Através da história do homem, a ideia da morte propõe o mistério eterno que é o centro de alguns dos mais importantes sistemas de pensamentos filosóficos e religiosos DA humanidade. Por exemplo, a Cristandade, onde o significado da vida é consumado em seu termo e o existencialismo e sua preocupação impressionante com o temor e a morte. Este modo de ver tem enormes consequências práticas em todas as esferas da vida, econômica e política, bem como moral e religiosa.
Uma das mais distintas características
do homem, em contraste com as outras espécies, é a sua capacidade de compreender
o conceito de uma futura e inevitável morte. Em Química e Física, um fato é quase
sempre determinado pelos eventos que o precederam. No ser humano, o
comportamento presente depende não somente do passado, mas, da orientação para
com acontecimentos futuros. De fato, o que uma pessoa procura vir a ser pode, algumas
vezes, decidir ao que ela dá atenção em seu passado. O passado é uma imagem que
muda com a imagem que temos de nós mesmos no presente.
A morte é algo que
acontece a cada um, óbvio. Mesmo antes de sua chegada, ela é uma presença ausente.
Muitos afirmam que o temor da morte é uma reação universal e que ninguém está
livre dela. Quando paramos para considerar o assunto, a noção da singularidade e
da individualidade de cada indivíduo adquire significado completo somente ao
conceber que a morte é certa. E, é neste mesmo encontro com a morte que cada um
descobre sua ânsia pela imortalidade.
Freud postulou a presença
de um inconsciente desejo da morte nas pessoas, que ele ligou com certas
tendências para a autodestruição. Melanie Klein acreditava que o medo da morte
está na raiz de todas as ideias persecutórias e, por isso indiretamente, de
toda a ansiedade. Paul Tillich, o teólogo, cuja influência se fizeram sentir na
psiquiatria americana, fundamentou a sua teoria da ansiedade no postulado ontológico
de que o homem é finito, sujeito ao não-ser. A insegurança bem pode ser um símbolo
da morte. Qualquer perda pode representar uma perda total. Jung percebeu a
segunda metade da vida como estando dominada pelas atitudes do indivíduo para
com a morte. Em síntese, é possível observar um crescente reconhecimento da
relação entre a doença mental de alguém e sua filosofia de vida e de morte.
Temas e fantasias sobre a
morte são proeminentes em psicopatologia. Exemplos existem de que ideias sobre a
morte são periódicas em alguns pacientes neuróticos e nas alucinações de muitos
indivíduos psicóticos. Há o estupor do paciente catatônico, algumas vezes
comparado a um estado de morte, e as ilusões de imortalidade em certos
esquizofrênicos. A negação esquizofrênica da realidade pode funcionar, em certos
casos, como um obstáculo mágico se não como anulação da possibilidade a morte.
Se viver leva inevitavelmente a morte então a morte pode ser desviada pelo não
viver. Também, um grupo de psicanalistas acreditava que uma das principais
razões pela qual as medidas de choque produziam efeitos positivos nos pacientes
era que estes tratamentos forneciam um tipo de experiência fantasista de
morte-e-renascimento. É relevante notar, contudo, que mesmo quando a ansiedade
sobre a morte é discutida na literatura, é ela com frequência interpretada essencialmente
como um fenômeno derivado ou secundário, frequentemente como um aspecto mais
facilmente suportável do temor à castração, ou como a ansiedade de separação ou
perda do objeto amado.
Outras investigações de
atitudes para com a morte podem enriquecer e aprofundar a compreensão das
reações de boa ou má adaptação ao estresse e da teoria da personalidade.
A adaptação das pessoas mais velhas à ideia da morte, por exemplo, pode ser um aspecto
crucial do processo de envelhecimento. O estudo das atitudes para com a morte
na pessoa seriamente doente e moribunda, uma experiência in natura, pode
prover novos insights das maneiras com que diferentes indivíduos enfrentam
a ameaça. Numa perspectiva mais ampla, não apenas a psicologia, mas a cultura
ocidental, na presença da morte, tende a correr, esconder-se, e buscar refúgio
em uma linguagem eufemística, no desenvolvimento de uma indústria que tem, como
interesse maior, a criação de maiores qualidades naturais na morte. A preocupação
com a morte tem sido relegada ao território proibido até aqui ocupado por
moléstias terminais.
