terça-feira, 2 de agosto de 2011

DESENVOLVIMENTO INTERPESSOAL

Por Heitor Jorge Lau
Relações Públicas, Pós-Graduado em Gestão de Pessoas e Mestrando em Educação
* Capítulo 2 apresentado em MBA de Gestão de Recursos Humanos
 
          A produtividade de um indivíduo, grupo de trabalho ou de uma organização, depende de fatores que perpassam a competência profissional, sobretudo o grau de mutualidade de interesses e deveres existente nas relações interpessoais. Mailhiot (1976, p. 67), ao referenciar os estudos de Schutz[1], que originalmente tratam da teoria das necessidades interpessoais, afirma que todos os grupos de trabalho possuem “necessidades de inclusão, controle e afeição, respectivamente”. Portanto, ser aceito por membros de um grupo, ser responsável pela coexistência dele, e finalmente ser reconhecido e valorizado por todos, são fatores que contribuem diretamente para o efetivo bem estar entre pessoas que convivem no mesmo ambiente organizacional. Estes elementos tidos como essenciais para um excelente relacionamento interpessoal provocam comprometimento e envolvimento nas ações conjuntas, possibilitando assim, a experimentação uma vez que as verdadeiras habilidades comportamentais são desveladas. Mussak (2003, p. 29) declara que

engana-se quem diz que o homem é um animal que aprendeu a pensar. Na verdade, ele continua aprendendo a pensar. [...] Mas o ato de pensar não é uma dádiva apenas da biologia; depende também da vida social. [...] o que difere o homem dos animais é o pensamento, mas não se deve esquecer que o que difere os homens uns dos outros é a qualidade desse pensamento.
           
Desenvolver habilidades interpessoais requer convívio social, porém, pautada pela capacidade de percepção e respeito pelas diferenças, fruto da flexibilidade comportamental, e reflexa da inteligência emocional persistentemente desenvolvida. O desenvolvimento interpessoal ocorre justamente pelas diferenças de opiniões, atitudes e contextos. O pensador grego Heráclito[2] - mesmo que sua vivência tenha ocorrido na época em que a velocidade dos fatos era incalculavelmente lenta - vislumbrou a idéia da unidade dos opostos. Segundo este pensador, tudo que porventura possa vir a existir na vida, é rigorosamente composto por eventos singularmente opostos, todavia complementares. O significado deste pensamento é que naturalmente sempre existirão contradições ou divergências de opinião, concepções e percepções de vida em desacordo, mas que invariavelmente devem ser entendidas como naturais, e conseqüentemente aceitas. Qualquer tentativa de suprimir as contradições convergiria, segundo ele, na extinção da realidade porque ela é inconstante e detentora dos opostos. A partir desta afirmação é possível assumir que o desenvolvimento interpessoal tem sua gênese no exercício da percepção de si e do externo, na procura das informações e geração de novos conhecimentos, e particularmente na adaptação as novas realidades, muitas delas completamente avessas as próprias convicções. Aceitar a opinião contrária significa aprendizado a partir da tolerância. O grau de tolerância existente em cada indivíduo é oriundo dos paradigmas elaborados e praticados durante a vida pessoal e profissional por motivos síncronos: os psicológicos. Exemplo disto pode ser analisado nos reflexos que o grau de autoestima, a capacidade adaptativa, e a tolerância às mudanças desenvolvidas na vida pessoal, exercem sobre a vida profissional e vice-versa. O desenvolvimento interpessoal, necessariamente, acontece “de dentro para fora”, ou seja, inicia pela autoavaliação do estado intelectual e emocional atual. Mas, é interessante ressaltar que todas as formas de autoavaliação sempre são difíceis de executar pela complexidade presente na personalidade do ser humano, fundamentalmente no que diz respeito às relações com os outros indivíduos. Joseph Luft e Harry Ingham desenvolveram, na década de 60, uma modelo conceitual importantíssimo para auxiliar no processo de percepção de um indivíduo em relação a si próprio e aos outros, a Janela de Johari. O resultado obtido através desta ferramenta reflete a condição presente da comunicação interpessoal diante dos relacionamentos com os grupos de interesse, por intermédio da autopercepção e percepção dos outros. Ela serve especificamente para formatar uma representação mental dos comportamentos humanos, mas principalmente fornecer subsídios para uma reflexão diante das prováveis dificuldades ligada as relações interpessoais. Csikszentmihalyi (1999, p. 80), deixa nítida a relevância de um relacionamento interpessoal saudável quando afirma que

quando pensamos sobre os melhores e os piores estados emocionais da vida, provavelmente atribuímos sua causa a outras pessoas. [...] De todas as coisas que normalmente fazemos, a interação com os outros é a menos previsível. [...] Não há dúvida de que o bem-estar está profundamente ligado aos relacionamentos e que a consciência reverbera com o feedback que recebemos de outras pessoas.

