sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

MORTE - VIDA ETERNA ou MORTE ETERNA? UMA CONCEPÇÃO INDISCUTÍVEL DA MENTE

 


Através da história do homem, a ideia da morte propõe um mistério eterno que é o centro de alguns dos mais relevantes sistemas de pensamentos filosóficos e religiosos. Uma das mais distintas características do homem, em contraste com as outras espécies, é a sua capacidade de compreender o conceito de uma futura e inevitável morte. Em química e física, um fato é quase sempre determinado pelos eventos que o precederam. Nos seres humanos o comportamento presente depende não somente do passado, mas, muito mais ainda, talvez, da orientação para com acontecimentos futuros. De fato, o que uma pessoa procura vir a ser pode, algumas vezes, decidir ao que ela dá atenção em seu passado. O passado é uma imagem que muda com a concepção que temos de nós mesmos.

A morte é algo que acontece, inevitavelmente, a todo ser humano. Mesmo antes do nascimento, ela é uma presença ausente. Alguns afirmam que o temor da morte é uma reação universal e que ninguém está livre de pensar nela (mais cedo ou mais tarde). Quando se pensa no assunto, a noção da singularidade e da individualidade de cada um adquire significado completo somente ao conceber que todos, exatamente todos, irão morrer (só não se sabe quando, onde ou como). E é neste mesmo encontro com a morte que muitos descobrem uma ânsia pela imortalidade – mesmo sem ter a mínima noção do que vem a ser isso, afinal, como imaginar ser imortal...impossível!

O pai da Psicanálise, Freud, postulou a presença de um inconsciente desejo da morte nas pessoas, que ele concatenou com certas tendências para a autodestruição. Melanie Klein acreditava que o medo da morte está na raiz de todas as ideias persecutórias e, por isso indiretamente, de toda a ansiedade. O teólogo Paul Tillich, cuja influência se fez sentir na psiquiatria americana, baseava a sua teoria da ansiedade no postulado ontológico de que o homem é finito, sujeito ao não-ser. A insegurança bem pode ser um símbolo da morte. Qualquer perda pode representar uma perda total. Carl Jung via a segunda metade da vida como estando dominada pelas atitudes do indivíduo para com a morte. Em síntese, parece haver um crescente reconhecimento da relação entre a doença mental de um indivíduo e a sua filosofia de vida e morte.

Temas e fantasias sobre a morte são proeminentes em psicopatologia. As ideias sobre a morte são periódicas em alguns pacientes neuróticos e nas alucinações de muitos indivíduos psicóticos – segundo literatura que aborda tal suposição. Há o estupor do paciente catatônico, algumas vezes comparado a um estado de morte, e as ilusões de imortalidade em certos esquizofrênicos. A negação esquizofrênica da realidade parece funcionar, em certos casos, como um obstáculo mágico se não como anulação, da possibilidade à morte. Se viver leva inevitavelmente a morte então a morte pode ser desviada pelo não viver. Difícil não viver estando vivo, mas...

Em tempos remotos havia um certo número de psicanalistas que acreditava que uma das principais razões pela qual as terapias de choque produziam efeitos positivos nos pacientes era que fornecia um tipo de experiência fantasiosa de morte-e-renascimento. É relevante notar, contudo, que mesmo quando a ansiedade sobre a morte é discutida na literatura psiquiátrica, é com frequência interpretada essencialmente como um fenômeno derivado ou secundário, reiteradamente como um aspecto mais facilmente suportável do temor a castração ou como a ansiedade de separação ou perda do objeto amado.

Outras investigações de atitudes para com a morte podem enriquecer e aprofundar a compreensão das reações de boa ou má adaptação ao estresse e das teorias da personalidade. A adaptação das pessoas de faixa etária mais acentuada a ideia da morte, por exemplo, pode bem ser um aspecto crucial do processo de envelhecimento. Supor ou afirmar que um indivíduo aceite a morte pelo fato de estar em idade mais avançada é fala do imaginário. Tudo aquilo que é verbalizado não, necessariamente, reflete o sentimento mais profundo da mente humana. O estudo das atitudes para com a morte em pacientes seriamente doentes e moribundos (uma experiência in natura) possa prover algum tipo de insight das maneiras com que diferentes indivíduos enfrentam tal “ameaça”.

