quinta-feira, 23 de maio de 2024

O NATURAL HÁBITO DE RECLAMAR DO SER HUMANO

 

MAIS COMPREENSÃO. MENOS DESENTENDIMENTO.

    Na quarta-feira, 22 de maio de 2024, ao ler o texto intitulado “Viramos uma geração de jurados” de Nicole Rieger - Jornalista e Mestre em Leitura e Cognição -, eu senti um impulso de parabenizar o enfoque (totalmente realista e sensato) e corroborar com mais algumas palavras. A brilhante leitura de mundo da autora reflete o atual estado emocional alterado (ou moldado) da sociedade e que se desenvolve em ritmo cada vez mais acelerado. Em qualquer mídia que permita a expressão estritamente pessoal é perceptível a aparente ausência de bom senso, impaciência e crítica negativa gratuita. A pergunta que não quer calar é: qual a construção que tal verborragia provoca além da ansiedade e estresse público.

 

    Muitos meios de comunicação (não todos) desempenham um papel significativo na maneira como as pessoas percebem e expressam suas queixas, ainda mais no período que tudo, aparentemente, parece girar em torno de disputas político-partidários. A mídia (radiodifusão, televisão, YouTube, redes sociais...), seja ela qual for, pode influenciar a tendência das pessoas a reclamar e por conseguinte julgar. A intensa exposição a conteúdos negativos como notícias e programas que focam em eventos negativos, como crimes, desastres e problemas sociais podem levar as pessoas a adotarem uma visão mais pessimista do mundo e a expressarem suas frustrações de forma mais frequente. É óbvio que aquilo que acontece no mundo deve ser retratado, contudo, desmunido de sensacionalismo e intensidade exacerbada.

 

    A cultura da indignação amplamente expressa nas redes sociais, por exemplo, amplificam ainda mais os sentimentos de indignação e incentivam a expressão de queixas emocionalmente carregadas de repúdio, criando uma cultura onde reclamar e julgar é uma resposta comum e considerada obrigatória. As comparações sociais evocadas nas redes sociais podem criar comparações constantes entre as vidas das pessoas. O efeito imediato - diante de apenas os aspectos positivos da vida de outros - é o intenso sentimento de insatisfação com a própria vida, levando a um aumento nas reclamações e julgamentos oriundos do mais profundo imaginário mental. No fim das contas os discursos não passam de uma válvula de escape emocional, onde reclamar e julgar (e condenar) pode acabar se transformando na maneira de liberar tensões e frustrações acumuladas. Mesmo quando as queixas parecem triviais ou infundadas, elas podem servir para aliviar o estresse e a ansiedade pessoal.

 

    As narrativas sensacionalistas sempre estiveram presentes nos noticiários e canais do universo do ciberespaço. Porém, a busca ilimitada e infindável de audiência tem gerado o uso de narrativas sensacionalistas que exacerbam problemas e até mesmo criam crises onde elas não existem. Isso pode influenciar a percepção das pessoas sobre a gravidade de certos problemas e aumentar a tendência a reclamar, julgar e condenar. Um detalhe que passa despercebido é o feedback imediato e amplificado dos acontecimentos. As plataformas digitais oferecem feedback imediato. A reclamação online pode rapidamente receber respostas de outras pessoas, o que pode reforçar o comportamento julgador ao sentir que suas opiniões são validadas e compartilhadas. Esta “conexão social”, em muitos casos, enaltece o ato de reclamar e julgar como uma forma de criar laços, gerando um sentimento de camaradagem e compreensão mútua.

 

    A modelagem de comportamento imposta por personalidades da mídia, influenciadores e figuras públicas que frequentemente expressam queixas cria uma norma onde reclamar e julgar se torna uma parte aceitável e até esperada por parte dos seguidores. Este modelo aceito por milhões de pessoas não passa de uma polarização política e social, encorajando as pessoas a se posicionarem fortemente contra o lado oposto (não importa qual... com ou sem motivo... com ou sem sentido). Esse ambiente polarizado aumenta a frequência e a intensidade das reclamações e julgamentos, pois as pessoas se sentem compelidas a expressar suas insatisfações de forma mais veemente. A forma como o modelo é imposto sempre envolve fatores psicológicos. Certas personalidades com tendência ao pessimismo ou com baixa resiliência emocional (que focam mais nos aspectos negativos da vida) podem ser mais propensas a serem influenciadas.

 

    A legião de “reclamões” e “juízes” têm uma imensa e crescente necessidade de controle. Isto mesmo! Controle. Reclamar pode dar às pessoas uma sensação de controle sobre as situações. Ao vocalizar suas queixas, elas sentem que estão tomando uma atitude, mesmo que não resolvam o problema. Julgar sem saber é um hábito que muitas vezes surge de preconceitos, falta de informação ou simplesmente da tendência humana de simplificar situações complexas. Esse comportamento pode ter várias consequências negativas, tanto para quem julga quanto para quem é julgado.

 

    Enfim, julgar compulsivamente é um hábito que todos deveriam trabalhar para superar. Ao adotar uma postura mais empática, informada e aberta, é possível melhorar as relações interpessoais, promover a justiça e enriquecer o entendimento do mundo (e existe muito para entender). A mudança começa com a consciência dos próprios preconceitos e a disposição de buscar o entendimento antes de julgar. Para mitigar esses efeitos, é importante que as pessoas desenvolvam uma consciência crítica em relação ao consumo de informações midiáticas, busquem fontes de informação equilibradas e pratiquem a gratidão e a resiliência emocional. Isso pode ajudar a contrabalançar a tendência de focar excessivamente nos aspectos negativos da vida e a expressar reclamações e julgamentos com tanta frequência. O mundo necessita mais (e urgente) de compreensão, empatia, solidariedade e soluções. O mundo necessita menos (e urgente) de raiva, rancor, reclamação e julgamentos.

                                                                            

                                                                                 Heitor Jorge Lau - Estudioso da Neurociência

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