis riscos de terríveis doenças e gravidez. Talvez tal pergunta não se restrinja tão somente à faixa etária mais jovem. Enfim, em quaisquer circunstâncias sossegadas, quando estão fazendo os trabalhos de casa ou assistindo a um filme, pergunte se algum deles gosta de ser espancado ou de fazer sexo a  três. Todos se retraem e respondem que nem  pensar. Além disso, ainda se perguntam: que tipo de  maluco pergunta algo assim?

    Como  compreender o grau que as pessoas racionais e inteligentes conseguem prever as suas mudanças de atitude quando estão num estado de excitação mental acima do normal? É simples, basta estudar o comportamento deles num estado emocional alterado, neste caso, apaixonados ou emocionalmente muito envolvidos e excitados. Para tornar o estudo realista é preciso medir as respostas emocionais diante de um sentimento de raiva ou fome, frustração ou aborrecimento, ..., porém, o mais apropriado ou sensato é diante de alguma experiência agradável. Uma experiência agradável? Que tal estudar a tomada de decisões durante a excitação sexual?

    Compreender o seu impacto no comportamento e tomada de decisão poderia ajudar  a sociedade a lidar com alguns dos seus problemas mais sérios,  como a gravidez na adolescência e a propagação da SIDA. A SIDA é um quadro clínico resultante da infecção pelo HIV do qual se conhecem dois tipos: o HIV1 e HIV2. Onde  quer que se olhe, sempre se encontrará algum tipo de motivação sexual. Para saber se alguém consegue prever os seus comportamentos num estado emocional específico, faz-se necessário que a emoção lhe seja muito  familiar. Se existe algo previsível e habitual é a regularidade da excitação sexual.

    Uma forma simples de monitorar a excitação e consequente dinâmica da tomada de decisão seria instalar num computador um programa de pergunta e resposta. Por exemplo: diante do programa previamente instalado (e processando) um suposto candidato ao estudo manusearia o teclado, passando várias imagens de mulheres nuas em poses eróticas. À medida que o candidato fique mais excitado, ele ajusta o medidor de excitação” na parte superior do monitor. Quando chegar à zona alta crítica”, surge uma pergunta no monitor: você poderia fazer sexo com alguém que detesta? A escala de resposta é “não ou “sim” para esta e demais perguntas. Em seguida aparece outra pergunta: você seria capaz de embriagar uma mulher para poder fazer sexo com ela? E mais outra pergunta: você usa sempre preservativo? ...e por aí vai...

    A sessão experimental não poderia transcorrer acima de uma hora e o estudo seria aplicável somente com homens que, em termos sexuais, a sua concepção do sexo (aceitando ou não) é muito mais simplista. Surge uma ou duas questões: Poderia acontecer de algum participante revelar memórias reprimidas de abuso sexual como resultado da pesquisa? Existe a possibilidade de um participante descobrir que é viciado em sexo? As duas questões, a princípio, parecem sensatas, coerentes. Todavia, descabidas, uma vez que qualquer pessoa com um computador e uma conexão de Internet tem acesso a mais intensa e variada pornografia cibernética. Bem, tal pesquisa, teoricamente, seria difícil de ser realizada. Contudo, ela foi, sim, realizada no ano de 2001, por Dan Ariely (autor do livro Previsivelmente Irracional - aprenda a tomar melhores decisões) e George Lowenstein (educador e economista americano).

    No decorrer de três meses, vários excelentes alunos da Universidade de Berkeley da Califórnia, passaram por diferentes sessões. Aquelas  realizadas num estado frio e desapaixonado, previram as decisões morais e sexuais que tomariam se estivessem excitados. As mesmas decisões também surgiram nas sessões em que participantes se encontravam excitados, contudo, todos estavam apaixonados. Presumivelmente tinham mais consciência das suas preferências nesse estado específico. No término do estudo, as conclusões foram consistentes e claras, esmagadoras e assustadoramente claras, segundo os estudiosos.

    Em todos os casos, os participantes, considerados inteligentes pela instituição de ensino, deram respostas muito diferentes quando estavam excitados e quando não estavam. Nas 19 perguntas sobre preferências sexuais, quando os respondentes estavam excitados, previram o desejo de participar em atividades estranhas aproximadamente duas vezes maior (72% superior) do que num estado de relaxamento. A ideia de gostar do contado com animais era duplamente apelativa num estado excitado do que num estado normal. Nas cinco questões sobre a propensão a atividades imorais, quando excitados previram-na em mais do dobro (136%) do que no seu estado normal. Do mesmo modo, nas perguntas relativas ao uso de preservativo, quando excitados, previram dispensar o seu uso em mais 25%. Em todos os casos eles não conseguiram prever a influência da excitação sexual quanto às suas preferências, moralidade e abordagem a um sexo seguro.

