Por Heitor Jorge Lau
Mestre em Educação
Como
não poderia ser diferente, paira no ar uma discussão acirrada sobre qual o
melhor meio de leitura: livro digital ou
físico? Primeiramente vamos realizar uma tentativa de enumerar algumas
características de uma obra digitalizada. Um e-book pesa menos e ocupa menos
espaço. Ok! Ele também estaria isento do acúmulo de poeira e dos fungos de “plantão”.
Pensando por um viés mais imediatista, o livro virtual pode ser adquirido a
qualquer momento do dia e ser “saboreado” imediatamente (em tese). Bem, quando
não for do agrado do leitor ele pode, simplesmente, com um toque no teclado
enviá-lo para a inexistência. E o livro físico? É possível comparar um livro
virtual com o físico da mesma forma como se compara um beijo. Um beijo recebido
por intermédio da tela digital não comporta sentimentos. Traduzindo: colocar as
mãos na capa, nas folhas, sentir o cheiro do novo (ou do velho), destacar as
partes mais importantes através do sublinhar (pecado mortal) remete ao sentimento.
Um
livro, independente da tecnologia empregada para a sua existência, carrega
consigo um valor simbólico que na sua representatividade social significa
conhecimento, o qual transforma saber e cultura em processo de ensino
aprendizagem. Há quem diga (e não são poucos) que apesar da leitura do livro
físico ser recorrente, a sua existência está com os dias contados. É fato
incontestável que o surgimento do livro eletrônico, concomitantemente às novas
tecnologias, provocou um olhar mais atento sobre tal possibilidade. Contudo,
uma reflexão precisa estar acima de qualquer dúvida: por que um deve ceder
espaço para a existência do outro? Estaria um formato fadado a extinção para
que o outro pudesse conquistar espaço na prateleira ou dentre os bits e bytes
do ambiente eletrônico?
O
senso crítico é indispensável dentre tal discussão, uma vez que o termo “ocupar
menos espaço” é relativo. É possível executar downloads de e-books com até 50 megabytes
de tamanho. Qual o peso que se refere a afirmação anterior? Lógico,
quilogramas. Todavia, o peso virtual também possui medida e não se resolve tal
questão tão facilmente quanto se pensa. Não nos esqueçamos da velocidade e
capacidade da conexão de acesso a internet! O Brasil, infelizmente, ainda
“engatinha” atrás de condições excelentes de acesso à informação, seja ela relacionada
a conexão ou pelo próprio meio, que é o computador não presente na totalidade das
residências e escolas da sociedade brasileira. O bolor, com absoluta certeza,
não irá danificar um e-book, mas um vírus virtual, este sim, e conforme o caso
muito mais.
O livro físico, por sua vez, é
considerado uma “parte das artes gráficas que, compreendendo a judiciosa
escolha de papéis e tintas, a tipografia, a ilustração e a encadernação, tem
por fim a harmoniosa integração, no livro de sua dupla função, de objeto de
estudo e de objeto de arte”. (Dicionário Aurélio). A definição anteriormente
citada remete ao leitor que aprecia, não somente a leitura, mas o meio pelo
qual a realiza. Para este tipo de individuo, um livro transcende a concepção de
objeto para o estudo. A percepção é de um objeto que oferece conhecimento, cria
aprendizagem e cultura, evoca sentimentos, quase um objeto de arte. Porém, uma
legião considerável de leitores usa o impresso e pouco observa esta definição
poética e sensibilizadora. Para muitos, um livro não passa de um meio físico de
estudo, nada importando se ele será rasurado, rasgado ou abandonado na
prateleira da estante mais próxima.
Faz-se necessário e importante,
ainda, citar o livro didático utilizado na escola. Nos livros didáticos
inexiste ou há mínimo espaço para consensos de significado, pois os limites de
atuação do leitor na construção dos sentidos são previamente planejados por
professores ou autores. Portanto, não ocorre uma relação dialógica entre autor,
texto e leitor. O novo “modelo” de livro, promovido por um suporte
virtualizador transformou as relações sensoriais, elementos importantes no
processo de leitura. O que antes era entendido como livro, cede espaço para uma
nova formatação que constitui o não livro. A tela não possibilita a sensação do
toque, do manuseio, como o livro tradicional. Não há mais uma relação afetiva;
os sentidos não são mais os mesmos aguçados como no livro tradicional, no qual
se fazem presentes e bem marcantes como o tato, o contato direto com o objeto,
a visão, que é atraída pela cor, pelo formato e até o olfato que identifica se
o livro tem cheirinho de novo ou usado. No livro eletrônico apenas a visão atua
extensivamente.
A leitura, então, pode ser
considerada um processo de co-produção de sentidos de textos ou hipertextos, compreendidos
como um processo complexo, que envolve aspectos cognitivos e de interatividade,
no qual os conhecimentos prévios do leitor, suas experiências culturais, sociais
e interativas, junto com as informações textuais, que são acionados para
formarem o sentido e a compreensão da mensagem pretendida. Portanto, o sentido
de qualquer texto, independente do meio pelo qual é acessado, não se encontra
apenas em suas palavras, muito menos na mente do leitor, mas sim,
especificamente na interação texto – leitor – contexto.
Este
embate de pontos de vista e preferências é, em parte, infrutífero. Na década de
80 do século passado, Marshall McLuhan profetizou o fim do livro físico.
Contudo, o livro impresso, no seu formato milenar, apoiado e incentivado por
grandes indústrias, continua “vivo”, com o seu público que certamente
continuará resistente e fiel, concomitantemente, ao livro virtual. Em síntese,
a discussão rende mais um século de debate, mas uma coisa é certa: gosto não se
discute.
Heitor Jorge Lau