Numa perspectiva mais ampla, não apenas a psicologia, mas a cultura ocidental, na presença da morte, tende a correr, esconder-se, e buscar refúgio em uma linguagem eufemística, no desenvolvimento de uma indústria que tem, como interesse maior, a criação de maiores qualidades naturais na morte e em estatísticas atuariais (atuariais é um adjetivo que se refere a cálculos, pesquisas e planificações realizados por atuários, profissionais que analisam riscos e expectativas). Com o enfraquecimento das crenças paulinas (a crença paulina é a doutrina do apóstolo Paulo, que se centra no corpo e na sexualidade) relativas à pecaminosidade do corpo e a certeza de uma vida após a morte, parece haver um concomitante decréscimo na capacidade das pessoas de contemplar ou discutir a morte natural.

Não obstante, as investidas de duas guerras mundiais, junto com a herança de um provável holocausto nuclear, têm ajudado, em anos recentes, a empurrar a temporalidade da vida cada vez mais para o primeiro plano. O movimento existencialista tem sido particularmente conspícuo em redescobrir a morte como um tema filosófico e um problema no século XXI. Num certo sentido, a história da filosofia existencial, em suas fases mais proeminentes, foi uma exegese da experiência humana diante da morte. Ao final das contas a imagem do homem que surgiu foi de uma criatura limitada pelo tempo.

O existencialismo expresso nas filosofias de Simmel, Sheler, Jaspers e Heidegger colocou a experiência da morte perto do centro de suas análises da condição humana. Acentuou a morte como uma parte constitutiva, antes que o mero fim da vida, e salientou a ideia que somente pela integração do conceito de morte dentro do eu torna-se possível uma autêntica e genuína existência. O preço de negar a morte é a ansiedade indefinida, a autoalienação. Portanto, afim de compreender-se completamente, o homem tem de enfrentar a morte e tornar-se cônscio da morte pessoal.

Na resposta à pergunta: o que a morte significa? Uma resposta seria a que percebe a morte filosoficamente, como o fim natural do processo vital. Outra resposta seria de natureza religiosa, encarando a morte como a dissolução da vida corporal e o começo de uma nova vida. Esta descoberta, num certo sentido, amplamente espelha a interpretação da morte na história do pensamento ocidental. Destes dois polos infinitamente opostos, podem se derivar duas éticas contrastantes: 1- a atitude para com a morte é a aceitação estoica ou cética do inevitável, ou mesmo a repressão do pensamento de morte pela vida; 2- a glorificação idealista da morte é a que proporciona significado a vida ou é a pré-condição para a verdadeira vida do homem.

Esta descoberta põe em destaque a profunda contradição que existe no pensamento sobre a questão da morte. A tradição pressupõe que o homem termina com a morte e que, ao mesmo tempo, é capaz de continuar de alguma outra forma, além da morte. A morte é vista, de um lado, como uma "parede", o desastre pessoal extremo, e o suicídio como o ato de uma mente doentia; de outro lado, a morte é considerada como uma porta de entrada, um ponto no tempo no caminho da eternidade. O grau de perturbação mental per se nos pacientes, aparentemente, possui pequeno efeito sobre suas atitudes globais para com a morte. Nem a neurose, nem a psicose produzem atitudes para com a morte que não possam ser encontradas em sujeitos normais. Enfim, o assunto é controverso e detém inúmeras concepções a respeito. Eu sempre gostei de um dizer que ouvi a muito, muito tempo atrás: - Eu aposto na vida após a morte. Se tal vida existir, maravilhoso! Se não existir, nunca ficarei sabendo! Simples assim...

 

 


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