
No
princípio, nosso planeta era o centro do Universo. Ora, o ser humano era a obra
prima de um Deus todo poderoso que o amava — nada poderia ser mais justo!
Depois de muito tempo, vieram os astrônomos da Idade Média, que abalaram os
alicerces do pensamento geocêntrico da época, demonstrando que a Terra não era
o centro de coisa alguma — é ela que gira em torno de um Sol, e não o
contrário. Além disso, não há apenas o planeta Terra — há vários outros também.
Isso diminui um pouco o seu valor, mas não há problema, pois o sistema planetário
é tudo o que existe. Ponto! Teria sido bom para o ego da raça humana se todas
as descobertas se resumissem a isso, mas não foi o que aconteceu. Agora se sabe
que as estrelas que, à noite, são percebidas no céu, são outros sóis. Assim, o
sistema planetário deixou de ser o único, pois há muitas outras estrelas com
muitos outros planetas girando em seu redor.
Mas,
na verdade, não são apenas muitos sóis: são muitíssimos. De fato, são bilhões
de sóis! Esse é um número tão absurdo que sequer é possível imaginar o seu
significado. Contudo, tal número faz de tudo e de todos algo muito, realmente
muito pequeno, infinitamente pequeno. E isso tudo fica ainda pior quando o ser
humano chega à conclusão que é muito menor do que poderia imaginar. Toda essa
grandiosidade colossal está contida em apenas uma galáxia, e choca-nos pensar
que, além desta, há mais 100 bilhões de galáxias, com aproximadamente outros
100 bilhões de sóis em cada, e estes, talvez, sendo orbitados por muitos e
muitos planetas. No mínimo, é um tapa na cara de nossa arrogância terráquea.
Quem, diante disso, disser que representamos um grão de areia, estará fazendo
um elogio desmedido.
Contudo,
os cientistas não olharam apenas para fora da Terra. Também se voltaram para si
mesmos, colocando o homem na condição de objeto de estudo. Assim, paralelamente
às descobertas da Astronomia, as da Biologia vieram para terminar de dinamitar
o pequeno resto do orgulho do ser humano. Os estudiosos da fisiologia e
anatomia humanas já nos destrincharam por inteiro. Não há magia alguma — somos
somente animais... máquinas biológicas. Não encontraram alma nem espírito, só
vísceras. O coração não tem sentimentos — não passa de um músculo. Os
sentimentos, tão sublimes, são meras reações físico-químicas do cérebro. A personalidade,
tão cultivada e valorizada, julgada indestrutível, é tão frágil quanto a
disposição de todos os neurônios — um pequeno dano, e a pessoa que um foi deixa
de existir.
A
espécie humana, como qualquer outra, não passa de uma variedade de robô
biológico comandado por moléculas de DNA. Vive num mundo que é uma ficção
subjetiva, uma representação mental perdida entre inúmeras, infinitas
perspectivas possíveis. Os sentidos só enxergam a superfície de um ângulo da
realidade e, para eles, todo o resto é negro e impenetrável. Não é possível
abrir as cortinas da realidade para olhar o que está por detrás das aparências.
Tudo o que se pode conhecer é tão somente tudo aquilo que se pode tatear, às
escuras, com as frágeis e trêmulas mãos do intelecto. Todo o conhecimento,
desse modo, não passa de uma sofisticada suposição. Nunca haverá quaisquer
certezas plenas a respeito de quaisquer assuntos. Buscar verdades absolutas
racionalmente é uma ingenuidade, é como correr de modo desesperado a fim de
alcançar o horizonte — o anseio por tais verdades, ao contrário do que
gostaríamos de acreditar, não nasce da busca pelo conhecimento, mas da busca pela
paz de alma.
E
quem ainda pensa que, ao buscar o conhecimento, está lutando por uma causa
supostamente nobre, está a enganado, pois isso não passa de auto bajulação. A
nobreza não existe! Lutamos porque queremos, lutamos para nada e, no fim, nos
tornaremos nada. É essa a estranhíssima realidade em que nos vemos imersos. Por
bilhões de anos, fomos poeiras. Mas, de algum modo, há mais ou menos 3,5
bilhões de anos, essa poeira acordou. Foi transformando-se ao longo das eras,
até que, num certo momento, essa poeira criou consciência de si mesma — o pó
viu que era homem. E esse homem, por sua vez, viu-se num mundo insólito, sem
razão de ser. Então percebeu o absurdo que representava o próprio fato de ele
existir. Como passageiro de um trem que, inexoravelmente, conduz ao abismo do
nada, o homem, atônito, pergunta-se: mas por que aqui, por que agora? E, frente
a tais perguntas, o universo permanece mudo. Pergunta-se, depois: que é a vida?
Aparentemente,
nada mais que uma longa sucessão de eventos casuais que, por fim, deram luz a
máquinas programadas cegamente com precisão assassina, e com isso a eficiência
impassível veio a tornar-se o objetivo de um mundo sem objetivo. Podemos então
pensar: o que sou eu? E é simples: somos a máquina de sobrevivência modelo Homo
Sapiens. Quando se para para pensar nisso tudo detidamente, a perplexidade se
apodera da consciência. Ficamos estáticos, sem saber muito bem o que pensar.
Então vem a aflição e, se conseguirmos ainda preservar nossa lucidez diante
disso tudo, quanto mais nos aprofundamos nessa análise, mais essa angústia
cresce dentro de nós. Como se estivéssemos sonhando, às vezes parece que vamos
despertar dessa realidade fria e absurda — algo em nós reluta em admitir que
isso é tudo o que há para ser vivido.
Nossa
esperança sempre tenta nos persuadir a reinterpretar o que nossos olhos nos
dizem, mas todas as manhãs acordamos e vemos que tudo isso é real,
inescapavelmente real. Entre tais pensamentos, a realidade ao redor
simplesmente paralisa. A vida fica em suspenso, e surge a esmagadora
consciência de que nada disso que estamos vivendo tem sentido — a existência
humana como a mais vazia contingência. É insólita demais a ideia de que estamos
vivendo apenas porque “acontecemos”. A humanidade, nessa corrida frenética,
buscando felicidade, dinheiro, sucesso, avanço, glória, poder, conhecimento; a
imensa competitividade, que cresce a passos largos, movendo cada vez mais
rapidamente as engrenagens do mundo; e, ainda, nós próprios, lutando,
debatendo-nos nesse formigueiro de gente chamado Terra — tudo isso para chegar
a lugar nenhum. Parece uma grande loucura. Por que, quando pensamos nisso tudo,
nos vem essa sensação de paralisia, de vazio, de ausência de referencial? Há
uma dolorosa razão para isso: são exatamente as ilusões que alimentam nossas
motivações. Todo e qualquer objetivo que imaginemos é racionalmente
injustificável em si mesmo. É da paixão por nossas ilusões que extraímos nossas
forças. Quando compreendemos tais coisas pelas primeiras vezes — pois realmente
não é fácil nos acostumarmos com elas —, é natural sentirmos certo abatimento,
certo descompasso, pois a compreensão dissipa, por algum tempo, a força de
nossas ilusões.
A
razão, de certo modo, tem a capacidade de “dissolvê-las”, ainda que só
temporariamente — mas não é algo pelo qual deveríamos lamentar. Ainda assim,
tal dissolução de ilusões é prerrogativa de apenas alguns poucos indivíduos em
certas condições bastante privilegiadas: somente quando nos tornamos
suficientemente plenos, livres e corajosos para sermos capazes de prescindir de
nossas ilusões. Isso porque, quando necessárias à nossa subsistência, as
ilusões tornam-se inabaláveis, imunes a quaisquer argumentos. Mentiras
metamorfoseiam-se em verdades quando delas precisamos. Ninguém questiona o
valor da vida numa casa em chamas; um faminto nunca questiona o valor do
alimento — seja este da alma ou do corpo. Como vimos, não é a razão que, no
mais das vezes, nos diz o que fazer — ela apenas nos diz como fazer. A
razão não pode decidir nada puramente, sem uma vontade dionisíaca por detrás
lhe dizendo o que fazer. Assim, podemos dizer que, à parte o conhecimento
objetivo, o resto de nossas opiniões e de nossas crenças não é racional em sua
gênese.
