quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ORGANIZAÇÕES QUE TREINAM, ORGANIZAÇÕES QUE APRENDEM

Por: Heitor Jorge Lau
Relações Públicas, Pós-Graduado em Gestão de Pessoas e Mestrando em Educação

Palavras-chaves: Aprendizado Organizacional, Programa de Trainee.

INTRODUÇÃO
Este artigo tem a pretensão de transmitir a influência que um programa de trainee exerce sobre a aprendizagem organizacional, a partir da reflexão sobre os parágrafos que descrevem as sete etapas de intervenção de consultoria previstas por Oliveira (2009), as quais podem servir de norteadoras para a sua efetivação.
 “Se puede parafrasear a Churchill advirtiendo a países, regiones, ciudades y organizaciones: ser competitivo o morrir”. BORSIER (2001, p. 24). Esta advertência, mesmo que parafraseada por Borsier, reflete a visão de um consultor que possui a nítida noção do rumo das organizações que permanecerem inertes diante dos efeitos da Globalização, cuja ordem prioritária é: ser competitivo. Para isto, mais do que buscar soluções tecnológicas, mister é tratar de instituir o exercício do aprendizado conjunto. A valorização dos saberes dos colaboradores é recente, porém, a percepção atual atenta para a manutenção dos modelos mentais existentes, através do aprendizado organizacional. As organizações migraram da era industrial para a era da informação, e agora para a era do conhecimento. Adentrar nesta era significa estar preparado ou preparar-se para adotar a aprendizagem organizacional como um sistema de gestão corporativa capaz de proporcionar um diferencial competitivo. Aprender deriva do latim apprendere, e um dos seus significados mais apropriados, neste momento, é apoderar-se de algo. O desafio de absorver o conhecimento alheio é possível através dos modelos propostos por Garvin e Senge, sendo que o primeiro considera a experimentação como o elemento essencial e indispensável para a aprendizagem, e o segundo corrobora, em alguns aspectos, com o primeiro. Adquirir e desenvolver novos saberes, compartilhá-los, multiplicá-los, este é o panorama do cenário atual. Concomitante ao aprendizado organizacional surge o conceito dos Programas de Trainee.

