segunda-feira, 7 de julho de 2025

A INCONSTÂNCIA DA FELICIDADE MENTAL HUMANA

 


             A INCONSTÂNCIA DA FELICIDADE MENTAL HUMANA

By Heitor Jorge Lau

            O desafio interessante de explorar a complexidade da felicidade. Vamos mergulhar no universo científico desse sentimento multifacetado, associando cada letra da palavra "FELICIDADE" a um conceito aparentemente desconexo, para ilustrar a natureza circunstancial e diversificada da alegria humana.

            A TEIA QUÍMICA DA FELICIDADE HUMANA

            A felicidade, esse estado elusivo e tão desejado, é mais do que um mero capricho do destino. Trata-se de uma orquestra complexa de processos neuroquímicos, cognitivos e comportamentais que se desenrolam no intrincado palco do cérebro humano. Longe de ser um sentimento monolítico, a felicidade é um espectro de emoções positivas, que vão desde o contentamento sereno até a euforia transbordante. Sua natureza é intrinsecamente circunstancial e multifacetada, influenciada por uma miríade de fatores internos e externos, tornando-a uma experiência profundamente pessoal e fluida. Para desvendar essa complexidade, vamos associar cada letra da palavra FELICIDADE a um termo que, à primeira vista, pode parecer não ter conexão direta, mas que, sob uma análise mais aprofundada, nos revela camadas adicionais sobre como percebemos e experimentamos a felicidade.

            F - FLUIDO

            A primeira letra de felicidade nos leva ao termo Fluido. Assim como a água que se adapta a qualquer recipiente, a felicidade não é estática, ela é um estado emocional em constante movimento, moldado pelas experiências, pelo ambiente e pelas nossas próprias interpretações. No nível biológico, a neuroplasticidade do cérebro ilustra bem essa fluidez. Nossas conexões neurais não são fixas, mas sim dinâmicas, remodelando-se continuamente em resposta às nossas experiências e aprendizados. Quando experimentamos algo positivo, por exemplo, como um momento de alegria compartilhada, sinapses se fortalecem, e novas vias neurais podem ser criadas, reforçando a probabilidade de sentirmos felicidade em situações semelhantes no futuro. Essa maleabilidade cerebral significa que a felicidade não é uma condição permanente a ser alcançada, mas sim um processo contínuo de adaptação e evolução. O fluxo de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina (sistemas de recompensa do cérebro) também exemplifica essa fluidez, com seus níveis flutuando em resposta a estímulos diversos, influenciando diretamente nosso humor e bem-estar. A felicidade é, portanto, um rio que nunca para, sempre em fluxo, adaptando-se às margens da nossa existência.

            E - EPISTEMOLOGIA

            A letra 'E' nos conduz à Epistemologia, o estudo do conhecimento. Embora possa parecer uma digressão, a forma como adquirimos e interpretamos o conhecimento tem um impacto profundo na nossa percepção da felicidade. Nossas crenças, valores e a maneira como construímos nossa realidade moldam as lentes através das quais enxergamos o mundo e, consequentemente, a nossa capacidade de encontrar alegria. A epistemologia da felicidade nos questiona: como sabemos que estamos felizes? Que critérios usamos para definir esse estado? A felicidade pode ser vista como um constructo subjetivo, influenciado por narrativas pessoais e culturais. Por exemplo, a forma como uma cultura valoriza o sucesso material versus o bem-estar comunitário pode influenciar profundamente as fontes de felicidade de seus indivíduos. O viés de confirmação, um conceito epistemológico, também desempenha um papel, onde tendemos a buscar e interpretar informações que confirmem nossas crenças preexistentes sobre o que nos faz felizes, muitas vezes ignorando evidências em contrário. Compreender a epistemologia da felicidade nos permite reconhecer que o que consideramos "felicidade" é, em grande parte, uma construção mental, e que a reavaliação de nossas crenças pode abrir novos caminhos para a satisfação.

            L - LIMINAR

            Chegamos à letra 'L', que nos remete ao conceito Liminar. A liminaridade refere-se a um estado de transição, um limiar entre dois estados ou fases. A felicidade muitas vezes reside nesses momentos liminares, nos interstícios entre o desejo e a realização, entre o passado e o futuro. Pense na antecipação de um evento desejado, como uma viagem ou um reencontro. A excitação e a alegria experimentadas antes mesmo do acontecimento são exemplos de felicidade liminar. Neurologicamente, essa antecipação ativa o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. A beleza da felicidade liminar é que ela nos ensina a valorizar o processo, a jornada, e não apenas o destino final. É nos momentos de incerteza e espera que a esperança e a expectativa podem florescer, nutrindo um tipo particular de felicidade que é transitório... mas profundamente significativo. Essa perspectiva nos convida a abraçar a impermanição (qualidade daquilo que é impermanente, que não é estável ou constante) e a encontrar alegria nos pequenos "quases" e "aindas não" da vida.