Nossa
“filosofia de vida”, na prática, consiste apenas de uma racionalização de
nossas necessidades humanas — e tentamos, através disso, justificar nossas
ações, dando-lhes uma máscara de racionalidade. Porém, por detrás de todos os
nossos raciocínios, esconde-se a sombra irracional de nossos preconceitos e
paixões inconscientes. Desse modo, é inevitável que sejamos seres
necessariamente superficiais, pois nossa subsistência fundamenta-se no
autoengano. O fato é que, se nossa significância fosse proporcionalmente dosada
às crenças que precisamos nutrir para nos sentirmos motivados, seríamos todos
deuses — e que melhor exemplo poderíamos encontrar desse fenômeno que as
religiões? Nossas ilusões de significância precisam ser constantemente
alimentadas por razões que ignoram a própria razão, apontando diretamente
para nossas necessidades de autopreservação.
Nessa
perspectiva, podemos dizer que o esquecimento, às vezes, representa uma dádiva,
pois seria simplesmente impossível convivermos com a constante companhia dos
paralisantes fantasmas do vazio. Não pretendemos, portanto, promover o
aniquilamento generalizado de todas as nossas ilusões. Não pretendemos
extirpá-las porque isso não é possível — e tampouco desejável. Sem essas
pequenas mentiras, a vida não passaria de uma enfadonha tragicomédia. Estamos
apenas tentando delinear certas fronteiras. Estamos tentando, na medida do
possível, manter a distinção entre a subjetividade e a objetividade, visando,
com isso, duas coisas: compreender o que somos realmente e, assim, aprendermos
a lidar com nossa natureza de modo objetivo e eficiente, chegando o mais
próximo possível de nosso ideal de vida — seja este qual for.
E,
por outro lado, também desejamos evitar o dogmatismo, o misticismo e toda
cegueira de origem afetiva que paralisa o progresso do conhecimento humano. A
busca pelo saber científico deve ser feita com os pés muito firmemente presos
ao chão, sempre com o máximo de objetividade, para não se perder de vista —
inflados por ilusões antropocêntricas — a realidade da condição humana. Essa
separação é importante porque sempre que místicos investem em seu amor não correspondido
com a lógica, o resultado é um deplorável atravancamento do progresso do
conhecimento. É um erro tendencioso partir de desejos interiores, de crenças, e
então passar a procurar por uma correspondência na realidade. Se quisermos ser
imparciais, devemos sempre ter a honestidade de partir apenas dos fatos
objetivos — e não de nossos sonhos metafísicos — para inferir o que é real. Ao
longo da História até os dias de hoje, sempre se tentou comprovar a veracidade
das crenças religiosas — e sempre se falhou. Mesmo assim, elas subsistem,
conservando toda a sua vivacidade — e isso não é nenhuma surpresa.
Todo
tipo de crença mística pode prescindir da verificação exatamente porque possui
uma existência que é autônoma, independente da razão, independente dos fatos.
Desse modo, cumpre entendermos que a função de todas as crenças místicas,
religiosas e transcendentais é simplesmente satisfazer as necessidades afetivas
do ser humano. Deus, bem-aventurança, transcendência, elevação, nirvana,
paz espiritual, reino dos céus, contato com Deus — isso tudo são coisas tão
verdadeiras quanto um poema de amor. Ser um “filho de Deus” é um estado de
espírito, um sentimento, é algo que se vive, não algo que se prova
cientificamente. Crenças desse gênero servem para proporcionar bem-estar e
segurança, para reduzir a ansiedade através de respostas definitivas sobre o
mundo, sobre a moral, sobre a vida... Contudo, parece que a maior parte dos
indivíduos ainda não tomou consciência de que a felicidade que uma crença
proporciona não pode assegurar sua veracidade. Como podemos perceber, quando
analisamos e entendemos uma ilusão racionalmente, quando a tiramos de seu
pedestal mágico, ela perde muito de sua força, a qual residia exatamente na
incompreensão ou em seu caráter inquestionável.
Esse
tipo de honestidade, quando voltada à existência como um todo, faz com que,
passo a passo, tomemos consciência de nossa completa insignificância — e,
depois de tê-lo feito, dificilmente conseguimos voltar ao que éramos. O
esclarecimento é um caminho que, além de penoso, é sem volta — daí ser trilhado
por tão poucos. Por nossa própria integridade, fomos reduzidos da coroa da
criação a um ponto infinitesimal que não é útil nem inútil — que simplesmente
não importa. Sem dúvida, ainda podemos dar algum sentido às vidas, mas nosso
senso de importância foi irreparavelmente abalado pelos rudes golpes da
ciência. E, na verdade, o que ela atingiu foi apenas a parte dele que havia
sido inflada por devaneios antropocêntricos, pois o fato é que nunca fomos
importantes. Ela só nos pegou de surpresa, pois era impossível imaginarmos que
todos nós somos tão pouco. Lançamos nossas esperanças ao desconhecido e fomos
vítimas de nossas próprias expectativas. Agora colhemos a frustração e o
desapontamento de nada daquilo que sonhávamos ser real.
Muito
bem, aqui estamos nós, solitários, no deserto inóspito que se oculta por detrás
de nossas ilusões. A diferença está no fato de que nós, ateus e
livres-pensadores, somos capazes de sobreviver sob tais condições. Suportamos
tamanha aridez sem invocar consolos em realidades paralelas, onde seremos
recompensados post mortem por todas as nossas infelicidades e
frustrações. Da vida, não esperamos nada além da vivência, e poucos são os que
compreendem quanta coragem está contida na lúcida afirmação de que nossa vida
não é senão um efêmero lampejo — quem disso ri, pouco compreende de si mesmo e
do mundo em que vive. Sim, somos humildes, mas apenas porque somos honestos,
não porque somos obedientes. Nossa pequenez não é virtude — são os fatos. Nós
somente admitimos o que vemos — nossa incomensurável insignificância frente ao
existente. É uma situação que tem um gosto acre, e o sabemos muito bem. Mas o
que poderíamos fazer?
Não
podemos permanecer crianças para sempre. O infantilismo místico tem de ser
superado se não quisermos passar o resto de nossas vidas imersos num oceano de
sonhos falsos. É certo que esse entendimento da realidade, além de penoso, não
é muito intuitivo. É por isso que só intelectualmente, através de uma reflexão
séria, o homem se vê diante de tais conclusões. Apenas assim apreende o enorme
vazio que é a existência — e é precisamente isso que faz surgir nele a
consciência de que sua liberdade é absoluta. O fato é que, nessa situação, o
homem se vê isento de qualquer responsabilidade em toda perspectiva que puder
imaginar. Simplesmente não há autoridades — nenhuma. Não há deveres — nenhum.
Não há bem e não há mal. Não há melhor nem pior. Não há certo nem errado.
Afinal, que é um ser humano senão um aglomerado de átomos que sabe que existe?
Uma máquina sozinha no mundo, ciente de que existe e de que, um dia, deixará de
existir?
Ora,
se há algo certo, é que estamos todos condenados a inexistir. E, quanto a isso,
não importa o que fazemos de nossas vidas. É de todo irrelevante se durante ela
fomos ateus ou crentes, bondosos ou maldosos, esforçados ou indolentes,
honestos ou hipócritas, egoístas ou altruístas. Todos nós, um dia, seremos
despojados de nossas faculdades. Nosso “eu” será suprimido da existência e
nosso corpo se converterá em ausência — e, não muito tempo depois, sequer
restarão memórias do que fomos. Se quisermos imaginar como é inexistir, só
precisamos tentar nos “lembrar” de quando ainda não havíamos nascido — é como
um sono eterno, sem sonhos. Não haverá recompensas no fim desse jogo, somente a
face eternamente negra do nada. Pode parecer pessimismo, mas não é. A
existência humana resume-se a isso.