PROGRAMA DE TRAINEE
Um programa de trainee busca fundamentalmente, recrutar, contratar e capacitar jovens recém-formados, e com nítido potencial, para assumirem cargos de gestão estratégica dentro das organizações. O método, quando bem conduzido, proporciona uma reciclagem e ampliação dos saberes existentes na empresa, propiciando assim, um alinhamento da capacidade de trabalho em equipe, da comunicação corporativa, do compartilhamento de idéias e saberes, e da otimização do tempo, ou seja, provoca o aprendizado organizacional.
Conforme Schleh apud Reddin (1981, p. 267),
“A gerência deve desenvolver um horizonte tão amplo quanto seja possível para todas as posições, com marcos que orientem o caminho em vez de cercas rígidas que encerrem o indivíduo numa existência completamente planejada com antecedência”.
Esta citação originalmente redigida por Edward C. Schleh, traduz a importância da busca por novos saberes com o intuito de abandonar, renovar e implementar novas práticas organizacionais. Trata-se de uma reciclagem, que pode ser proporcionada por um programa de trainee. Senge (1990) afirma que todos os problemas que afligem as organizações no presente são oriundos das soluções impingidas no passado. Assim, seria possível interpretar que os gestores que solucionaram problemas anteriores não são os mesmos gestores que herdaram os problemas da atualidade. Por isso, um programa de trainee mantém acesa a possibilidade de encontrar saberes novos, atualizados, recém estudados nas organizações, com capacidade de atender às demandas impostas pela globalização. O êxito de um programa de trainee é determinado por planejamento analítico-sistêmico, sendo que pode ser norteado por sete etapas de intervenção da consultoria, que foram estudadas durante a disciplina de Consultoria em Recursos Humanos. São elas, desenvolvidas por Oliveira (2009): identificação, entrada, auditoria de posição, planejamento, ação, acompanhamento e avaliação, e conclusão.
A primeira etapa, a Identificação, é um “verdadeiro raio X” da organização, um briefing do negócio, repleto de subsídios para a análise contextual do futuro cenário de atuação, indispensável para quem deseja adquirir e promover o sucesso das ações. É importante destacar que estas informações poderão ser utilizadas durante a integração dos trainees selecionados, uma vez que o histórico da organização, sua área de abrangência, produtos e serviços, aspectos culturais, entre outras, devem ser transmitidos.
Na segunda etapa, a Entrada, é preciso delinear os caminhos apropriados a serem percorridos e horizontes a serem alcançados porque dizem respeito à análise dos problemas e dificuldades do ambiente interno-externo da organização. Também significa desenvolver um diagnóstico preciso das aptidões e competências organizacionais que precisam ser desenvolvidas ou aprimoradas, e classificá-las como forças ou fraquezas. Tão importante quanto descobri-las é perceber quais são as causas que as proporcionam. Visa detectar se o ambiente interno é dotado de recursos suficientes para atingir sua missão e seus objetivos no mercado. Este mapeamento propicia uma visão mais precisa sobre os problemas internos e conseqüentes insatisfações dentre os colaboradores, uma vez que as informações coletadas são oriundas de recursos tangíveis e intangíveis, cujo teor origina-se de interações ao longo do tempo de vida da organização.
Questionam-se quais as expectativas com relação ao programa e quais são os resultados esperados. Neste instante é de vital importância a excelência no processo de comunicação, teoria abordada na disciplina de Desenvolvimento Gerencial, porque as dúvidas ou incertezas podem resultar no fracasso parcial ou total do programa, e ainda, gerar um clima de insatisfação entre todos. Por isso que as etapas do ciclo de comunicação – quem emite as mensagens, o formato das mensagens, os canais de comunicação, o código a ser utilizado, os receptores, e principalmente o feedback -, podem determinar o futuro do processo. Também se pactuam os compromissos recíprocos, ou seja, ocorre um comprometimento pela busca dos resultados esperados. Na composição desta etapa, a cultura e o clima organizacional precisam ser percebidos claramente. Os problemas detectados ou diretamente apontados por uma organização podem ser provenientes de desajustes ou incompatibilidades entre a cultura e os mecanismos de gestão adotados, e ainda, de cunho estrito de relacionamento humano. Por isso é tão importante prognosticar soluções quanto diagnosticar problemas. O clima organizacional é reflexo direto das forças e fraquezas mal ou não administradas.
A terceira etapa, a Auditoria de Posição, antevê entrevistas e questionamentos situacionais, que servem para análise e posterior delineamento dos planos de ação. Neste contexto entram em cena os processos avaliativos, pois eles são totalmente orientados para o futuro, ou seja, visam reconhecer, ajustar e determinar as estratégias necessárias para a continuidade e sustentabilidade das ações, proporcionando influentes subsídios de orientação organizacional. Nesta etapa são propiciados momentos reflexivos que possibilitam uma análise da realidade e dos fatos, identificam pontos de mudança, e acima de tudo, as verdadeiras potencialidades de transformação declaradas pela organização e suas respectivas equipes de trabalho. É importante entender que avaliar não significa formar juízo a partir de critérios subjetivos, porque valoração concernente necessita de informação pertinente. E para que a informação seja pertinente ela precisa ser relevante, ou seja, aquela que vai ao encontro dos objetivos desejados. Portanto, não pode ser excessiva e desnecessária ou insuficiente. Cabe ressaltar que não existe ou não deveria haver processo avaliativo sem a finalidade de estabelecer ações transformadoras. Outra questão é verificar as potencialidades dos meios e recursos com relação àquilo que se pretende realizar, as ações devem ser exeqüíveis. Neste momento já é possível desenhar o perfil dos candidatos a serem selecionados – recém graduado, tempo de graduação, graduação, disponibilidade, conhecimento de outros idiomas e quais, competências pessoais (empreendedor, dinâmico, motivado, visão estratégica, comunicador, etc.), e remuneração a ser oferecida. Os futuros trainees precisam ter o perfil ajustado milimetricamente aos objetivos e resultados que se almejam alcançar.