            I - INVOLUÇÃO

            A letra 'I' nos leva à Involução, um termo que, à primeira vista, parece contraintuitivo para a felicidade. Involução refere-se a um processo de retorno a um estado anterior, muitas vezes mais simples ou primitivo. No contexto da felicidade, a involução pode ser interpretada não como um retrocesso negativo, mas como a capacidade de acessar e apreciar formas mais básicas e fundamentais de bem-estar. Pense na simplicidade e na alegria pura que as crianças muitas vezes demonstram. Essa é uma forma de felicidade involutiva, desprovida das complexidades e pressões da vida adulta. A prática da mindfulness ou atenção plena, por exemplo, pode ser vista como um processo involutivo, onde despojamos as camadas de preocupação e superanálise para nos conectarmos com o momento presente... com uma consciência mais primária. Cientificamente, o foco no presente e a redução da ruminação sobre o passado ou a ansiedade sobre o futuro estão associados a uma maior atividade do córtex pré-frontal, resultando em maior tranquilidade e contentamento. Algumas vezes, para encontrar a felicidade, precisamos involuir, desaprender as complexidades e redescobrir a beleza e a alegria nas coisas mais simples da vida.

            C - CAOS

            A letra 'C' nos remete ao Caos. O caos é frequentemente associado à desordem e à imprevisibilidade. No entanto, surpreendentemente, a felicidade pode emergir do caos, ou melhor, da forma como reagimos a ele. A vida é inerentemente caótica, cheia de imprevistos e desafios. A resiliência, a capacidade de se adaptar e se recuperar de adversidades é um poderoso motor da felicidade, e ela é forjada no caldeirão do caos. Quando somos confrontados com situações desafiadoras o nosso cérebro ativa mecanismos de enfrentamento. A superação de obstáculos, mesmo que pequenos, libera endorfina e dopamina, neurotransmissores que nos dão uma sensação de conquista e prazer. O caos nos força a sair da nossa zona de conforto, a inovar e encontrar soluções, e é nessa busca por ordem em meio à desordem que muitas vezes descobrimos nossa força interior e, consequentemente, fontes inesperadas de felicidade. A aceitação do caos como parte integrante da existência nos permite navegar pelas turbulências da vida com mais serenidade, encontrando momentos de alegria mesmo em meio à tempestade.

            I - INÉRCIA

            A segunda letra 'I' nos leva à Inércia. Em física, a inércia é a tendência de um objeto de resistir a mudanças em seu estado de movimento. No contexto da felicidade, a inércia pode ser interpretada de duas maneiras. Por um lado, pode ser a inércia da negatividade, onde padrões de pensamento pessimistas se perpetuam, dificultando a busca pela felicidade. Nosso cérebro, por uma questão de eficiência, tende a seguir caminhos neurais estabelecidos, e se esses caminhos foram reforçados por experiências negativas, a inércia pode nos manter presos a padrões de infelicidade. Por outro lado, a inércia também pode ser a resistência positiva à mudança quando estamos em um estado de contentamento. Quando encontramos um equilíbrio, uma sensação de bem-estar, há uma tendência natural de manter esse estado. A neuroquímica por trás disso envolve a estabilização de neurotransmissores como a serotonina, que promove a sensação de calma e satisfação. Superar a inércia negativa exige esforço consciente para reestruturar pensamentos e hábitos, enquanto abraçar a inércia positiva significa saborear os momentos de paz e estabilidade.

            D - DESACORDO

            A primeira letra 'D' nos remete ao Desacordo. O desacordo, seja ele com outras pessoas ou consigo mesmo, pode parecer uma fonte de conflito e infelicidade. No entanto, o desacordo, quando manejado construtivamente, é um catalisador para o crescimento e, surpreendentemente, para a felicidade. A diversidade de opiniões e a capacidade de engajar em um debate saudável estimulam o pensamento crítico e a criatividade. No nível social, o diálogo e a resolução de desacordos são essenciais para a construção de comunidades mais fortes e adaptáveis. A nível individual, o desacordo interno, a dissonância cognitiva, nos força a reavaliar nossas crenças e a nos desenvolver. O processo de resolver um conflito ou de chegar a um entendimento, mesmo que parcial, libera neurotransmissores de recompensa, proporcionando uma sensação de alívio e satisfação. A felicidade não significa a ausência de desacordos, mas sim a capacidade de enfrentá-los com inteligência emocional, transformando-os em oportunidades de aprendizado e conexão. A aceitação de que nem tudo estará em harmonia perfeita nos permite encontrar felicidade na complexidade das relações humanas e na evolução pessoal.

