Por: Ms. Heitor Jorge Lau
Formando em Psicanálise
Mestre em Educação
Pós-graduado em Gestão de Pessoas
Bacharel em Comunicação Social
Escrever
sobre Ética na Psicanálise exige, antes de qualquer coisa, uma transitada pelos
significados dos termos ‘ética’ e ‘moral’. Este texto não irá analisar e “pôr
em xeque” o Código de Ética Profissional do Psicanalista ou redizer o dito em
outras palavras. O termo ‘ética’, tão ouvido e pronunciado dentre diversos
grupos sociais, na maioria das vezes é percebido de maneira errônea, talvez por
ser difícil de explicar, talvez por ser difícil de compreender. Na tradução
essencialmente literal (sem considerar qualquer vertente de estudo) a ética
alberga em si o constante estudo e a consequente ruminação dos costumes e
comportamentos do ser humano em sociedade. Todavia, a saber, o olhar sobre a
ética pode ser concebido por intermédio de um prisma estritamente científico,
ou seja, percebido como ciência normativa ou ciência descritiva. Enfim, difícil
de explicar, difícil de compreender.
Moral:
comportamentos em ação
Qual o significado do termo moral? Conceitualmente,
moral é a conjunção de normas, princípios e valores que regulam o comportamento
dos indivíduos no convívio social. A moral é percebida em dois planos: o normativo sugere o comportamento ideal;
o fatual refere-se à ação
propriamente dita. Isto não significa que tudo que for moralmente apontado será
efetivamente praticado ou realizado da forma proposta. Apesar dos planos
poderem ser distintamente percebidos, não podem ser desassociados. Enquanto o
plano normativo aponta para o ideal (moral), o fatual revela as relações
humanas concretas. A partir delas surge o termo moralidade que é a moral em
ação, a moral prática e praticada. Somente atos individuais com consequências
sociais (para outros sujeitos) podem ser qualificados moralmente – aqui entra a
questão da relação paciente x Analista.
A moral se manifesta sempre em
sociedade, nunca isoladamente. É por isso que a moral possui função social, ou
seja, sustenta e assegura a ordem na sociedade. A moral não deve ser confundida
com as leis instituídas pelas vias do direito. O direito possui o caráter
coercitivo cujo cumprimento das regras independe da aceitação voluntária ou não
do indivíduo. Ao contrário do cunho impositivo do direito, a moral sugere uma
relação consciente entre indivíduos através da adoção de práticas por livre e
espontânea vontade. Isto ocorre primordialmente através da ampliação da
consciência particular de cada sujeito. Paralelamente a este fenômeno, a moral
alcança avanços proporcionais.
É justamente na consciência
individual que as decisões de caráter moral são assimiladas, ponderadas e
então, praticadas. As atitudes ou atos morais estão sempre sujeitos a
julgamentos. Portanto, poderão ou não ser aprovadas. Por sua vez, o ato moral é
basicamente sustentado pelo motivo que o estimula. O motivo precisa ser
consciente caso contrário não é parte integrante do ato moral. O motivo
caracteriza-se pela reação não instintiva. Por isso todo ato moral demanda
motivo, propósito, meios de alcançá-lo, resultados e consequências.
Consequências sociais traduzidas em mudanças que consequentemente provocam
mudanças de conduta moral.
Ética:
a interminável disputa entre o bem e o mal
Concomitantemente ao estudo dos
costumes e comportamentos do homem na sociedade, surgirão, invariavelmente e
certamente, questões relacionadas a liberdade e ao tolhimento de expressão. Todo
cidadão sonha e busca (ou é incentivado a buscar) a liberdade de expressão verbal
e não-verbal no microcosmo que considera o seu habitat. Porém, em contrapartida
ele é tolhido de tal liberdade, coagido a observar e seguir normas impingidas e
aceitas pela maioria das pessoas. Surge então, a moral, a permissividade social
de assuntos pertinentes aos bons costumes e subsequentes comportamentos, elasticamente
estudados pela Ética. Em síntese, aquilo que for reconhecido como moralmente
aceito pertence ao grupo de ações do bem - proporcionam benefícios ao convívio
social; moralmente rejeitado, do mal - provocam malefícios, danos morais. Os
estudos da Ética abarcarão, indubitavelmente, eventos vinculados a liberdade de
expressão, consciência coletiva, juízos de valor coletivo, Leis, ...,
transformando a conceituação em aplicação efetiva.