Após as etapas anteriores chega o momento de planejar. O Planejamento visa definir, sob uma ótica cautelosa e metódica, as ações a serem adotadas para a operacionalização do programa de trainee. Este estágio demanda dedicação porque é justamente neste momento que serão definidos cada passo do programa em toda a sua extensão – divulgação, processo de seleção, os personagens do programa, suas obrigações e atividades, timing de atuação, recursos utilizáveis, remuneração, avaliação, tudo, minuciosamente detalhado. Cabe aos envolvidos no processo determinar o ambiente que será divulgado o programa - interno ou externo, e qual o meio de comunicação mais apropriado para efetivar a divulgação. No material de difusão, os meios de inscrição precisam estar explícitos bem como todas as informações necessárias para o completo entendimento do processo – datas, locais, pré-requisitos, etc. Traçar a forma de pré-seleção, as dinâmicas, conteúdos de avaliação, conteúdos de entrevistas e entrevistadores não podem ser negligenciados porque servem de “filtro” para o recrutamento e seleção. Também é importante identificar e nomear o tutor ou tutores, e quais os treinamentos e capacitações mais adequados ao negócio que eles necessitam vivenciar. No programa de trainee deve constar o tempo de desenvolvimento das atividades, ou seja, o tempo de duração. Comumente, um programa de trainee sucede entre 02 ou 03 anos, sendo que no término é recomendável um programa de aperfeiçoamento de competências para aqueles candidatos que ainda estejam despreparados para assumir a função requerida pela organização, porque segundo especialistas, um trainee leva mais 02 ou 03 anos para ambientar-se com o negócio. No decorrer do programa, o trainee deve ser avaliado com uma freqüência coerente as atividades previstas, cujo objetivo é analisar e proporcionar feedback. Alguns consultores recomendam a prática do desenvolvimento e apresentação de um projeto individual no término do programa de trainee, com o intuito de avaliar e perceber os conhecimentos adquiridos no decorrer dos 02 ou 03 anos de aprendizado prático-teórico. O projeto deve estar alinhado com a formação acadêmica do trainee e com o negócio da organização, que seja perfeitamente executável de acordo com os recursos financeiros e humanos da organização, que possa ser colocado em prática em tempo hábil, que propicie aprendizado organizacional, e finalmente, que possa ser avaliado o seu desempenho e capacidade a partir dos conteúdos redigidos. Os avaliadores do projeto precisam, necessariamente, ser protagonistas do programa de trainee para que ocorra uma avaliação totalmente ciente e consciente.
Uma etapa que precisa anteceder o start do programa de trainee diz respeito ao treinamento e conscientização de todos os colaboradores da organização que estarão engajados no desenvolvimento e efetivação das atividades. A expertise oriunda do desempenho da atividade laboral, neste caso, não é o suficiente. Cada personagem envolvido precisa entender a atual conjuntura de um programa de trainee, as intenções da organização e os resultados esperados, os melhores métodos de incentivo ao aprendizado, quais os recursos disponíveis e que devem ser utilizados, técnicas de avaliação e feedback, ou seja, precisam estar preparados para atuarem plenamente no processo. A quarta etapa, segundo Oliveira (2009), é denominada de Ação. Nela também estão previstas a institucionalização do programa a ser implantado e as conseqüentes mudanças decorrentes dele. Moran (1998, p. 19) declara que “Na comunicação compartilho, troco, interajo – ajo em conjunto com – [...]. Essa ação provoca uma ação no outro, que se torna re-ação, ação de volta, que confirma ou neutraliza a minha ação. Se eu me sinto confirmado, tenho a tendência a ampliar a interação [...]”. Portanto, comunicar a organização sobre os fatos que estão por acontecer evita reações de rejeição e principalmente de falta de colaboração, resistências e reflexos típicos do ser humano.
Durante toda a execução do programa de trainee, existe uma etapa denominada de Acompanhamento e Avaliação, que consiste no absoluto controle e avaliação dos resultados obtidos de cada atividade prevista e executada. Esta etapa é de suma relevância porque identifica o grau de entendimento e absorção dos conhecimentos e técnicas transmitidas, o grau de motivação dos tutores e aprendizes, e principalmente, os acertos e erros do programa. Neste caso, ajustes podem ser executados e rumos podem ser redirecionados em tempo hábil. Desta forma, programas futuros adquirem um novo patamar de assertividade. O controle dos resultados é possível devido à constante e contínua avaliação por parte dos envolvidos no programa. A prática da avaliação e acompanhamento exige quatro sensos: utilidade; viabilidade; ética; e precisão técnica. A utilidade parte do princípio que toda avaliação tem serventia enquanto a viabilidade não concerne somente aos aspectos financeiros como também práticos e políticos. A ética deve cerzir a conduta dos avaliadores ao passo que a precisão técnica garante o sucesso de cada etapa. Avaliações fundamentadas pela utilidade, por princípios éticos claros e definidos, e por metodologia técnica apropriada, conduz aos resultados ideais para correção de rumos e reorientação de estratégias. A última característica serve como processo de aprendizagem porque a desconstrução e alinhamento de conceitos induzem à procura de novas perspectivas e idéias, provocando assim, uma práxis constante de reflexão.