            O desenho da Janela de Johari é formado por um quadrado dividido em quatro áreas iguais, sendo que: a parte localizada no canto superior esquerdo, área I, possui o termo ‘eu aberto’; canto superior direito, área II, ‘eu cego’; canto inferior esquerdo, área III, ‘eu secreto’; e, canto inferior direito, área IV, ‘eu desconhecido’. A coluna da esquerda, formada pelas áreas I e III, é representada pelo termo ‘conhecido pelo eu’. A coluna da direita, formada pelas áreas II e IV é representada pelo termo ‘não conhecido pelo eu’. A linha superior, formada pelas áreas I e II é representada pelo termo ‘conhecido pelos outros’. A linha inferior, formada pelas áreas III e IV é representada pelo termo ‘não conhecido pelos outros’. A exatidão das informações que indicarão cada uma das áreas citadas é resultado de uma análise consciente e fidedigna dos motivos que levaram a tal conclusão. Por exemplo, quando um indivíduo conhece a si próprio, e os outros também, a área I, ‘eu aberto, surge na Janela de Johari. Neste caso, pressupõe-se que a eficácia interpessoal no que concerne a troca de informações está fluindo com naturalidade e eficácia, e a visibilidade parece ser efetiva. Porém, se o indivíduo não conhece a si próprio, mas os outros o conhecem, a área II, ‘eu cego, aparece na Janela. Esta situação demonstra que o indivíduo faz criticas ao modo como os outros se comportam sem, no entanto, perceber o seu próprio. Tal vicissitude torna a eficácia interpessoal inadequada e inibida. A área III, ‘eu secreto’, indica que o individuo conhece a si, mas os outros não. A princípio esta posição denota uma pessoa autoritária e com sua eficiência interpessoal lesada. O ‘eu desconhecido’, pertencente à área IV, demonstra um indivíduo desconhecido por si e pelos outros, com suas competências e atributos ocultos. Exercitar o processo da Janela de Johari conduz a possibilidade de transformação de alguma área do relacionamento interpessoal, ora prejudicado, para uma condição próxima do ideal. Mussak (2003, p. 50), salienta que “saber conviver com idiossincrasias pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma empreitada da qual participam várias pessoas [...]”. Para alcançar o pleno sucesso nas relações interpessoais também é obrigatório deter a propriedade sobre o processo de comunicação verbal e não verbal. Apropriar-se destas habilidades é imprescindível para quem ambiciona entender e ser fazer entender, e assim, aprimorar as relações entre pessoas e grupos sociais. A comunicação efetiva acontece na medida em que informações são transmitidas a outrem de forma clara, objetiva e compreensível. O processo de comunicação exige: mensagem, emissor, meio, código e receptor. A mensagem é o conteúdo a ser enviado com o intuito de chamar a atenção através da transmissão de “idéias, fatos, pensamentos e valores. Sua meta é fazer que o receptor compreenda a mensagem do modo como ela foi concebida”. (Newstrom, 2008, p.45). A comunicação eficiente constrói links de entendimento entre todas as partes envolvidas, possibilitando o compartilhamento de sentimentos e saberes, eliminando possíveis ruídos e conseqüentes incompreensões. O ciclo de comunicação inicia no emissor e encerra no receptor, mesmo que este venha, porventura, dar um feedback. O feedback é a resposta que o receptor da mensagem envia ao emissor após reconhecê-la, interpretá-la e utilizá-la. Nem sempre esta etapa é executada pelo receptor por motivos mais variados. Portanto, é interessante considerar a recepção da mensagem como etapa final do processo de comunicação, mesmo porque, a partir do feedback, iniciará um novo fluxo com novas informações. O motivo principal desta concisa explanação sobre a importância da comunicação, apesar de ser parte integrante do relacionamento interpessoal eficiente, é chegar ao termo feedback e remetê-lo ao processo da Janela de Johari. Favorecer o feedback transforma a comunicação em processo de duas vias, gera reciprocidade, incentiva a interatividade. Assim, essencialmente a comunicação, particularmente o solicitar e oferecer feedback, afeta a forma da Janela de Johari. Esta é uma maneira atrativa e prudente de perceber e enquadrar o grau de eficiência do relacionamento interpessoal quando avaliada através do modelo proposto por Luft e Ingham. Segundo Moscovici (1975, p. 63), toda conscientização

