segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

CONSCIÊNCIA DO CRUEL SIGNIFICADO DA VIDA

 


         O HOMEM, O MUNDO E O NADA

No princípio, nosso planeta era o centro do Universo. Ora, o ser humano era a obra prima de um Deus todo poderoso que o amava — nada poderia ser mais justo! Depois de muito tempo, vieram os astrônomos da Idade Média, que abalaram os alicerces do pensamento geocêntrico da época, demonstrando que a Terra não era o centro de coisa alguma — é ela que gira em torno de um Sol, e não o contrário. Além disso, não há apenas o planeta Terra — há vários outros também. Isso diminui um pouco o seu valor, mas não há problema, pois o sistema planetário é tudo o que existe. Ponto! Teria sido bom para o ego da raça humana se todas as descobertas se resumissem a isso, mas não foi o que aconteceu. Agora se sabe que as estrelas que, à noite, são percebidas no céu, são outros sóis. Assim, o sistema planetário deixou de ser o único, pois há muitas outras estrelas com muitos outros planetas girando em seu redor.

Mas, na verdade, não são apenas muitos sóis: são muitíssimos. De fato, são bilhões de sóis! Esse é um número tão absurdo que sequer é possível imaginar o seu significado. Contudo, tal número faz de tudo e de todos algo muito, realmente muito pequeno, infinitamente pequeno. E isso tudo fica ainda pior quando o ser humano chega à conclusão que é muito menor do que poderia imaginar. Toda essa grandiosidade colossal está contida em apenas uma galáxia, e choca-nos pensar que, além desta, há mais 100 bilhões de galáxias, com aproximadamente outros 100 bilhões de sóis em cada, e estes, talvez, sendo orbitados por muitos e muitos planetas. No mínimo, é um tapa na cara de nossa arrogância terráquea. Quem, diante disso, disser que representamos um grão de areia, estará fazendo um elogio desmedido.

Contudo, os cientistas não olharam apenas para fora da Terra. Também se voltaram para si mesmos, colocando o homem na condição de objeto de estudo. Assim, paralelamente às descobertas da Astronomia, as da Biologia vieram para terminar de dinamitar o pequeno resto do orgulho do ser humano. Os estudiosos da fisiologia e anatomia humanas já nos destrincharam por inteiro. Não há magia alguma — somos somente animais... máquinas biológicas. Não encontraram alma nem espírito, só vísceras. O coração não tem sentimentos — não passa de um músculo. Os sentimentos, tão sublimes, são meras reações físico-químicas do cérebro. A personalidade, tão cultivada e valorizada, julgada indestrutível, é tão frágil quanto a disposição de todos os neurônios — um pequeno dano, e a pessoa que um foi deixa de existir.

A espécie humana, como qualquer outra, não passa de uma variedade de robô biológico comandado por moléculas de DNA. Vive num mundo que é uma ficção subjetiva, uma representação mental perdida entre inúmeras, infinitas perspectivas possíveis. Os sentidos só enxergam a superfície de um ângulo da realidade e, para eles, todo o resto é negro e impenetrável. Não é possível abrir as cortinas da realidade para olhar o que está por detrás das aparências. Tudo o que se pode conhecer é tão somente tudo aquilo que se pode tatear, às escuras, com as frágeis e trêmulas mãos do intelecto. Todo o conhecimento, desse modo, não passa de uma sofisticada suposição. Nunca haverá quaisquer certezas plenas a respeito de quaisquer assuntos. Buscar verdades absolutas racionalmente é uma ingenuidade, é como correr de modo desesperado a fim de alcançar o horizonte — o anseio por tais verdades, ao contrário do que gostaríamos de acreditar, não nasce da busca pelo conhecimento, mas da busca pela paz de alma.

