segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

O CÉREBRO DA RAZÃO E DA EMOÇÃO: DUAS ENTIDADES INTERDEPENDENTES

 


“Louco não é o homem que perdeu a razão.

Louco é o homem que perdeu tudo menos a razão.”

Aforismo dito por G. Chesterton, escritor britânico falecido em 1936.

 

O louco age como uma máquina cuja racionalidade é privada de emoções e de afetos... beira a psicopatia. No século passado os cientistas cognitivos tentaram separar a razão da emoção. Não se tratava, entretanto, de pura e simplesmente negar a existência das emoções. Separar a razão das emoções era um preceito metodológico, a ideia de estudar a cognição humana por partes. Primeiro modelar o raciocínio, depois, acrescentar as emoções. Essa era a ideia do modelo computacional da mente. Na filosofia, uma teoria computacional da mente denomina uma visão de que a mente humana ou o cérebro humano (ou ambos) é um sistema de processamento de informações e que o pensamento é uma forma de computação. Tal teoria foi proposta (em sua forma moderna) por Hilary Putnam (1961) e pelo cientista cognitivo Jerry Fodor. Todavia, seria esse o caminho adequado? Essa trajetória foi interrompida em 1994, com a publicação do livro O Erro de Descartes, redigido por Antonio Damásio (neurobiólogo), que, rapidamente, ultrapassou os muros da academia para se tornar um best-seller internacional.

No livro, a argumentação era que a razão não poderia ser separada das emoções. A sua objeção era contundente. Não se tratava apenas de objetar a receita metodológica dos cientistas cognitivos. Damásio mostrou que a razão e a emoção estão indissoluvelmente associadas e que na verdade não há raciocínio numa forma pura, independente, a não ser que se cometa o erro de Descartes, ou seja, separar mente e corpo como se fossem substâncias distintas. Em outras palavras, a razão só é racional se ela for permeada pelas emoções. Nas últimas décadas, a ciência cognitiva, impulsionada pelo florescimento da neurociência, praticamente abandonou o modelo computacional da mente. Ele é um bom modelo para construir inteligências artificiais, mas não para explicar o modo como os seres humanos pensam e agem.

Ninguém pode existir desmunido de emoções. Essa constatação fundamental abre para a neurociência e para a ciência cognitiva uma via nova, na medida que leva em conta o papel fundamental das emoções na vida cerebral. A razão e a cognição não podem se desenvolver e exercer suas funções normalmente se não forem sustentadas pelos afetos. Para pensar, conhecer, é preciso que as coisas tenham um peso e um valor. A indiferença emocional anula o relevo, apaga a diferença das perspectivas... nivela tudo. Privado de seu poder crítico, sua capacidade de discriminar, diferenciar, que se origina da emoção, o raciocínio se torna raciocínio a sangue frio, não raciocina mais. Consciência e emoção não são separáveis. As funções cognitivas de alto nível como a linguagem, memória, razão e atenção estão ligadas aos processos emocionais, especialmente quando se trata de questões pessoais e sociais que envolvem risco. Estudos recentes com crianças abandonadas mostram que a privação de afeto causa graves atrasos psicomotores.

A busca pela compreensão de si mesmo é um dos propósitos mais antigos da humanidade. Seja no âmbito do senso comum, filosófico ou científico, o ser humano procura explicitar as suas características, semelhanças e diferenças com os demais entes e as suas relações com o meio em que vive. Em grande parte destas investigações entende-se que os seres são constituídos de cognição, emoções e ações em constante interação. Embora possuam semelhanças, as perspectivas apresentam inconsistências, divergindo, por exemplo, na natureza das interconexões ou nos portadores destes elementos. Neste último caso, muitas abordagens consideram unicamente os humanos como detentores da cognição e emoção, assegurando-lhes a exclusividade da ação moralmente avaliável. Em outras abordagens, animais não humanos ou sistemas como robôs poderiam, de um modo ou de outro, possuir cognição, emoções e, assim, de alguma forma, ser considerados agentes morais. Enfim, não é preciso ser PhD em Neurociência para se chegar a conclusão que a razão e emoção se completam.

 





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