A sétima etapa prevista por Oliveira (2009), a Conclusão, prevê, mesmo que temporariamente, o desligamento do consultor do programa. Esta fase faculta ao consultor a percepção das influências e efeitos resultantes do programa. Todo o conteúdo passível de ser assimilado ajuda a organizar e compreender uma quantidade imensa de acontecimentos que não constituem uma realidade concreta. Por isto a sensibilidade é importante nesse momento porque as particularidades da personalidade de cada envolvido no processo podem exercer influência direta nas reações. Isto se traduz em aprimoramento intelectual e cultural, e principalmente, conscientização das limitações da gestão. As observações são pautadas, especificamente, por todas as manifestações provenientes do ciclo de vida do programa de trainee, são subsídios essenciais para a tomada de decisão com relação aos rumos do processo e seus respectivos trainees.
A intersecção teórica das três disciplinas do MBA em Recursos Humanos contribuiu para expressar a importância e a influência que um programa de trainee exerce na aprendizagem organizacional, e a relevância das sete etapas de intervenção propostas por Oliveira (2009) na implantação. Esta proeminência atua como agente de transformação de processos e principalmente de pessoas, força motriz das organizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo aborda de forma muito sucinta a importância da aprendizagem organizacional a partir da implantação de um programa de trainee. Sucinta porque o tema mencionado resplandece em proporções exponenciais quando estudado na íntegra do seu escopo teórico. Partindo da idéia que existe acentuada complexidade nas relações entre as organizações e seus diversos públicos, é oportuno mencionar que as soluções paliativas podem ser encontradas com diversas roupagens e títulos milagrosos. Todavia, para as organizações que procuram uma forma sustentável de competitividade no atual cenário global, permeado de inúmeras incertezas, resta aprimorar os modelos de gestão e desenvolvimento gerencial.
Dentre a teoria básica do desenvolvimento gerencial existe a premissa que o gestor deve construir um ambiente de trabalho favorável ao aprendizado. E, o aprendizado pode ser considerado uma via de mão dupla quando impulsionado por um programa de trainee, uma vez que todos os envolvidos no processo tornam-se aprendizes. Um programa alinhado com a teoria do desenvolvimento gerencial, precisa abarcar conceitos e práticas relacionadas à capacitação de líderes, capazes de ocasionar transformações no ambiente organizacional. Um líder com proficiência para resolução de problemas e com aptidões criativas direcionadas a inovação, impulsiona o grau de motivação das equipes subordinadas, e converte os ânimos em aumento de produtividade.
Mussak (2003, p. 29) afirma que “engana-se quem diz que o homem é um animal que aprendeu a pensar. Na verdade, ele continua aprendendo a pensar”. Assim, é possível considerar que o pensamento transcende as barreiras da biologia e percorre os caminhos da convivência, da experimentação. A experiência é latente nos programas de trainee, geram interação e influência recíproca, causando impactos em todas as áreas da organização. Após estudar as disciplinas citadas na introdução deste artigo, é conveniente citar o que Carlos Drummond de Andrade disse certa vez, de forma sábia: ”O problema não é inventar. É ser inventado hora após hora, e nunca ficar pronta nossa edição convincente...”. Isto significa que o aprendizado organizacional figura neste contexto, não como uma alternativa, mas sim, como o caminho mais concreto na busca por uma gestão sustentável. Por sua vez, o programa de trainee, este sim, figura como alternativa de uma ferramenta transformadora do enfoque simplista da gestão mecanicista em aprendizado organizacional.

REFERÊNCIAS

BOISIER, Sergio. Sociedad del conocimiento, conocimiento social y gestión territorial. In: BECKER, Dinizar F; BANDEIRA, Pedro S (org). Desenvolvimento local-regional: respostas regionais aos desafios da globalização. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002. p. 15-68.
DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial: como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Tradução: Lenke Peres. 3. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
MORRAN, José M. Mudanças na comunicação pessoal: gerenciamento integrado da comunicação pessoal, social e tecnológica. São Paulo: Paulinas, 1998.
MUSSAK, Eugenio. Metacomptência: uma nova visão do trabalho e da realização pessoal. São Paulo: Gente, 2003.
OLIVEIRA, D. P. Manual de Consultoria Empresarial. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
REDDIN, William J. Eficácia Gerencial. Tradução: Francisco Pisa. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 1981.
SENGE, Peter M. A quinta disciplina: a arte, teoria e prática da organização de aprendizagem. Tradução: Regina Amarante. 12. Ed. São Paulo: Best Seller, 1990.

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