terça-feira, 27 de setembro de 2011

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL versus CONCERTAÇÃO SOCIAL

Por Heitor Jorge Lau
Relações Públicas, Pós-Graduado em Gestão de Pessoas
Mestrando em Educação 
 
O cenário econômico estabelecido acena um futuro pouco promissor para os cidadãos que se enquadram nos índices de baixa renda, uma vez que o atendimento das demandas sociais, a geração de postos de trabalho e a geração de rendimento encontram-se em constante declínio. O resultado desse fenômeno não poderia ser outro se não o aumento das desigualdades sociais. Esse cenário surgiu na década de 80, após um longo período no qual o Estado era o principal agente regulador e fomentador do bem-estar social e econômico do país (CABRAL, 2005). A degradação dos serviços essenciais básicos da população, principalmente mais carente, tomou proporções mais acentuadas devido à herança de um sistema de gestão pública desestruturado. Essa crise, por assim dizer, instigou, no início da década de 90, um debate na sociedade brasileira sobre a possibilidade de descentralização do atendimento das demandas sociais, políticas e econômicas, visando o “envolvimento da sociedade civil no processo de desenvolvimento” (BANDEIRA, 2000). A partir dessa situação os programas de responsabilidade social empresarial – RSE passaram a ser pauta constante das agendas empresariais despontando com soluções amenizadoras dos problemas de ordem social (MELO NETO e FROES, 1999).
Nesse contexto, os movimentos das empresas foram de duas ordens: i) empresas que construíram programas de responsabilidade social; e ii) empresas que se centraram em ações filantrópicas.
As ações filantrópicas caracterizam-se como prática de filantropia empresarial, neste caso, denominado de Marketing Social. Mas, a filantropia empresarial, conforme alguns autores, não é reconhecida como responsabilidade social, porque a ação é caracterizada por doações de produtos ou recursos financeiros, visando principalmente a promoção da imagem institucional (FREY e FREY, 2006). Essa forma de intervenção social é questionada por Baldissera e Sólio (2005) porque se trata de ações descontinuadas, o que não particulariza uma empresa cidadã.
A filantropia jamais é utilizada como uma ação de marketing, pois é vista como o exercício de um mecenato. Cremos, no entanto que muitas empresas utilizam a prática do que denominamos de marketing de filantropia, cuja ênfase é a doação de equipamentos como estratégia de promoção de produtos e marcas. (MELO NETO e FROES, 1999, p. 158)
Já um programa de responsabilidade social empresarial, quando bem articulado, contém em seu escopo de atuação uma fase que prevê a capacitação de gestores sociais locais com o intuito de transferir, em determinado momento, o controle da gestão à comunidade atendida. Essa etapa, que pode ser entendida como participação da comunidade na intervenção social, objetiva a continuidade das ações de forma independente do grupo mantenedor (GIFE, 2002).
Bandeira (2000, p. 61) destaca a relevância da prática participativa ao afirmar que ela:
deve, portanto, ser vista – por vários motivos – como um instrumento importante para promover a articulação entre os atores sociais, fortalecendo a coesão da comunidade, e para melhorar a qualidade das decisões, tornando mais fácil alcançar objetivos de interesse comum.
A partir desse processo ocorre um aumento do capital social local porque proporciona aos membros de uma mesma localidade, um incremento nas potencialidades de transformação endógena. Dallabrida (2000) salienta que a tendência é de que cada região transforme-se em protagonista do desenvolvimento regional e que a consecução dessa propensão depende da habilidade da comunidade em construir política e socialmente a sua localidade. Barquero (2001) corrobora com esse conceito ao afirmar que o desenvolvimento endógeno sucede a participação da comunidade na construção e execução de ações voltadas a atender às carências dos habitantes locais. Salienta ainda que “o território é um agente de transformação e não mero suporte dos recursos e atividades econômicas” BARQUERO (2001, p. 39).
Capital social pode ser entendido como a aptidão que uma comunidade possui em tecer a união de esforços entre cidadãos, em prol de objetivos comuns e de interesse comunitário, visando o desenvolvimento local. Cada indivíduo possui sua própria rede de relacionamento, portanto, ao conciliar interesses com outro, o capital social da localidade onde reside também é ampliado (RAMOS e VALENTIM, 2006). Segundo Bandeira (2000), esse aspecto é o que determina e justifica as diferenças econômicas regionais. Quanto maior for o volume de capital social, maior será o grau de eficiência de uma comunidade no que diz respeito à execução de suas ações sociais.
Bandeira (2000, p. 33) faz uma relação entre a participação e capital social que consiste no seguinte:
o capital social – que é composto por um conjunto de fatores de natureza cultural que aumenta a propensão dos atores sociais para a colaboração e para empreender ações coletivas – constitui-se em importante fator explicativo das diferenças regionais quanto ao nível de desenvolvimento.
O capital social implica em concertação social que é interpretada por Dallabrida (2006) como sendo o protagonismo da sociedade civil no processo de desenvolvimento territorial. Isso significa que a comunidade age em vários estágios, desde a construção até a gestão do seu desenvolvimento social e econômico, a partir das suas potencialidades particulares. Franco (2000) fortalece essa afirmação considerando que ao dinamizar as potencialidades de uma comunidade o resultado pode ser visualizado por intermédio da prosperidade resultante.
Assim, a relação entre capital e concertação social provoca uma transformação social, política, econômica que representa o desenvolvimento regional, ora entendido como um processo de mudanças de ordem qualitativa, ocorridas numa determinada comunidade, num determinado espaço de tempo. A prática da RSE não pode servir meramente como artifício de promoção institucional ou engodo para atrair investimentos públicos e privados ou mascarar interesses fiscais. Portanto, a gênese de qualquer intervenção social deveria preconizar a concertação social através do reconhecimento e incremento do capital social existente no local. 


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