traz em si as possibilidades de mudança, através da nova percepção da realidade externa ou interna. Se a percepção se modifica, vários outros planos do processo psicológico também se modificam levando o indivíduo não apenas a ver diferente, mas a sentir e pensar de forma diferente e, conseqüentemente, a agir de outra maneira.

            O termo feedback, tão utilizado e incorporado ao nosso cotidiano vocabular detém importância máxima nas relações interpessoais. O exercício de postar-se disponível para dar e receber informação, sem dúvida, é complexo porque na medida em que o ser humano toma consciência de si, diante de outro, também reconhece suas limitações. É um encontro singular por ser revelador, e assustador por existir um reconhecimento do limiar e limite da liberdade de expressão verbal e não-verbal. A descoberta do verdadeiro ‘eu’ revela a complexidade existente nas relações justamente porque elas não são isentas de questões problemáticas, muitas das quais não são extintas pelo simples fato de serem defrontadas de maneira belicosa. Na busca pelo relacionamento interpessoal excelente, é necessário reconhecer que “sendo o homem um ser essencialmente social, suas ações terão sempre reflexos, influências, irradiações sobre o meio social, além da repercussão sobre o agente”. (Girardi e Quadros, 2001, p. 54). Assim, é sensato perceber a inexistência de uma ação que não perpasse os limites do individualismo. Portanto, o domínio e habilidade de construir relacionamentos interpessoais excelentes reside na arte de perceber, transformar, adaptar e administrar elementos comportamentais pessoais, e tolerar as características alheias. Os estímulos e reações do ser humano, suas particularidades e seus vieses, poderiam ser resumidos por uma declaração de Winston Churchill[3], em 1939, no início da segunda grande guerra: - a Rússia é uma charada embrulhada num mistério dentro de um enigma. A Rússia, neste caso, seria o homem e seus pensamentos, valores e comportamentos, muitos dos quais em conflito. O desafio encontra-se em identificar padrões, conseguir compreende-los e adaptá-los.


[1] Will, Schutz. Psicólogo e Consultor americano, autor da teoria “The Human Element“.
[2] Heráclito de Éfeso. Filófoso grego pré-socrático considerado por muitos estudiosos o pensador pré-socrático mais importante, por formular com veemência o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas transitórias. Acesso em 17/05/11: http://educacao.uol.com.br/biografias/heraclito-de-efeso.jhtm.
[3] Sir Winston Leonard Spencer-Churchill (1874-1965) foi um político, estadista, escritor, jornalista, orador e historiador britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial. Acesso: http://pt.wikipedia.org/wiki/Winston_Churchill, em 19/05/2011.

Referências:
ARMSTRONG, Michael. Como ser um gerente melhor: um guia completo de A-Z de técnicas comprovadas e conhecimentos essenciais. Tradução: Nivaldo Montingelli Jr. São Paulo: Clio, 2008.

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Tradução: Pedro Ribeiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

GIRARDI, L. J.; QUADROS, O. J. Filosofia: aprendendo a pensar. 17ª ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.

JO-ELLAN, D.; MAZZARELLA, M. Decifrar pessoas: como entender e prever o comportamento humano. Tradução: Sônia Augusto. São Paulo: Alegro, 2000.


MAILHIOT, G. B. Dinâmica e gênese dos grupos. 3ª ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1976.

MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal. 5ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.

WEISINGER, Hendrie. Inteligência emocional no trabalho: como aplicar os conceitos revolucionários da I.E. nas relações profissionais, reduzindo o estresse, aumentando sua satisfação, eficiência e competitividade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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