Se
a ideia soa deprimente, é porque a realidade de fato é deprimente. O homem
simplesmente está aí, suspenso no vácuo, lançado na existência, no eterno devir
do mundo, sem significado, sem razão, sem sentido ou objetivo. Portanto, livre
de qualquer obrigação, livre de qualquer destino. Todavia, não sejamos
ingênuos: isso certamente não equivale a dizer que o homem é dono de seu
destino. Por detrás de seu suposto livre-arbítrio se escondem seus muitos
preconceitos genéticos, suas inúmeras limitações e todo o condicionamento
externo — coisas que, sem dúvida, fogem de seu controle. E, ainda supondo-se
que sua vontade fosse totalmente livre, isso não faria muita diferença, pois
ela não é a única força que atua na determinação do destino dos indivíduos.
Portanto, dizer que o homem é totalmente livre não equivale a dizer que o homem
é onipotente — “tudo é permitido” não significa “tudo é possível”.
Devemos
enxergar nossas limitações: somos apenas um amontoado de aminoácidos
presenciando este efêmero e curioso passatempo chamado vida. O importante é
termos em mente que parte considerável da estrutura de valores e significados
que carregamos é criada por nós mesmos. Isto é, tudo o que possui valor, o
possui apenas porque reconhecemos esse valor e o aceitamos como verdadeiro — e
fazê-lo não equivale justamente a criar esse valor? Se não atribuíssemos valor
aos diamantes, que seriam eles senão diminutas pedrinhas brilhantes difíceis de
se encontrar? Assim, se quisermos ser ao menos intelectualmente livres, nunca
devemos perder de vista o fato de que todos os significados, valores e sentidos
são apenas um reflexo da natureza humana. Devemos ignorar a fictícia autoridade
dos gélidos valores fossilizados, idealizados e impessoais. Não demos ouvidos
aos moralistas dogmáticos que nos falam de “virtudes boas por si mesmas” — não
passam de déspotas, quer o saibam ou não. Nunca devemos dobrar nossos joelhos a
qualquer tipo quimera da abstração — pelo contrário, coloquemo-las de joelhos
perante nós!
Sejamos
nós os senhores de nossas virtudes, não as virtudes os nossos senhores. Os
únicos valores verdadeiros são os humanos. Eles devem possuir vida, devem
respirar, devem ser nossa criação, devem surgir como fruto de nossa
individualidade, de nossa autenticidade, de nosso reconhecimento, de nossa
necessidade interior e pessoal e em nossa defesa — representando, assim, nossa
natureza íntima, nosso posicionamento frente à realidade. Os valores de todos
os tipos se estabelecem através de um mecanismo baseado na autoridade — numa
espécie de imposição. A diferença é que, no homem escravo e resignado, os
valores se estabelecem através de sua submissão à autoridade de ideias
externas, sacrificando sua individualidade em nome de supostas verdades
superiores. Por outro lado, no homem esclarecido, os valores se estabelecem por
meio do entendimento — a imposição nasce de dentro para fora, e nisso ele é sua
própria autoridade. Assim, seus valores surgem como um reflexo de sua
inteligência, de seus desejos e de suas necessidades — os valores, aqui, muito
antes de suprimirem sua individualidade, são sua mais elevada expressão.
Por
isso, tendo em vista todos os fatos que apresentamos, negamos a existência de
qualquer espécie de verdade, valor ou dever impessoal. À medida que a verdade é
transformada em abstração como uma lei suspensa acima do homem, à medida que
ela julga — aprovando ou condenando — apenas em função de si mesma, como valor
em si, sem levar em consideração as circunstâncias específicas de cada
situação, de cada indivíduo, ela se torna despótica, restringente, opressiva e
tirânica. Quando se permite que a verdade tome vida própria — e sem dúvida isso
nos remete à ideia de Deus —, ela se transforma num monstro dogmático,
autoritário e intolerante, que representa uma enorme ameaça à liberdade humana.
Quando são impostos alicerces comuns à construção de todas as individualidades,
quando se aquilata todos os homens com a mesma balança, quando se nivela o
valor fundamental de todos através da mentira da “ordem moral do mundo”, da
“igualdade das almas perante Deus” ou através do respeito à autoridade de
qualquer quimera da abstração, a injúria com isso cometida é substancialmente a
mesma: o acorrentamento da individualidade, a imposição da igualdade entre os
diferentes — um ataque fulminante contra a liberdade humana, uma punhalada no
coração de nossa autenticidade. Certamente em vão se procuraria por um crime
mais revoltante que esse.
“Louco
não é o homem que perdeu a razão.
Louco
é o homem que perdeu tudo menos a razão.”
Aforismo
dito por G. Chesterton, escritor britânico falecido em 1936.
O
louco age como uma máquina cuja racionalidade é privada de emoções e de afetos...
beira a psicopatia. No século passado os cientistas cognitivos tentaram separar
a razão da emoção. Não se tratava, entretanto, de pura e simplesmente negar a
existência das emoções. Separar a razão das emoções era um preceito
metodológico, a ideia de estudar a cognição humana por partes. Primeiro modelar
o raciocínio, depois, acrescentar as emoções. Essa era a ideia do modelo
computacional da mente. Na filosofia, uma teoria computacional da
mente denomina uma visão de que a mente humana ou o cérebro humano (ou
ambos) é um sistema de processamento de informações e que o pensamento é uma
forma de computação. Tal teoria foi proposta (em sua forma moderna) por Hilary
Putnam (1961) e pelo cientista cognitivo Jerry Fodor. Todavia, seria esse o
caminho adequado? Essa trajetória foi interrompida em 1994, com a publicação do
livro O Erro de Descartes, redigido por Antonio Damásio (neurobiólogo),
que, rapidamente, ultrapassou os muros da academia para se tornar um best-seller
internacional.
No
livro, a argumentação era que a razão não poderia ser separada das emoções. A sua
objeção era contundente. Não se tratava apenas de objetar a receita
metodológica dos cientistas cognitivos. Damásio mostrou que a razão e a emoção
estão indissoluvelmente associadas e que na verdade não há raciocínio numa
forma pura, independente, a não ser que se cometa o erro de Descartes, ou seja,
separar mente e corpo como se fossem substâncias distintas. Em outras palavras,
a razão só é racional se ela for permeada pelas emoções. Nas últimas décadas, a
ciência cognitiva, impulsionada pelo florescimento da neurociência,
praticamente abandonou o modelo computacional da mente. Ele é um bom modelo
para construir inteligências artificiais, mas não para explicar o modo como os
seres humanos pensam e agem.
Ninguém
pode existir desmunido de emoções. Essa constatação fundamental abre para a
neurociência e para a ciência cognitiva uma via nova, na medida que leva em
conta o papel fundamental das emoções na vida cerebral. A razão e a cognição
não podem se desenvolver e exercer suas funções normalmente se não forem
sustentadas pelos afetos. Para pensar, conhecer, é preciso que as coisas tenham
um peso e um valor. A indiferença emocional anula o relevo, apaga a diferença
das perspectivas... nivela tudo. Privado de seu poder crítico, sua capacidade
de discriminar, diferenciar, que se origina da emoção, o raciocínio se torna
raciocínio a sangue frio, não raciocina mais. Consciência e emoção não são
separáveis. As funções cognitivas de alto nível como a linguagem, memória,
razão e atenção estão ligadas aos processos emocionais, especialmente quando se
trata de questões pessoais e sociais que envolvem risco. Estudos recentes com
crianças abandonadas mostram que a privação de afeto causa graves atrasos
psicomotores.