A
Ética no ramo da Psicanálise
Afinal, qual o significado do termo Ética?
O que fundamenta e possibilita a existência da Ética é a moral. Enquanto a
moral é constituída pela prática dos costumes do homem, a Ética tem a
finalidade de investigar, esclarecer e elaborar conceitos correlatos. Desta
forma, ela tenta encontrar um denominador comum sobre as inúmeras práticas
morais e formalizar uma característica genérica, uma vez que é impossível
atender a cada situação em particular. A Ética, enquanto teoria, procura abarcar o que existe de melhor ou mais
apropriado para o convívio social. A moral possui preceitos variáveis em
decorrência de oscilações históricas, ou seja, não é permanente e imutável. A
ciência da ética estuda justamente as manifestações efetivadas no passado ou no
presente e em nenhum momento ela tenta manifestar qualquer juízo de valor a
respeito da prática moral.
Por isso que a moral não é
considerada científica mesmo que possam existir determinadas concepções dela
que sejam científicas. A fim de explicar determinados comportamentos morais a
ética busca relacionar-se com outras ciências como filosofia, psicologia e
antropologia. Estas são algumas das ciências que revelam ou justificam algumas
atitudes humanas na sociedade e, apesar da Ética ser a teoria do comportamento
moral, ela pode influir na prática-moral. A prática-moral está essencialmente
correlacionada com a responsabilidade do sujeito da ação. Isto significa que a
decisão de efetivar ou não determinada ação é um problema prático-moral, porém
o estudo dessa atitude é da competência da Ética. Portanto, o objeto de estudo
da Ética é a moral manifesta no comportamento do homem.
É possível interpretar que a Ética
da Profissão deriva da Deontologia[1]. A Deontologia possui a
sua etimologia na Grécia – deon ou deontos/logos -, cujo significado seria “o estudo dos deveres”. Ela detém
duas perspectivas: a perspectiva teórica; e, perspectiva prática. A comunhão
destas dimensões tem por objetivo regulamentar a conduta do ser humano na
sociedade. No caso do Psicanalista, o intuito é específico, bem objetivo e muito
claro: considerar todos aspectos axiológicos da sociedade para assegurar e
preservar o paciente de qualquer forma de exposição. É relevante lembrar que descumprir
parte ou todo o regramento instituído resulta em sanções para o transgressor. A
Ética Profissional é regida pela razão, ou seja, é uma racionalização que
conduz para uma conduta saudável e sustentável, tanto para o paciente quanto
para o Analista – ambos evitam a exposição e o desgaste. O Código de Conduta
Ética do Psicanalista nada mais é do que um conjunto de regras a serem observadas e que jamais, em hipótese e
justificativa alguma, podem ser descumpridas.
Considerações
finais
Qualquer grupo profissional,
necessariamente, se autorregula. Logo, são desenvolvidos conjuntos de regras a
partir de estudos éticos e consequentes atos morais instituídos, levando-se
sempre em conta os costumes da sociedade. Este regramento garante a plena
confiança por parte das pessoas e salvaguarda a reputação da atividade
psicanalítica. A conduta ética não preconiza tudo o que o Psicanalista pode
fazer, mas sim, aquilo que ele deve fazer, obrigatoriamente fazer. Todavia,
este “dever fazer” não pode ser uma obrigação profissional. Este sentimento
precisa ser espontâneo, sincero, consciente e verdadeiro. Afinal, como afirmava
Kant, os princípios da Ética são Imperativos Categóricos, ou seja, eles mandam,
não aconselham. Portanto, o dever está acima
do desejo.
[1]
CARAPETO, C; FONSECA, F. Ética e
Deontologia: manual de formação. Lisboa: Dossier, Comunicação e Imagem,
2012.