E quem ainda pensa que, ao buscar o conhecimento, está lutando por uma causa supostamente nobre, está a enganado, pois isso não passa de auto bajulação. A nobreza não existe! Lutamos porque queremos, lutamos para nada e, no fim, nos tornaremos nada. É essa a estranhíssima realidade em que nos vemos imersos. Por bilhões de anos, fomos poeiras. Mas, de algum modo, há mais ou menos 3,5 bilhões de anos, essa poeira acordou. Foi transformando-se ao longo das eras, até que, num certo momento, essa poeira criou consciência de si mesma — o pó viu que era homem. E esse homem, por sua vez, viu-se num mundo insólito, sem razão de ser. Então percebeu o absurdo que representava o próprio fato de ele existir. Como passageiro de um trem que, inexoravelmente, conduz ao abismo do nada, o homem, atônito, pergunta-se: mas por que aqui, por que agora? E, frente a tais perguntas, o universo permanece mudo. Pergunta-se, depois: que é a vida?

Aparentemente, nada mais que uma longa sucessão de eventos casuais que, por fim, deram luz a máquinas programadas cegamente com precisão assassina, e com isso a eficiência impassível veio a tornar-se o objetivo de um mundo sem objetivo. Podemos então pensar: o que sou eu? E é simples: somos a máquina de sobrevivência modelo Homo Sapiens. Quando se para para pensar nisso tudo detidamente, a perplexidade se apodera da consciência. Ficamos estáticos, sem saber muito bem o que pensar. Então vem a aflição e, se conseguirmos ainda preservar nossa lucidez diante disso tudo, quanto mais nos aprofundamos nessa análise, mais essa angústia cresce dentro de nós. Como se estivéssemos sonhando, às vezes parece que vamos despertar dessa realidade fria e absurda — algo em nós reluta em admitir que isso é tudo o que há para ser vivido.

Nossa esperança sempre tenta nos persuadir a reinterpretar o que nossos olhos nos dizem, mas todas as manhãs acordamos e vemos que tudo isso é real, inescapavelmente real. Entre tais pensamentos, a realidade ao redor simplesmente paralisa. A vida fica em suspenso, e surge a esmagadora consciência de que nada disso que estamos vivendo tem sentido — a existência humana como a mais vazia contingência. É insólita demais a ideia de que estamos vivendo apenas porque “acontecemos”. A humanidade, nessa corrida frenética, buscando felicidade, dinheiro, sucesso, avanço, glória, poder, conhecimento; a imensa competitividade, que cresce a passos largos, movendo cada vez mais rapidamente as engrenagens do mundo; e, ainda, nós próprios, lutando, debatendo-nos nesse formigueiro de gente chamado Terra — tudo isso para chegar a lugar nenhum. Parece uma grande loucura. Por que, quando pensamos nisso tudo, nos vem essa sensação de paralisia, de vazio, de ausência de referencial? Há uma dolorosa razão para isso: são exatamente as ilusões que alimentam nossas motivações. Todo e qualquer objetivo que imaginemos é racionalmente injustificável em si mesmo. É da paixão por nossas ilusões que extraímos nossas forças. Quando compreendemos tais coisas pelas primeiras vezes — pois realmente não é fácil nos acostumarmos com elas —, é natural sentirmos certo abatimento, certo descompasso, pois a compreensão dissipa, por algum tempo, a força de nossas ilusões.

A razão, de certo modo, tem a capacidade de “dissolvê-las”, ainda que só temporariamente — mas não é algo pelo qual deveríamos lamentar. Ainda assim, tal dissolução de ilusões é prerrogativa de apenas alguns poucos indivíduos em certas condições bastante privilegiadas: somente quando nos tornamos suficientemente plenos, livres e corajosos para sermos capazes de prescindir de nossas ilusões. Isso porque, quando necessárias à nossa subsistência, as ilusões tornam-se inabaláveis, imunes a quaisquer argumentos. Mentiras metamorfoseiam-se em verdades quando delas precisamos. Ninguém questiona o valor da vida numa casa em chamas; um faminto nunca questiona o valor do alimento — seja este da alma ou do corpo. Como vimos, não é a razão que, no mais das vezes, nos diz o que fazer — ela apenas nos diz como fazer. A razão não pode decidir nada puramente, sem uma vontade dionisíaca por detrás lhe dizendo o que fazer. Assim, podemos dizer que, à parte o conhecimento objetivo, o resto de nossas opiniões e de nossas crenças não é racional em sua gênese.