A
busca pela compreensão de si mesmo é um dos propósitos mais antigos da
humanidade. Seja no âmbito do senso comum, filosófico ou científico, o ser
humano procura explicitar as suas características, semelhanças e diferenças com
os demais entes e as suas relações com o meio em que vive. Em grande parte
destas investigações entende-se que os seres são constituídos de cognição,
emoções e ações em constante interação. Embora possuam semelhanças,
as perspectivas apresentam inconsistências, divergindo, por exemplo, na
natureza das interconexões ou nos portadores destes elementos. Neste último
caso, muitas abordagens consideram unicamente os humanos como detentores da cognição
e emoção, assegurando-lhes a exclusividade da ação moralmente avaliável. Em
outras abordagens, animais não humanos ou sistemas como robôs poderiam, de um
modo ou de outro, possuir cognição, emoções e, assim, de alguma forma, ser
considerados agentes morais. Enfim, não é preciso ser PhD em Neurociência para
se chegar a conclusão que a razão e emoção se completam.
PSICOLOGIA
COGNITIVA
Dialética - Racionalismo – Empirismo - Estruturalismo - Funcionalismo
Pragmatismo – Associacionismo – Behaviorismo - Psicologia da
Gestalt
uma sopinha de
teorias que explicam e justificam
Psicologia Cognitiva
Portanto, ao se conhecer a gênese e trajetória do passado se descobre como o ser humano “pensa sobre o pensar”. Partindo do pressuposto que o ser humano evolui gradativamente no percurso palmilhado, ele incrementa ou transforma as suas ideias sob a égide da dialética. A dialética pode ser entendida como um processo que transforma as ideias no decorrer do tempo, todavia, por intermédio de um padrão de transmutação. Este processo de transformação surge a partir de uma tese (enunciado de uma opinião), constituindo a seguir uma antítese (enunciado contrário à tese), culminando em uma síntese (rebate entre tese e antítese). A dialética surge no âmbito da Psicologia Cognitiva justamente para equilibrar qualquer tentativa de negligenciar ou refutar um pensamento em detrimento de outro por mera preferência ou tendência. Portanto, a dialética conduz para uma visão técnica-científica, ou seja, isenta de especulações sobre a crença de que a inteligência é fruto especifico, único ou isolado da genética ou do ambiente.
Racionalismo versus Empirismo
As Primeiras Dialéticas na Psicologia da Cognição
A teoria do Associacionismo, antecessora do Behaviorismo, fui muito influenciada por filosofias empiristas e positivistas, a qual considera o ambiente e a experiência prática como fonte do saber e da formatação do comportamento humano. Como sugere o termo, é uma associação das ideias e eventos à mente humana, composição capaz de propiciar a plena aprendizagem. Ebbinghaus (1850-1909) foi o pesquisador que empregou os princípios associacionistas de modo sistêmico. Thorndike (1874-1949) elencou a questão, deveras interessante, que a formatação das associações era fomentada pela satisfação, o que denominou de Lei de Efeito (1905). A teoria afirma que todo estímulo resulta em alguma resposta a partir de uma recompensa.
O Behaviorismo, uma teoria de perspectiva estritamente teórica, percebida como uma tradução extrema do Associacionismo sustenta que a Psicologia atente na correlação entre o “comportamento observável” e os “estímulos ambientais”. O Behaviorismo sofreu enorme resistência dos Psicólogos da Gestalt. A Psicologia da Gestalt entende que a compreensão das manifestações psicológicas é percebida e interpretada sob um olhar holístico, ou seja, sobre o todo, ao invés de fragmentos da totalidade. A visão gestaltista sintetiza categoricamente que “o todo é diferente das partes”, em síntese, é impossível resolver qualquer questão apenas observando frações da totalidade.
A PERIGOSA INDÚSTRIA DAS DOENÇAS MENTAIS
Diretor da revisão do DSM
IV, em 1994, o psiquiatra Allen Frances alerta que aumento de diagnósticos de
transtornos mentais está engolindo a normalidade.
Por:
Flávia Milhorance 17/10/2014 - 14:20
(Allen Frances alerta que
expansão da fronteira psiquiátrica está levando a aumento de diagnóstico e
engolindo a normalidade)
Traduzido para 12
idiomas, mas ainda em busca de editora no Brasil, o livro de Allen Frances
“Saving Normal” (Salvando o normal, em tradução livre) questiona o manual que é
referência para psiquiatras do mundo nos diagnósticos de transtornos mentais.
Para Frances, dificuldades diárias ganharam nomes de distúrbios no DSM (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Como resultado, uma legião
de pessoas usa remédios sem necessidade, tendência que, ele diz, tem influência
da indústria farmacêutica.
O DSM 5, mais recente
edição da “bíblia da psiquiatria”, é cercado de polêmicas, e uma delas veio do
Instituto Nacional de Saúde Mental (NHI), um dos principais órgãos
norte-americanos, que decidiu excluir de financiamentos as pesquisas que se
baseiam nas categorias do guia. Especialistas como Frances — diretor da revisão
da edição anterior a esta, o DSM IV — dizem que os critérios de diagnósticos
são “frouxos” e podem sofrer pressões de setores interessados.
O senhor acredita num
retrocesso do DSM 5 em relação do DSM IV?
Houve pouca controvérsia
no DSM IV (1994) porque ele rejeitou 92 de 94 sugestões de novos diagnósticos.
O DSM 5 (2013) é muito polêmico porque abriu as portas para a irresponsável
abundância de diagnósticos e de venda de remédios.
Na sua opinião, novos
transtornos foram incluídos sem necessidade no DSM 5? De quem é a
responsabilidade?
Sim, estamos
transformando os problemas diários em transtornos mentais e tratando-os com
comprimidos. Parte do problema é que o sistema de diagnóstico é muito frouxo.
Mas o principal problema é que a indústria farmacêutica vende doenças e tenta
convencer indivíduos de que precisam de remédios. Eles gastam bilhões de
dólares em publicidade enganosa para vender doenças psiquiátricas e empurrar
medicamentos.
Quais seriam os exemplos
desses excessos do manual?
Uma tristeza normal se
tornou “transtorno depressivo maior”; um esquecimento da idade é “transtorno neuro
cognitivo leve”; birras usuais do temperamento infantil se tornam “transtorno
disruptivo de desregulação do humor”; exagerar na comida virou “transtorno da
compulsão alimentar periódica”; uma preocupação de um sintoma médico é
“transtorno de sintoma somático”; e em breve todos terão “transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade” (TDAH) e tomarão estimulantes.
Quando o psiquiatra Leon
Eisenberg, considerado “o pai do TDAH”, se deparou com o aumento do diagnóstico
nos EUA, ele o chamou de “doença fictícia”. Qual é a sua opinião?
O TDAH ocorre em 3% das
crianças, mas é diagnosticado em 11% de americanos e, ridiculamente, em 20% de
adolescentes homens. O remédio pode ser bom para poucos e terrível se usado em
muitos.
Quão profundo pode ser o
impacto de remédios desnecessários no comportamento desses indivíduos?
Fazemos um vasto e
descontrolado experimento em nossas crianças, banhando seus cérebros imaturos
com produtos químicos fortes sem saber seus efeitos de longo prazo. Pais
precisam se tornar consumidores informados e proteger seus filhos.
A indústria farmacêutica
exerce alguma pressão sobre o grupo de trabalho responsável pela revisão do
DSM?
Ela espera às margens e
não faz pressão na revisão de diagnósticos. Mas tem financiamento ilimitado e
os melhores cérebros publicitários dedicados a difundir a desinformação de que
transtornos psiquiátricos são subdiagnosticados e fáceis de diagnosticar. E
apresenta comprimidos como solução.
Temos dados científicos
suficientes para embasar os diagnósticos?
Aprendemos muito sobre o
funcionamento do cérebro, mas até agora isso não ajudou um único paciente. O
cérebro é a coisa mais complicada que existe. A passagem da ciência básica para
a prática clínica é dolorosamente lenta, e não podemos nos apressar na psiquiatria.