            A - ABISSAL

            A letra 'A' nos leva ao termo Abissal. O abismo evoca profundidade, o desconhecido, as partes mais recônditas de nós mesmos. A felicidade abissal é aquela que surge das profundezas do nosso ser, muitas vezes em momentos de introspecção profunda ou de conexão com algo maior do que nós mesmos. Não é a alegria superficial, mas uma sensação de paz e significado que transcende as circunstâncias externas. Cientificamente, essa experiência pode estar ligada à ativação de regiões cerebrais associadas à autorreflexão e à transcendência, como o córtex pré-frontal medial. A meditação, a contemplação da natureza ou o engajamento em atividades que nos proporcionam um senso de propósito podem desencadear essa felicidade mais profunda e duradoura. Ela é forjada nas nossas experiências mais íntimas, na nossa compreensão do nosso lugar no mundo e conexão com valores e significados pessoais. A felicidade abissal nos convida a explorar as profundezas da nossa própria consciência, descobrindo fontes de contentamento que permanecem inabaláveis mesmo diante das adversidades da vida.

            D - DESINTEGRAÇÃO

            A segunda letra 'D' nos remete à Desintegração. A ideia de desintegração pode parecer assustadora, associada à perda e ao fim. Contudo, a felicidade pode surgir da desintegração de velhos padrões, crenças ou estruturas que já não nos servem. Para que algo novo possa nascer, algo antigo deve se desfazer. A desintegração pode ser o catalisador para a renovação e o crescimento. Por exemplo, o fim de um relacionamento, embora doloroso, pode levar à redescoberta da autonomia e à abertura para novas conexões mais alinhadas. Neurobiologicamente, o cérebro tem a capacidade de "podar" sinapses que não são mais necessárias (poda sináptica), um processo de desintegração que abre espaço para novas e mais eficientes conexões. A desintegração não é o fim, mas sim um processo de transformação que, embora possa ser desconfortável, é essencial para a evolução e para a construção de uma felicidade mais autêntica e resiliente. Aceitar que a vida é um ciclo de construção e desintegração, e que a felicidade pode ser encontrada em ambos os processos, é um passo fundamental para uma vida mais plena.

            E - EPÍLOGO

            Finalmente, a última letra 'E' nos leva ao Epílogo. O epílogo é a seção final de uma obra literária, que amarra as pontas soltas e oferece uma conclusão. No contexto da felicidade, o epílogo nos lembra que a alegria não é um estado permanente e linear, mas sim uma série de episódios e histórias que se desdobram e se encerram (praticamente inevitável). A capacidade de refletir sobre as experiências passadas, encontrar sentido nas nossas jornadas e aceitar o fim de ciclos é crucial para a felicidade. A memória positiva desempenha um papel fundamental aqui, permitindo-nos revisitar momentos de alegria e extrair satisfação de lembranças. A sabedoria adquirida com as experiências vividas nos permite apreciar a natureza efêmera da felicidade, sabendo que cada "fim" é também um novo começo. O epílogo nos ensina a olhar para trás com gratidão, para o presente com atenção plena e para o futuro com esperança, compreendendo que a felicidade é a soma de todos esses momentos, um conto contínuo que estamos sempre escrevendo.

            Em suma, a felicidade é um fenômeno notavelmente complexo e dinâmico, uma tapeçaria tecida com fios neuroquímicos, cognitivos, sociais e existenciais. Ao desmembrar a palavra "FELICIDADE" em termos tão díspares como Fluido, Epistemologia, Liminar, Involução, Caos, Inércia, Desacordo, Abissal, Desintegração e Epílogo, percebemos que o sentimento de alegria não se restringe a um único gatilho ou condição. Pelo contrário, é uma emoção circunstancial e multifacetada, que surge e se transforma em meio a transições, reflexões, desafios, e até mesmo em desordem e desintegração. Compreender essa complexidade é o primeiro passo para cultivarmos uma felicidade mais resiliente e autêntica, uma que abrace a riqueza e a impermanência da experiência humana. Lembrando, a felicidade não é ininterrupta!


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