sábado, 11 de junho de 2022

Um processo que está fadado a continuar fracassando por excesso de arrogância

 

Até meados do final do século 20, um cidadão procurava um novo trabalho nos jornais e agências de emprego, levava pessoalmente o seu currículo em papel para o setor de recursos humanos da empresa e depois era submetido a testes e entrevistas. Com a internet, o envio do currículo passou a ser por e-mail, mas o restante do processo não mudou muito. Mas agora quase tudo é online, da inscrição à aprovação ou recusa. As plataformas de recrutamento, com ferramentas que automatizam algumas das etapas, sem dúvida deixaram tudo mais eficaz e pragmático, mas nem tudo é tão perfeito quanto muitos pensam (e não são os candidatos).

Nas redes sociais (e pessoalmente com quem converso), participantes de seleções reclamam ao usar serviços do gênero. Entre os pontos criticados estão a demora ou inexistência de comunicação para informar que o candidato foi reprovado; testes longos, complexos ou pouco alinhados com as requisições da vaga; longas fichas de cadastro com perguntas pessoais demasiadas; incoerências na forma como os profissionais pontuam nos testes; e e-mails escritos com erros, com erros de dados pessoais ou incoerentes com a situação da pessoa.

Os comentários trazem experiências ruins como: “passei um ano amargando com esses testes. Um dos testes era um GMAT (teste usado para fazer MBA nos EUA), e outro de português eram questões baseadas no livro 'Dom Casmurro'. Eram perguntas de vestibular para Fuvest (universidade de São Paulo), sendo que a vaga desse último teste era de atendimento, para ganhar R$ 2.000 [por mês]", respondeu uma profissional candidata.

O diferencial desses serviços em relação aos modos anteriores de recrutamento e seleção pode ser resumido em duas palavras: inteligência artificial. O termo, excessivamente usado hoje em dia, pode significar muitas coisas, mas no caso é um algoritmo feito para automatizar alguns processos, principalmente a triagem de currículos e o ranqueamento dos “melhores” candidatos. O objetivo é criar um "match" entre candidato e empresa recrutadora de forma similar ao do aplicativo de namoro Tinder: se a empresa gostaria de ver profissionais com certas características, o programa vai fazer um megafiltro para apresentar apenas os que cumprem esses requisitos.

O uso de inteligência artificial leva a algumas questões. Quais são os critérios que orientam a seleção? Como sabemos que o algoritmo escolhe de fato os melhores candidatos e não comete erros? Como temos certeza que não existem vieses neste julgamento? Das críticas apontadas nas redes sociais, até que ponto a responsabilidade é das plataformas ou das empresas recrutadoras? Será que elas têm seguido a Lei Geral da Proteção de Dados (LGPD) e tratam devidamente os dados pessoais dos candidatos sob o consentimento deles?

O recrutamento automatizado de plataformas de RH é apontado como um dos motivos do desemprego de pessoas capacitadas, afinal, critérios curriculares como lacunas de tempo sem emprego de tempo integral viram pretexto para rejeitar candidatos com experiência adequada à vaga.

Pelo menos no discurso as startups afirmam se importar tanto com seus clientes quanto com os candidatos e tentam evitar a chance de enviesar o recrutamento. Parabéns para estes empreendedores que, pelo visto, estão anos luz a frente das empresas que juram de pés juntos que sabem contratar. As startups querem que a experiência do candidato também seja incrível durante todo o processo. Porque, quando uma pessoa tem um contato negativo com uma empresa, ela vira uma detratora, não vai recomendar aquela marca para os amigos, no futuro. Se o recrutador souber as características das pessoas que está buscando, é possível ignorar dados como faculdade em que os candidatos estudaram (ou idade, ou cursos, etc.) e tomar uma decisão mais assertiva.

Talvez em teoria, utilizar a identificação complexa de padrões e indicadores para prever se uma pessoa se adequa à empresa é um objetivo eficiente. Mas a tecnologia não consegue considerar fatores de cultura organizacional, machismo, racismo e capacitismo que afetam as pessoas no dia a dia. Então reproduzir grandes bases de dados costuma não ser uma boa ideia quando se fala sobre seres humanos. Aliás, muitas empresas discursam magnificamente sobre a importância das relações humanas, mas na prática, destoam. Enfim, não é à toa que o “entra e sai” nas empresas é infindável e, pior, custa caro. E... se o candidato obter êxito na etapa automatizada: prepare-se! É de ficar boquiaberto presenciar as perguntas dos “profissionais que fazem as entrevistas” – Você gosta de fazer horas extras? – Você gosta de trabalhar em equipe? E aí vai... Perguntas muito espertas! Depois a culpa é do governo, da economia, do covid.........

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