Ainda não temos testes biológicos para definir doenças mentais, mas isso não
significa que não podemos ajudar aqueles que realmente precisam.
Como balancear a crítica
ao excesso de diagnóstico sem elevar o preconceito com os doentes?
Enquanto tratamos em
excesso os que não precisam, vergonhosamente deixamos os doentes de verdade ao
léu. Temos ferramentas para ajudá-los a ser produtivos e ter dignidade.
Quais são as
consequências disto?
Os gravemente doentes
terminam na rua, em prisões ou hospitais psiquiátricos inadequados. Precisamos
focar nos que estão doentes e proteger os que acham que estão. Nos EUA, pessoas
morrem mais por remédios prescritos do que de drogas ilícitas.
Que medidas sociedade,
cientistas, autoridades e indústria farmacêutica poderiam tomar?
Apertar o sistema de
diagnóstico; recapacitar médicos para os riscos, e não apenas os benefícios de
remédios; eliminar a propaganda de companhias farmacêuticas. É uma batalha de
Davi contra Golias, mas foi bem-sucedida contra a indústria do tabaco.
Através da história do homem, a ideia da morte propõe um mistério eterno que é o centro de alguns dos mais relevantes sistemas de pensamentos filosóficos e religiosos. Uma das mais distintas características do homem, em contraste com as outras espécies, é a sua capacidade de compreender o conceito de uma futura e inevitável morte. Em química e física, um fato é quase sempre determinado pelos eventos que o precederam. Nos seres humanos o comportamento presente depende não somente do passado, mas, muito mais ainda, talvez, da orientação para com acontecimentos futuros. De fato, o que uma pessoa procura vir a ser pode, algumas vezes, decidir ao que ela dá atenção em seu passado. O passado é uma imagem que muda com a concepção que temos de nós mesmos.
A
morte é algo que acontece, inevitavelmente, a todo ser humano. Mesmo antes do
nascimento, ela é uma presença ausente. Alguns afirmam que o temor da
morte é uma reação universal e que ninguém está livre de pensar nela (mais cedo
ou mais tarde). Quando se pensa no assunto, a noção da singularidade e da
individualidade de cada um adquire significado completo somente ao conceber que
todos, exatamente todos, irão morrer (só não se sabe quando, onde ou como). E é
neste mesmo encontro com a morte que muitos descobrem uma ânsia pela
imortalidade – mesmo sem ter a mínima noção do que vem a ser isso, afinal,
como imaginar ser imortal...impossível!
O
pai da Psicanálise, Freud, postulou a presença de um inconsciente desejo da
morte nas pessoas, que ele concatenou com certas tendências para a
autodestruição. Melanie Klein acreditava que o medo da morte está na raiz de
todas as ideias persecutórias e, por isso indiretamente, de toda a ansiedade. O
teólogo Paul Tillich, cuja influência se fez sentir na psiquiatria americana,
baseava a sua teoria da ansiedade no postulado ontológico de que o homem é finito,
sujeito ao não-ser. A insegurança bem pode ser um símbolo da morte. Qualquer perda
pode representar uma perda total. Carl Jung via a segunda metade da vida como
estando dominada pelas atitudes do indivíduo para com a morte. Em síntese,
parece haver um crescente reconhecimento da relação entre a doença mental de um
indivíduo e a sua filosofia de vida e morte.
Temas
e fantasias sobre a morte são proeminentes em psicopatologia. As ideias sobre a
morte são periódicas em alguns pacientes neuróticos e nas alucinações de muitos
indivíduos psicóticos – segundo literatura que aborda tal suposição. Há o
estupor do paciente catatônico, algumas vezes comparado a um estado de morte, e
as ilusões de imortalidade em certos esquizofrênicos. A negação esquizofrênica
da realidade parece funcionar, em certos casos, como um obstáculo mágico se não
como anulação, da possibilidade à morte. Se viver leva inevitavelmente a morte
então a morte pode ser desviada pelo não viver. Difícil não viver estando vivo,
mas...
Em
tempos remotos havia um certo número de psicanalistas que acreditava que uma das
principais razões pela qual as terapias de choque produziam efeitos positivos
nos pacientes era que fornecia um tipo de experiência fantasiosa de
morte-e-renascimento. É relevante notar, contudo, que mesmo quando a ansiedade
sobre a morte é discutida na literatura psiquiátrica, é com frequência
interpretada essencialmente como um fenômeno derivado ou secundário, reiteradamente
como um aspecto mais facilmente suportável do temor a castração ou como a
ansiedade de separação ou perda do objeto amado.
Outras
investigações de atitudes para com a morte podem enriquecer e aprofundar a
compreensão das reações de boa ou má adaptação ao estresse e das teorias da
personalidade. A adaptação das pessoas de faixa etária mais acentuada a ideia
da morte, por exemplo, pode bem ser um aspecto crucial do processo de
envelhecimento. Supor ou afirmar que um indivíduo aceite a morte pelo fato de estar
em idade mais avançada é fala do imaginário. Tudo aquilo que é verbalizado não,
necessariamente, reflete o sentimento mais profundo da mente humana. O estudo
das atitudes para com a morte em pacientes seriamente doentes e moribundos (uma
experiência in natura) possa prover algum tipo de insight das
maneiras com que diferentes indivíduos enfrentam tal “ameaça”.
Numa
perspectiva mais ampla, não apenas a psicologia, mas a cultura ocidental, na
presença da morte, tende a correr, esconder-se, e buscar refúgio em uma
linguagem eufemística, no desenvolvimento de uma indústria que tem, como
interesse maior, a criação de maiores qualidades naturais na morte e em
estatísticas atuariais (atuariais é um adjetivo que se refere a cálculos,
pesquisas e planificações realizados por atuários, profissionais que analisam
riscos e expectativas). Com o enfraquecimento das crenças paulinas (a crença
paulina é a doutrina do apóstolo Paulo, que se centra no corpo e na
sexualidade) relativas à pecaminosidade do corpo e a certeza de uma vida após a
morte, parece haver um concomitante decréscimo na capacidade das pessoas de
contemplar ou discutir a morte natural.
Não
obstante, as investidas de duas guerras mundiais, junto com a herança de um provável
holocausto nuclear, têm ajudado, em anos recentes, a empurrar a temporalidade
da vida cada vez mais para o primeiro plano. O movimento existencialista tem
sido particularmente conspícuo em redescobrir a morte como um tema filosófico e
um problema no século XXI. Num certo sentido, a história da filosofia
existencial, em suas fases mais proeminentes, foi uma exegese da experiência
humana diante da morte. Ao final das contas a imagem do homem que surgiu foi de
uma criatura limitada pelo tempo.
O
existencialismo expresso nas filosofias de Simmel, Sheler, Jaspers e Heidegger
colocou a experiência da morte perto do centro de suas análises da condição
humana. Acentuou a morte como uma parte constitutiva, antes que o mero fim da
vida, e salientou a ideia que somente pela integração do conceito de morte
dentro do eu torna-se possível uma autêntica e genuína existência. O
preço de negar a morte é a ansiedade indefinida, a autoalienação. Portanto,
afim de compreender-se completamente, o homem tem de enfrentar a morte e tornar-se
cônscio da morte pessoal.
Na
resposta à pergunta: o que a morte significa? Uma resposta seria a que percebe
a morte filosoficamente, como o fim natural do processo vital. Outra resposta
seria de natureza religiosa, encarando a morte como a dissolução da vida
corporal e o começo de uma nova vida. Esta descoberta, num certo sentido,
amplamente espelha a interpretação da morte na história do pensamento
ocidental. Destes dois polos infinitamente opostos, podem se derivar duas
éticas contrastantes: 1- a atitude para com a morte é a aceitação estoica ou
cética do inevitável, ou mesmo a repressão do pensamento de morte pela vida; 2-
a glorificação idealista da morte é a que proporciona significado a vida ou é a
pré-condição para a verdadeira vida do homem.