Nossa “filosofia de vida”, na prática, consiste apenas de uma racionalização de nossas necessidades humanas — e tentamos, através disso, justificar nossas ações, dando-lhes uma máscara de racionalidade. Porém, por detrás de todos os nossos raciocínios, esconde-se a sombra irracional de nossos preconceitos e paixões inconscientes. Desse modo, é inevitável que sejamos seres necessariamente superficiais, pois nossa subsistência fundamenta-se no autoengano. O fato é que, se nossa significância fosse proporcionalmente dosada às crenças que precisamos nutrir para nos sentirmos motivados, seríamos todos deuses — e que melhor exemplo poderíamos encontrar desse fenômeno que as religiões? Nossas ilusões de significância precisam ser constantemente alimentadas por razões que ignoram a própria razão, apontando diretamente para nossas necessidades de autopreservação.

Nessa perspectiva, podemos dizer que o esquecimento, às vezes, representa uma dádiva, pois seria simplesmente impossível convivermos com a constante companhia dos paralisantes fantasmas do vazio. Não pretendemos, portanto, promover o aniquilamento generalizado de todas as nossas ilusões. Não pretendemos extirpá-las porque isso não é possível — e tampouco desejável. Sem essas pequenas mentiras, a vida não passaria de uma enfadonha tragicomédia. Estamos apenas tentando delinear certas fronteiras. Estamos tentando, na medida do possível, manter a distinção entre a subjetividade e a objetividade, visando, com isso, duas coisas: compreender o que somos realmente e, assim, aprendermos a lidar com nossa natureza de modo objetivo e eficiente, chegando o mais próximo possível de nosso ideal de vida — seja este qual for.

E, por outro lado, também desejamos evitar o dogmatismo, o misticismo e toda cegueira de origem afetiva que paralisa o progresso do conhecimento humano. A busca pelo saber científico deve ser feita com os pés muito firmemente presos ao chão, sempre com o máximo de objetividade, para não se perder de vista — inflados por ilusões antropocêntricas — a realidade da condição humana. Essa separação é importante porque sempre que místicos investem em seu amor não correspondido com a lógica, o resultado é um deplorável atravancamento do progresso do conhecimento. É um erro tendencioso partir de desejos interiores, de crenças, e então passar a procurar por uma correspondência na realidade. Se quisermos ser imparciais, devemos sempre ter a honestidade de partir apenas dos fatos objetivos — e não de nossos sonhos metafísicos — para inferir o que é real. Ao longo da História até os dias de hoje, sempre se tentou comprovar a veracidade das crenças religiosas — e sempre se falhou. Mesmo assim, elas subsistem, conservando toda a sua vivacidade — e isso não é nenhuma surpresa.

Todo tipo de crença mística pode prescindir da verificação exatamente porque possui uma existência que é autônoma, independente da razão, independente dos fatos. Desse modo, cumpre entendermos que a função de todas as crenças místicas, religiosas e transcendentais é simplesmente satisfazer as necessidades afetivas do ser humano. Deus, bem-aventurança, transcendência, elevação, nirvana, paz espiritual, reino dos céus, contato com Deus — isso tudo são coisas tão verdadeiras quanto um poema de amor. Ser um “filho de Deus” é um estado de espírito, um sentimento, é algo que se vive, não algo que se prova cientificamente. Crenças desse gênero servem para proporcionar bem-estar e segurança, para reduzir a ansiedade através de respostas definitivas sobre o mundo, sobre a moral, sobre a vida... Contudo, parece que a maior parte dos indivíduos ainda não tomou consciência de que a felicidade que uma crença proporciona não pode assegurar sua veracidade. Como podemos perceber, quando analisamos e entendemos uma ilusão racionalmente, quando a tiramos de seu pedestal mágico, ela perde muito de sua força, a qual residia exatamente na incompreensão ou em seu caráter inquestionável.