    Os resultados demonstraram que no estado de não excitação, os participantes tinham mais deferência com as mulheres e não se sentiam particularmente atraídos pelas peculiares atividades sexuais com as quais foram questionados. Adotavam sempre uma atitude considerada moral e previram utilizar sempre o preservativo. Alegaram autoconhecimento sobre si,  suas preferências e quais os atos que seriam capazes de praticar. Porém, subestimaram totalmente as suas reações. Independente da ótica que os números foram analisados, a magnitude da imprevisibilidade dos participantes era substancial. Os dados revelaram que em estado normal os participantes não se conheciam em estado de excitação. A prevenção, a proteção, o conservadorismo e a moralidade desapareciam completamente do bom senso. Simplesmente, não eram capazes de prever o nível a que o ardor do momento os poderia conduzir.

    É importante ressaltar que estes resultados aplicam-se mais diretamente à excitação sexual e à sua influência nas pessoas. Também é possível reconhecer que outros estados emocionais como a raiva, fome, o entusiasmo, ciúme, por exemplo, funcionam de modo semelhante. O ser humano poderia pensar até que aquela famosa história do Dr. Jeckyll and Mr. Hyde, não era tão fantasiosa e improvável de acontecer (dentro das devidas proporções é lógico...ou não?). O livro remete a visão de que o verdadeiro homem não é só um, mas realmente dois. A história cativou a imaginação vitoriana, que vivia fascinada pela dicotomia entre a propriedade repressiva, representada pelo cientista bem-educado, o Dr. Jeckyll, e a paixão descontrolada personificada pelo assassino Mr. Hyde. O Dr. Jeckyll acreditava que sabia se controlar mas, diante do Mr. Hyde, todo cuidado era pouco.

    A história era assustadora e imaginativa, mas não era novidade. Muito antes do Oedipus Rex de Sófocles e o Macbeth de Shakespeare, a guerra entre o bem e o mal tem alimentado os mitos, as religiões e a literatura. Em termos freudianos, todo ser humano alberga um eu obscuro, uma parte inconsciente da personalidade, um bruto que pode tomar um poder imprevisível sobre o superego. E por isso que um vizinho simpático, num acesso de raiva condutora, esmaga o carro contra uma parede e um adolescente pega numa espingarda e mata os amigos. Estas pessoas também afirmam autoconhecimento, mas subitamente, no calor da circunstância e num piscar de olhos, todo o cenário pode mudar.

    A experiência realizada em Berkeley não só constatou que todo ser humano é como Jeckyll e Hyde, e que, independentemente da bondade interior, ninguém consegue prever os efeitos da excitação exacerbada (se é que existe uma que não seja) no comportamento. Em todos os casos, os participantes das experiências se enganaram nas suas previsões pessoais. Mesmo a pessoa mais racional e brilhante, no auge da paixão ou excitação, parece totalmente divorciada da pessoa que pensava ser. A margem de erro é bem significativa. Segundo os resultados do estudo, na maior parte do tempo algumas pessoas são espertas, decentes, razoáveis, gentis e de confiança. Os seus lóbulos frontais funcionam plenamente com um perfeito controle dos comportamentos. O Córtex Pré-frontal, responsável direto pelo sistema executivo e por processar a informação do cérebro humano, é a base, em última instância, da cognição, do comportamento e da resposta emocional dos humanos. É a parte mediadora entre muitas outras estruturas que se distribuem ao longo do encéfalo, tendo um papel chave na tomada de decisões.

    Porém, diante da excitação sexual (nesta pesquisa e estudo), o Cérebro Reptiliano apodera-se da sensatez e controle emocional. O Cérebro Reptiliano é considerado a região mais “primitiva” do cérebro humano, responsável por regular as reações instintivas. A princípio todos julgam saber como reagiriam diante da excitação, mas este saber é mascarado pelo estado de relaxamento e tranquilidade momentânea. É imperceptível  quando a motivação sexual se torna mais intensa, capaz de extinguir as cautelas costumeiras, a ponto de arriscar o contágio de doenças sexualmente transmissíveis ou uma paternidade ou maternidade indesejadas, tudo pela obtenção do prazer sexual.