Esta
descoberta põe em destaque a profunda contradição que existe no pensamento
sobre a questão da morte. A tradição pressupõe que o homem termina com a morte
e que, ao mesmo tempo, é capaz de continuar de alguma outra forma, além da
morte. A morte é vista, de um lado, como uma "parede", o desastre
pessoal extremo, e o suicídio como o ato de uma mente doentia; de outro lado, a
morte é considerada como uma porta de entrada, um ponto no tempo no caminho da
eternidade. O grau de perturbação mental per se nos pacientes,
aparentemente, possui pequeno efeito sobre suas atitudes globais para com a
morte. Nem a neurose, nem a psicose produzem atitudes para com a morte que
não possam ser encontradas em sujeitos normais. Enfim, o assunto é
controverso e detém inúmeras concepções a respeito. Eu sempre gostei de um
dizer que ouvi a muito, muito tempo atrás: - Eu aposto na vida após a morte. Se
tal vida existir, maravilhoso! Se não existir, nunca ficarei sabendo! Simples
assim...
Mudança ou Dor
Todos
nós já tentamos, ocasionalmente, mudar maneiras de pensar. Sim? Não? Quando foi
a última vez que tentou parar de pensar em uma coisa ou desistir de um hábito,
mudar um sentimento desagradável? Seja a falta de motivação, o mau humor, a
sensação de isolamento ou apenas o desejo de mais sucesso, uma vez ou outra
todos nós já desejamos ser diferentes. Todos nós já desejamos loucamente mudar.
Você pode até mesmo ter decidido conscientemente a mudar, sustentado isso por
escrito e contando para alguns amigos. Você selecionou livros sobre o assunto e
tenha até ingressado em um grupo de estudos. Poucos meses depois, os livros
ficaram pela metade, o grupo de estudo esquecido e abandonado, e seus amigos,
se eram realmente amigos, foram gentis o bastante para não falar mais na
questão. Se a sua experiência foi um pouco parecida com isso, apesar de suas
boas intenções e do desejo de se tornar diferente, você viu que ainda estava “amarrado”
aos seus antigos (e grudentos) hábitos. Ou talvez você tenha se saído
brilhantemente, tendo até mesmo realizado as metas propostas.
Então,
você observou horrorizado que tudo estava inexoravelmente voltando a ser como
era antes (novamente). Quando se trata de perder peso ou mudar comportamento,
por exemplo, a mudança é bem mais complicada do que parece ser. E para piorar ainda
mais as coisas, quanto maior o esforço e a dedicação dedicada com vistas a transformação,
mais enganosa e frustrante ela se torna. Triste assim! Uma parte da mente percebe
que isto está em total desigualdade com o mundo em que vivemos. Afinal de
contas, as mudanças estão ocorrendo à nossa volta a uma velocidade incrível. Observamos
produtos novos tornando obsoletos os antigos cada vez mais rápidos. Os filhos
brincam com “joguinhos” que mal chegamos a compreender. Descobrimos que
precisamos de mais treinamento para fazer o mesmo trabalho para o qual já havíamos
treinado. Ouvimos falar que a mudança é a única constante na vida, que ela está
em toda a parte. Percebemos isso e acreditamos... até que tentamos mudar a nós
mesmos. Começamos, então, a nos perguntar: o que está acontecendo? Somos nós? O
que desejamos mudar é assim tão difícil?
Se
parar por um momento e olhar a sua vida de uma perspectiva ligeiramente
diferente, verá que você está sempre mudando – querendo ou não, percebendo ou
não. Afinal, você começou sendo um bebê, pesando apenas alguns quilos. Cresceu
e depois se transformou em um adolescente e agora é um adulto. Sua aparência física,
óbvia ou sutilmente, vem mudando a cada ano, quer goste disso ou não. Você costumava
gostar de doces e outras guloseimas... ou brinquedos... ou qualquer outra coisa
mais do que tudo no mundo e, mesmo que ainda goste de tudo isso, outras coisas
que nunca imaginou que apreciaria se tornaram bem mais importantes. Com o
passar dos anos, de bicicletas e embalos de sexta-feira à noite, seus
interesses mudaram. Mesmo recentemente, há coisas que você mudou com
facilidade, por vezes, sem perceber. Foi em uma dessas épocas em que você nem
se preocupava com isso. Era quase como, simplesmente, deixou de comer uma
determinada comida ou de usar um certo estilo de roupa. Ou talvez tenha
desenvolvido um novo interesse ou hobby. Você nem pensou nisso! Mas, aconteceu!
Foi preciso que os amigos lhe mostrassem a mudança. “Ah, sim”, você disse, eu mudei
de ideia”. Qualquer método realmente eficaz de mudança terá que explicar por
que, às vezes, é tão difícil mudar e por que, as vezes, é tão absolutamente fácil
fazer isso. Se você pensar bem, uma mudança não leva muito tempo. Ela acontece
em um instante.
Talvez
você ficasse nervoso diante de muitas pessoas e, um belo dia, acorda e percebe
que não fica mais. Durante anos você se sentou em frente de uma televisão e, repentinamente,
resolve sair para dar uma caminhada ou praticar um esporte. Você achou tempo
para voltar a estudar ou fez um esforço maior para conseguir aquela promoção. Você
pode ter passado algumas semanas, meses ou até anos se preocupando com isso. De
repente, percebe que as coisas mudaram. Se você sabe fazer uma coisa, isso
deveria ser fácil. Vendo as coisas assim, é quase uma perversidade humana que
nos incentivem a medir a importância de uma mudança pessoal pelo volume de dificuldades,
sofrimentos ou tempo exigido. É um exemplo de “sem esforço nada se ganha”. É como
se tudo o que fosse sofrimento na vida representasse progresso e, logo, nós o estaríamos
buscando, em vez de evitá-lo. Se as longas lutas e sofrimentos fossem o
caminho real para o sucesso, estaríamos todos indo a pé para o trabalho e ainda
estaríamos escrevendo com lápis e enviando a correspondência a cavalo.
A
dor é um sinal de que é hora de mudar. Se as nossas mãos tocam
uma superfície escaldante, nós as retiramos. A dor é um indício claro de que
estamos usando a abordagem errada. Ela nos diz que é hora de fazer alguma
coisa diferente. Lutar muito tempo sem ter sucesso é sinal de que o que
estamos fazendo não está funcionando. Alô! Acorda! É hora de fazer outra coisa,
qualquer coisa... de forma diferente, talvez. É hora de perceber que a dor, a
luta, o sofrimento e a espera são sinais de que está na hora de mudar de
abordagem. São suplementos opcionais ao processo de mudança que podemos
facilmente abandonar.
N |
a
modernidade, a construção da subjetividade torna-se ainda mais complexa devido
às influências da globalização, tecnologia e das rápidas mudanças sociais. Atualmente,
o ser humano é exposto a uma imensa gama de ideias, culturas e estilos de vida,
o que oferece novas oportunidades e desafios para a construção do
"eu". A subjetividade moderna é marcada por uma maior autonomia, mas
também por um maior grau de incerteza e fragmentação. As narrativas pessoais se
tornam múltiplas e, muitas vezes, contraditórias, refletindo a complexidade da
vida contemporânea. A tecnologia, especialmente as mídias sociais, tem um
impacto profundo na subjetividade. Por um lado, oferece plataformas para a
autoexpressão e a construção de identidades digitais. Por outro lado, pode levar
a uma sensação de superficialidade, comparação constante e alienação. A
construção da subjetividade na era digital tornou-se um tema de estudo
emergente, o qual busca entender como essas novas formas de interação e
comunicação moldam o "eu" humano.