Esse tipo de honestidade, quando voltada à existência como um todo, faz com que, passo a passo, tomemos consciência de nossa completa insignificância — e, depois de tê-lo feito, dificilmente conseguimos voltar ao que éramos. O esclarecimento é um caminho que, além de penoso, é sem volta — daí ser trilhado por tão poucos. Por nossa própria integridade, fomos reduzidos da coroa da criação a um ponto infinitesimal que não é útil nem inútil — que simplesmente não importa. Sem dúvida, ainda podemos dar algum sentido às vidas, mas nosso senso de importância foi irreparavelmente abalado pelos rudes golpes da ciência. E, na verdade, o que ela atingiu foi apenas a parte dele que havia sido inflada por devaneios antropocêntricos, pois o fato é que nunca fomos importantes. Ela só nos pegou de surpresa, pois era impossível imaginarmos que todos nós somos tão pouco. Lançamos nossas esperanças ao desconhecido e fomos vítimas de nossas próprias expectativas. Agora colhemos a frustração e o desapontamento de nada daquilo que sonhávamos ser real.

Muito bem, aqui estamos nós, solitários, no deserto inóspito que se oculta por detrás de nossas ilusões. A diferença está no fato de que nós, ateus e livres-pensadores, somos capazes de sobreviver sob tais condições. Suportamos tamanha aridez sem invocar consolos em realidades paralelas, onde seremos recompensados post mortem por todas as nossas infelicidades e frustrações. Da vida, não esperamos nada além da vivência, e poucos são os que compreendem quanta coragem está contida na lúcida afirmação de que nossa vida não é senão um efêmero lampejo — quem disso ri, pouco compreende de si mesmo e do mundo em que vive. Sim, somos humildes, mas apenas porque somos honestos, não porque somos obedientes. Nossa pequenez não é virtude — são os fatos. Nós somente admitimos o que vemos — nossa incomensurável insignificância frente ao existente. É uma situação que tem um gosto acre, e o sabemos muito bem. Mas o que poderíamos fazer?

Não podemos permanecer crianças para sempre. O infantilismo místico tem de ser superado se não quisermos passar o resto de nossas vidas imersos num oceano de sonhos falsos. É certo que esse entendimento da realidade, além de penoso, não é muito intuitivo. É por isso que só intelectualmente, através de uma reflexão séria, o homem se vê diante de tais conclusões. Apenas assim apreende o enorme vazio que é a existência — e é precisamente isso que faz surgir nele a consciência de que sua liberdade é absoluta. O fato é que, nessa situação, o homem se vê isento de qualquer responsabilidade em toda perspectiva que puder imaginar. Simplesmente não há autoridades — nenhuma. Não há deveres — nenhum. Não há bem e não há mal. Não há melhor nem pior. Não há certo nem errado. Afinal, que é um ser humano senão um aglomerado de átomos que sabe que existe? Uma máquina sozinha no mundo, ciente de que existe e de que, um dia, deixará de existir?

Ora, se há algo certo, é que estamos todos condenados a inexistir. E, quanto a isso, não importa o que fazemos de nossas vidas. É de todo irrelevante se durante ela fomos ateus ou crentes, bondosos ou maldosos, esforçados ou indolentes, honestos ou hipócritas, egoístas ou altruístas. Todos nós, um dia, seremos despojados de nossas faculdades. Nosso “eu” será suprimido da existência e nosso corpo se converterá em ausência — e, não muito tempo depois, sequer restarão memórias do que fomos. Se quisermos imaginar como é inexistir, só precisamos tentar nos “lembrar” de quando ainda não havíamos nascido — é como um sono eterno, sem sonhos. Não haverá recompensas no fim desse jogo, somente a face eternamente negra do nada. Pode parecer pessimismo, mas não é. A existência humana resume-se a isso.

Se a ideia soa deprimente, é porque a realidade de fato é deprimente. O homem simplesmente está aí, suspenso no vácuo, lançado na existência, no eterno devir do mundo, sem significado, sem razão, sem sentido ou objetivo. Portanto, livre de qualquer obrigação, livre de qualquer destino. Todavia, não sejamos ingênuos: isso certamente não equivale a dizer que o homem é dono de seu destino. Por detrás de seu suposto livre-arbítrio se escondem seus muitos preconceitos genéticos, suas inúmeras limitações e todo o condicionamento externo — coisas que, sem dúvida, fogem de seu controle. E, ainda supondo-se que sua vontade fosse totalmente livre, isso não faria muita diferença, pois ela não é a única força que atua na determinação do destino dos indivíduos. Portanto, dizer que o homem é totalmente livre não equivale a dizer que o homem é onipotente — “tudo é permitido” não significa “tudo é possível”.