    Quando a paixão domina, as emoções obscurecem a fronteira entre o certo e o errado. Ninguém imagina o instinto primitivo que pode emergir das profundezas da mente, uma vez que é comum errar diante da tentativa de prever o seu comportamento estando em outro estado emocional. Seria o mesmo que tentar prever o calor morando na Sibéria. O estudo também salientou que a capacidade do autoconhecimento no estado de excitação  não melhora com a experiência. O que acontece quando o eu irracional ganha força no local emocional que se julga ser familiar mas, que na realidade, é desconhecido? A falta do autoconhecimento seria o principal obstáculo para antever as reações comportamentais próprias e, quando se “perde a cabeça, está raivoso, esfomeado, assustado ou sexualmente excitado? Seria possível fazer alguma coisa quanto a isso?

    As respostas a estas e outras perguntas são profundas, pois acenam acautelamento com as situações em que o Mr. Hyde pode dominar. Num estado frio e racional - de Dr. Jeckyll -, muitos pais e adolescentes acreditam que a mera promessa de abstinência, vulgarmente conhecida por dizer que não, é proteção suficiente contra doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejadas. Assumindo que este nível mental prevalece, mesmo quando as emoções atingem o ponto de ebulição, os defensores do dizer que não não vêem motivos para andar sempre com preservativos na carteira. Mas, como demonstra o estudo, no calor da paixão, todos correm o perigo de teclar o não ao invés do “Sim”. Na vida real, num breve instante, se não houver um preservativo por perto, o mais provável é continuar e ignorar os riscos.

    O que isto sugere? É essencial a disponibilidade generalizada dos preservativos. Não se deve decidir por sua presença na carteira ou bolsa ou bolso (seja onde for) no estado mental normal. A “camisinha” deve, obrigatoriamente, estar disponível no caso de ser necessária. A imprevisibilidade das reações defronte um estado emocional alterado é fato comprovado cientificamente. Este problema é exacerbado nos adolescentes, devido ao fato de que a educação sexual focar muito na psicologia e na biologia do sistema reprodutivo, e pouco (ou quase nada) nas estratégias para lidar com as emoções que acompanham a excitação sexual.

    Contudo, é importante ter a consciência que andar sempre com preservativos e compreender (mesmo que superficialmente) a tempestade emocional da excitação sexual não é o suficiente. Comumente, existem várias situações em que os adolescentes não sabem lidar com as emoções (e quase a totalidade dos adultos, diga-se de passagem). Só existe uma forma de não queimar a mão na fogueira: é se afastar da fogueira. Enfim, não é fácil se afastar da excitação pela possibilidade dela devastar, mesmo que brevemente, a sensatez e a prudência. É mais fácil se afastar da tentação do que arcar com as consequências de um comportamento descabido e inconsequente. Evitar a tentação é imensamente mais fácil do que vencê-la.

    Desligar espontaneamente a paixão e excitação, a qualquer momento, é uma premissa impossível de sugerir ou exigir. A remota alternativa de um mínimo sucesso seria colocar de lado o debate dos prós e dos contras do sexo na adolescência, e ensinar a dizer não antes de surgir qualquer tentação que se torne irresistível... ou, como alternativa, prepará-los para lidar com as consequências do sim no calor da paixão. Uma coisa é certa, é preciso buscar o entendimento de como o cérebro reage de modo diferente quando está calmo e quando os hormônios” estão fervilhando.

    Este assunto delicado não deve se restringir apenas à aulas de Psicologia ou Psicanálise. Trata de incentivar as pessoas a estudar e compreender minimamente os dois estados mentais cotidianos do ser humano: o estado mental “frio e quente”. Trata de entender como essas diferenças podem beneficiar a vida e como podem comprometer negativamente as decisões comportamentais. Talvez seja necessário repensar os modelos do comportamento humano. Talvez, não exista um ser humano completamente integrado e é possível que todos sejam um ajuntamento de vários eus. Finalmente surge a indagação: então, como obrigar o lado Hyde a comportar-se melhor? Apesar de não ser tão fácil obrigar o Mr. Hyde a apreciar as beneces do comportamento do Dr. Jeckyll,  talvez possa ajudar a simples consciência de que a tendência de decidir mal vive a espreita da oportunidade em torno das emoções intensas. De algum modo, é preciso aplicar o conhecimento do lado “Jeckyll” ao quotidiano do  oportunista do lado “Hyde. Simples assim! Nem tanto!

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