O constructo da subjetividade humana é um processo contínuo e
multifacetado, enraizado na evolução biológica, mas profundamente influenciado
por fatores culturais e sociais. Desde os primeiros sinais de consciência dos
ancestrais primatas até as complexas identidades modernas, o "eu"
humano tem sido moldado por uma combinação de fatores internos e externos. A
compreensão desse processo é crucial para entender o significado de ser humano
e como continuamos a evoluir como indivíduos e como espécie. A subjetividade,
portanto, é ao mesmo tempo um produto da evolução e uma força que continua a
moldar a evolução, em uma dança constante entre o individual e o coletivo, o biológico e o cultural, o passado e o presente.
O ser humano
está sendo bombardeado por uma quantidade sem precedentes de informações,
ideias e imagens, fato que influencia a construção de uma identidade, muitas
vezes incoerente e permeada de uma sensação de fragmentação e incerteza. A
tecnologia, particularmente as mídias sociais, cria espaços onde as
subjetividades podem ser expressas, compartilhadas e validadas em tempo real.
As plataformas digitais permitem que as pessoas construam e apresentem versões
de si mesmas para audiências globais, o que pode fortalecer a identidade
individual, mas também cria pressões para conformidade e comparação social.
Esse fenômeno levanta questões sobre autenticidade e a natureza da
subjetividade na era digital. A subjetividade moderna também é caracterizada
pela pluralidade e pelo relativismo. Vivemos em um mundo onde múltiplas
perspectivas coexistem e onde as verdades subjetivas são muitas vezes
consideradas igualmente válidas. Isso pode ser uma fonte de riqueza cultural e
diversidade, mas também pode gerar conflitos e desafios, pois as subjetividades
individuais e coletivas nem sempre se alinham.
A síntese e o poder da subjetividade humana
“Deus é a mais alta subjetividade do homem, abstraída de si mesmo”.
Ludwig Feuerbach
A |
subjetividade humana é uma força poderosa que
molda as percepções, decisões e interações com o mundo. Ela é a síntese das
experiências pessoais, crenças, emoções e pensamentos que compõem a consciência
individual. Essa capacidade de vivenciar o mundo de forma única e interpretar a
realidade a partir de uma perspectiva interna é o que nos torna seres
singulares e complexos. Agora vamos explorar a síntese da subjetividade humana
e seu imenso poder na formação da identidade, na tomada de decisões e na
construção da sociedade.
A formação da subjetividade: uma síntese de experiências
A |
subjetividade é construída a partir de uma
vasta gama de experiências que começamos a acumular desde o nascimento. Cada
indivíduo passa por uma jornada única de desenvolvimento, na qual experiências
sensoriais, emocionais e cognitivas se combinam para formar uma percepção
pessoal da realidade. A interação com os outros, a cultura em que estamos
inseridos, e até mesmo as nossas memórias desempenham papéis essenciais na
construção desse eu subjetivo. As primeiras interações com cuidadores, por
exemplo, moldam nossa compreensão inicial do mundo. A forma como somos amados,
cuidados e socializados afeta profundamente a maneira como percebemos a nós
mesmos e aos outros. Além disso, a linguagem desempenha um papel crucial na
formação da subjetividade, pois nos permite nomear e articular nossas
experiências internas, dando-lhes forma e significado. À medida que crescemos,
nossa subjetividade é continuamente refinada e complexificada. Cada nova
experiência – seja uma descoberta pessoal, um aprendizado intelectual ou uma
interação social – contribui para a construção desse mosaico interno que compõe
nossa identidade subjetiva. Esse processo é dinâmico e nunca estático. Nós estamos
constantemente revisando e reinterpretando nossas experiências à luz de novas
informações e contextos.
O poder da subjetividade na tomada de decisões
A |
subjetividade tem um papel fundamental na
maneira como tomamos decisões. Ao contrário da visão de que as decisões são
tomadas com base em uma lógica pura e objetiva, a subjetividade influencia
profundamente nossas escolhas. Nossas crenças, valores e emoções – todos
componentes da subjetividade – afetam como percebemos as opções disponíveis e
como pesamos as consequências de nossas ações. Por exemplo, em situações de
tomada de decisão moral, a subjetividade é central. O que consideramos
"certo" ou "errado" é amplamente determinado por nossas
experiências pessoais, nossos valores culturais e nossas emoções. Duas pessoas
podem enfrentar a mesma situação, mas tomar decisões completamente diferentes
com base em suas subjetividades. Além disso, a subjetividade influencia nossa
percepção de risco e recompensa. Algumas pessoas podem estar dispostas a correr
grandes riscos por uma recompensa potencial, enquanto outras podem evitar o
risco devido a uma perspectiva subjetiva que prioriza a segurança e a
estabilidade. Essa diferença na tomada de decisões é o que dá origem à
diversidade de comportamentos humanos e permite que a sociedade seja rica em
perspectivas e abordagens.
A subjetividade e a construção da realidade social
A |
subjetividade não afeta apenas a vida interna
e as decisões individuais. Ela também desempenha um papel crucial na construção
da realidade social. As sociedades humanas são, em grande parte, construídas a
partir da soma das subjetividades de seus membros. As normas, leis, culturas e
os valores de uma sociedade refletem as percepções coletivas de certo e errado,
de belo e feio, de permitido e proibido. Cada sociedade cria narrativas e
discursos que moldam a subjetividade de seus membros, ao mesmo tempo em que
essas subjetividades também moldam e transformam as normas sociais. Esse
processo recíproco é o que mantém as culturas vivas e em constante evolução. Os
movimentos sociais, por exemplo, muitas vezes começam quando um grupo de
indivíduos, baseado em suas subjetividades compartilhadas, desafia as normas
sociais existentes e propõe uma nova visão de justiça ou moralidade. A arte e a
literatura são expressões poderosas da subjetividade humana que, por sua vez,
moldam a realidade social. Obras artísticas frequentemente exploram as
profundezas da experiência humana, revelando verdades subjetivas que ressoam
com outros indivíduos e podem influenciar amplamente a cultura. Um romance, um
filme, ou uma pintura pode capturar a essência de uma época, refletir os sentimentos
coletivos e até mesmo inspirar mudanças sociais.
O futuro da subjetividade humana
O |
poder da subjetividade humana parece não ter
limites, e a sua influência se estende para além do presente, moldando o futuro.
À medida que enfrentamos desafios globais como as mudanças climáticas, a desigualdade
social e os avanços tecnológicos, a maneira como cada indivíduo e sociedade
constrói e entende sua subjetividade é crucial para as nossas respostas
coletivas. No futuro, a subjetividade pode se tornar ainda mais multifacetada à
medida que novas tecnologias, como a inteligência artificial e a biotecnologia,
oferecem novas formas de moldar, experimentar e entender o "eu". A
possibilidade de modificação da subjetividade por meio de intervenções
tecnológicas levanta questões éticas profundas sobre a natureza da identidade e
da autonomia humana. Além disso, a subjetividade continuará a ser uma força
central na luta por justiça social e igualdade. Os movimentos sociais do
futuro, assim como os do passado, serão movidos pela subjetividade
compartilhada de indivíduos que buscam criar um mundo mais justo e equitativo.
A subjetividade humana é uma síntese poderosa de nossas experiências, crenças, emoções e pensamentos. Ela molda não apenas a maneira como percebemos e interagimos com o mundo, mas também como construímos nossas identidades e sociedades. O poder da subjetividade reside em sua capacidade de transformar realidades internas e externas, influenciando decisões individuais e movimentos coletivos. Na era moderna e além, a subjetividade continuará a ser uma força vital na formação da experiência humana. Compreender e respeitar a complexidade da subjetividade de cada indivíduo é essencial para construir um mundo mais empático, inclusivo e consciente. Ao abraçar a diversidade de subjetividades, podemos criar uma sociedade onde a individualidade é valorizada e onde a colaboração entre diferentes perspectivas leva a soluções inovadoras e justas para os desafios que enfrentamos.