Devemos enxergar nossas limitações: somos apenas um amontoado de aminoácidos presenciando este efêmero e curioso passatempo chamado vida. O importante é termos em mente que parte considerável da estrutura de valores e significados que carregamos é criada por nós mesmos. Isto é, tudo o que possui valor, o possui apenas porque reconhecemos esse valor e o aceitamos como verdadeiro — e fazê-lo não equivale justamente a criar esse valor? Se não atribuíssemos valor aos diamantes, que seriam eles senão diminutas pedrinhas brilhantes difíceis de se encontrar? Assim, se quisermos ser ao menos intelectualmente livres, nunca devemos perder de vista o fato de que todos os significados, valores e sentidos são apenas um reflexo da natureza humana. Devemos ignorar a fictícia autoridade dos gélidos valores fossilizados, idealizados e impessoais. Não demos ouvidos aos moralistas dogmáticos que nos falam de “virtudes boas por si mesmas” — não passam de déspotas, quer o saibam ou não. Nunca devemos dobrar nossos joelhos a qualquer tipo quimera da abstração — pelo contrário, coloquemo-las de joelhos perante nós!

Sejamos nós os senhores de nossas virtudes, não as virtudes os nossos senhores. Os únicos valores verdadeiros são os humanos. Eles devem possuir vida, devem respirar, devem ser nossa criação, devem surgir como fruto de nossa individualidade, de nossa autenticidade, de nosso reconhecimento, de nossa necessidade interior e pessoal e em nossa defesa — representando, assim, nossa natureza íntima, nosso posicionamento frente à realidade. Os valores de todos os tipos se estabelecem através de um mecanismo baseado na autoridade — numa espécie de imposição. A diferença é que, no homem escravo e resignado, os valores se estabelecem através de sua submissão à autoridade de ideias externas, sacrificando sua individualidade em nome de supostas verdades superiores. Por outro lado, no homem esclarecido, os valores se estabelecem por meio do entendimento — a imposição nasce de dentro para fora, e nisso ele é sua própria autoridade. Assim, seus valores surgem como um reflexo de sua inteligência, de seus desejos e de suas necessidades — os valores, aqui, muito antes de suprimirem sua individualidade, são sua mais elevada expressão.

Por isso, tendo em vista todos os fatos que apresentamos, negamos a existência de qualquer espécie de verdade, valor ou dever impessoal. À medida que a verdade é transformada em abstração como uma lei suspensa acima do homem, à medida que ela julga — aprovando ou condenando — apenas em função de si mesma, como valor em si, sem levar em consideração as circunstâncias específicas de cada situação, de cada indivíduo, ela se torna despótica, restringente, opressiva e tirânica. Quando se permite que a verdade tome vida própria — e sem dúvida isso nos remete à ideia de Deus —, ela se transforma num monstro dogmático, autoritário e intolerante, que representa uma enorme ameaça à liberdade humana. Quando são impostos alicerces comuns à construção de todas as individualidades, quando se aquilata todos os homens com a mesma balança, quando se nivela o valor fundamental de todos através da mentira da “ordem moral do mundo”, da “igualdade das almas perante Deus” ou através do respeito à autoridade de qualquer quimera da abstração, a injúria com isso cometida é substancialmente a mesma: o acorrentamento da individualidade, a imposição da igualdade entre os diferentes — um ataque fulminante contra a liberdade humana, uma punhalada no coração de nossa autenticidade. Certamente em vão se procuraria por um crime mais revoltante que esse.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

HÁBITO – UM MECANISMO NEURAL COMPLEXO DE MUDAR

  HÁBITO – UM MECANISMO NEURAL COMPLEXO DE MUDAR by Heitor Jorge Lau             É uma verdade quase inquestionável que, em algum mome...