MENTE:
UM MISTÉRIO AQUÉM DO PONTO FINAL
A
filosofia da mente consolidou-se no século XX, resultado de uma jornada milenar
que a torna uma disciplina de história curta, mas de passado longo. Falar da
mente já foi privilégio de místicos, textos sagrados e filósofos refugiados em
teorias herméticas. No entanto, nos últimos anos esse assunto passou a ser um
tema abordado pela racionalidade profana da ciência. Na filosofia da mente
contemporânea aliam-se ciência e reflexão filosófica, numa combinação imposta
por se reconhecer a necessidade de uma investigação interdisciplinar. A mente
deixou de ser algo exclusivo dos seres humanos. Desde a década de 1940 (sim,
desde a década de 40!) a ciência passou a atribuir mente e inteligência a
máquinas e outros dispositivos artificiais. Desenvolveu-se uma tecnologia do
mental, da qual resultou uma aproximação crescente entre a psicologia, ciência
da computação e engenharia. Desse projeto interdisciplinar surgiu a
inteligência artificial e, posteriormente, a ciência cognitiva. A inteligência
artificial teve um triunfo efêmero há mais de 50 anos, suficiente para demonstrar
que muitas atividades consideradas exclusivas dos seres humanos, como, por
exemplo, jogar xadrez ou fazer cálculos matemáticos... poderiam ser executadas por
computadores.
A
replicação tecnológica da inteligência e das atividades mentais vem tendo
consequências profundas sobre o modo como se concebe a relação entre mente e
cérebro. Ela sugere que aquilo chamado de “mente” talvez não seja mais do que
um tipo específico de arranjo material, feito a partir de peças de silício.
Paralelamente à revolução computacional e seus desdobramentos mais recentes (a
partir dos anos de 1990), o mundo entra na “epopeia do cérebro”. Nela se
esperava que o desenvolvimento da neurociência, aliado aos progressos de outras
disciplinas como a genética e a biologia molecular, pudesse finalmente
desvendar a natureza da consciência humana que muitos já declaravam ser o
último mistério ainda não resolvido pela ciência (quem dera!). A década do
cérebro já terminou, grandes avanços foram alcançados, mas a natureza da
consciência ainda continua sendo um mistério.
Desse
período ficaram marcas profundas: nela, mais do que em qualquer época, houve a
tentativa de transformar a ciência da mente em ciência do cérebro - alegrias,
tristezas, pensamentos e outros estados subjetivos nada mais seriam do que o
resultado da atividade de alguns grupos de neurônios do cérebro. É possível
controlar quimicamente a ansiedade e angústia (e outros estados emocionais), o
que viria a confirmar que esses estados nada mais seriam do que desconfortáveis
ilusões subjetivas. Mas, ao dissipar ilusões subjetivas a neurociência parece
caminhar em direção a dissipar o próprio conceito de mente. Ao livrar-se da
ideia de mente, ela estaria jogando fora o bebê junto com a água do banho.
Entre
a tecnologia do mental e a neurociência haveria ainda algo que teria se tornado
uma terra de ninguém: a psicologia, que, durante muitos anos, teria permanecido
como reduto privilegiado daqueles que detinham o saber sobre as mentes humanas.
Para os neurocientistas e para os engenheiros do mental a psicologia está
vivendo seus últimos dias, estando fadada a desaparecer num futuro próximo, da
mesma maneira que a alquimia foi substituída pela química (parece improvável,
uma vez que as ciências se ajustam ao contexto histórico). “Mente” estaria se
tornando um conceito obsoleto. Desde seu aparecimento, há pouco mais de 150
anos (a princípio), a psicologia vem enfrentando um ajuste teórico (e prático) profundo.
Nas últimas décadas ela se tomou particularmente aguda, ao ponto de filósofos
como o austríaco Ludwig Wittgenstein a ironizarem com sentenças bombásticas
como “na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual”. Ele sugeriu
que os psicólogos nunca teriam realmente sabido do que estavam falando ao se
referirem a mentes. Desse pântano não parecem ter escapado os tecnólogos da
mente nem tampouco os neurocientistas. Quando lemos atentamente seus trabalhos
ou visitamos seus laboratórios frequentemente ficamos com a impressão de que
muitas vezes aqueles que se envolvem nesse tipo de empreendimento não sabem
exatamente o que estão fazendo. É como se tivessem um excelente navio, com uma
tripulação altamente qualificada sem, contudo, saber de onde se partiu e para
onde se está navegando, correndo o risco de algumas vezes tomar uma ilhota por
um continente ou cometendo o erro oposto.
O
conceito de mente ainda parece constituir o grande ponto cego da investigação
científica. Na contramão desse movimento científico encontramos uma forte
reação à invasão progressiva da ciência nos últimos redutos do mundo da mente:
o misticismo. Como se ele buscasse reencontrar algum tipo de (re)encantamento
do mundo, opondo-se à dessacralização e ao processo de naturalização da mente,
ou seja, a redução dessa ao substrato químico e biológico do cérebro. Do
misticismo desliza-se facilmente para a mistificação. A psicologia não ficou
imune a esse tipo de movimento, encontrando-se hoje invadida por doutrinas
exóticas dos mais variados tipos. O desafio a enfrentar é, então, o de
desenvolver um conceito de mente e de sua relação com o cérebro que acomode a
possibilidade de uma investigação científica interdisciplinar, uma investigação
que concilie a própria descrição como cérebros e organismos com nossa descrição
como pessoas dotadas de mentes.
Não
poderíamos resolver esse problema decretando unilateralmente o fim da ideia de
mente ou sustentando que essa passará para a lista dos conceitos científicos
obsoletos, da mesma maneira que o “flogisto” (a teoria dizia que quando um
objeto se incendiava, liberava uma substância misteriosa, denominada de
flogístico, considerada inerte e que não podia ser isolada dos outros
compostos, mas apenas transferida de um objeto para outro) foi substituído pelo
oxigênio. O problema da natureza da mente e de sua relação com o cérebro ainda
extrapola o âmbito da investigação cientifica existente. Mas, se a ciência não
pode resolver essa outra ordem de problemas filosóficos ou conceituais, tampouco
é possível virar as costas para ela.
Enfim,
a filosofia tradicional tem se debatido, durante séculos, com a questão de
saber se o cérebro produz a mente ou se ele apenas a manifesta, sendo apenas um
complexo e misterioso hospedeiro biológico. Da filosofia tradicional teríamos
legado apenas a aridez metafísica e da neurociência e engenharia do mental a
excessiva ingenuidade filosófica de alguns cientistas. Cabe à filosofia da
mente buscar uma terceira margem do raciocínio ou uma perspectiva da qual se
possa, ao se falar de mentes e cérebros, distinguir entre cavaleiros e moinhos
de vento. O problema das relações entre mente e cérebro constitui um problema
conceitual ou filosófico. As raízes históricas da discussão sobre a relação
entre mente e cérebro propõem que ambos são a mesma coisa, como o materialismo
contemporâneo. E, segundo os funcionalistas, a mente é um tipo específico de
organização que ocorre no cérebro humano, mas que pode ocorrer também num
computador ou em algum outro tipo de dispositivo artificial.
Esse tema impressiona não apenas pela enorme proliferação teórica que tem produzido nos últimos anos, como também pela perplexidade que tem suscitado. Busca-se uma teoria geral da consciência e da subjetividade, seja através de simulações computacionais, seja através do estudo do cérebro. A busca incessante dos correlatos neurais da consciência conduzem para um outro tipo de discussão que ocupa a filosofia da mente contemporânea: avaliar o significado das novas técnicas de mapeamento cerebral através das tecnologias de neuroimagem, que se consolidaram nas últimas décadas e que apontariam para a possibilidade de explicar a natureza dos fenômenos mentais a partir de propriedades específicas do cérebro humano. Trata-se de um assunto que já alcançou muito em termos de conhecimento, maaaassssss, está longe, muito longe de um ponto final (como tudo na vida).
HÁBITO – UM MECANISMO NEURAL COMPLEXO DE MUDAR by Heitor Jorge Lau É uma verdade quase inquestionável que, em algum mome...