Com o enfraquecimento das
crenças relativas à pecaminosidade do corpo e a certeza de uma vida após a morte,
parece haver um concomitante decréscimo na capacidade das pessoas de contemplar
ou discutir a morte natural. Não obstante, as investidas de duas guerras
mundiais, junto com a herança de um holocausto nuclear potencial, têm ajudado a empurrar a temporalidade da vida cada vez
mais para o primeiro plano. O movimento existencialista tem sido particularmente
conspícuo em redescobrir a morte como um tema filosófico e um problema no século
XXI. Num certo sentido, a história da filosofia existencial, em suas maiores fases,
é uma exegese da experiência humana da morte. A imagem do homem que surge é de uma
criatura limitada pelo tempo.
O existencialismo de
nosso século, expresso nas filosofias de Simmel, Sheler, Jaspers e Heidegger
colocou a experiência da morte perto do centro de suas análises da condição humana.
Tem acentuado a morte como uma parte constitutiva, antes que o mero fim da
vida, e salientou a ideia que somente pela integração do conceito de morte
dentro do eu torna-se possível uma autêntica e genuína existência. O preço de
negar a morte é a ansiedade indefinida, a autoalienação. Para compreender-se completamente,
o homem tem de enfrentar a morte, tornar-se cônscio da morte pessoal. O
existencialismo não é, certamente uma técnica psicoterapêutica e não tem pretensões
nesta direção.
Na resposta à pergunta "O
que a morte significa para você?" dois pontos de vista emergem. Um vê a morte
numa veia filosófica, como o fim natural do processo vital. O outro é de
natureza religiosa, percebendo a morte como a dissolução da vida corporal e, na
realidade, o começo de uma nova vida. Estas óticas, num certo sentido,
amplamente espelha a interpretação da morte na história do pensamento
ocidental. Destes dois polos opostos, podem se derivar duas éticas contrastantes.
De um lado, a atitude para com a morte é a aceitação estoica ou cética do inevitável,
ou mesmo a repressão do pensamento de morte pela vida; do outro, a glorificação
idealista da morte é a que proporciona significado a vida, ou é a pré-condição
para a verdadeira vida do homem. Esta descoberta põe em destaque a profunda contradição
que existe no pensamento sobre o problema da morte. A tradição pressupõe que o
homem termina com a morte e que, ao mesmo tempo, é capaz de continuar, de algum
outro sentido, além da morte. A morte é vista, de um lado, como uma parede, o
desastre pessoal extremo, e o suicídio como o ato de uma mente doentia; de
outro lado, a morte é considerada como uma porta de entrada, um ponto no tempo
no caminho da eternidade.
O grau de
perturbação mental per se nos pacientes, aparentemente, possui pequeno
efeito sobre suas atitudes globais para com a morte. Nem a neurose, nem a psicose
produzem atitudes para com a morte que não possam ser encontradas em sujeitos
normais. O distúrbio emocional aparentemente serve para trazer atitudes específicas
mais claramente para o primeiro plano. Estes resultados reforçam as
descobertas de Bromberg e Schilder. Incidentalmente, poucas pessoas normais
visualizam sua própria morte em decorrência de um acidente. Isto se opõe às descobertas
de que uma boa proporção dos pacientes mentalmente enfermos visualiza sua morte
por efeito da "pane num avião", "por atropelamento”, "de assassinato"
...
Quando solicitada a
expressar uma preferência quanto à "maneira, lugar e tempo da morte, uma maioria
esmagadora gostaria de morrer rapidamente e com pouco sofrimento - pacificamente,
dormindo. Muitos queriam ter tempo suficiente para que pudessem fazer as despedidas
da família e amigos. "Em casa" e na "cama" são especificamente
mencionados como locais favoritos para morrer. Há, naturalmente, idiossincrasias
pessoais - "num jardim", "contemplando o oceano", "numa
rede em dia de primavera".
Com referência ao tempo
da morte, as pessoas desejam morrer à noite, porque "significa menos
problemas para todos os interessados", "pouco rebuliço". A
escolha da noite, afora o pacífico final da vida considerado, que ela sugere,
tem muita riqueza de sugestão simbólica. Homero, na Ilíada, alude ao sono
(hypnos) e à morte (thanatos) como irmãos gêmeos, e muitas das
preces religiosas entrelaçam as ideias de sono e morte. Os judeus ortodoxos,
por exemplo, ao despertar pela manhã agradecem a Deus por tê-los restaurado para
a vida novamente.
A pessoa religiosa,
quando comparada com o indivíduo não religioso, é pessoalmente mais temerosa da
morte. O indivíduo não religioso teme a morte porque a família pode não estar
prevenida para tal ou porque deseja completar certas coisas ainda não vividas. A
ênfase está no temor da descontinuidade da vida na Terra - o que está sendo deixado
para trás - em vez de naquilo que poderá vir a acontecer depois da morte. A ênfase
para a pessoa religiosa é dupla. Preocupa-se com assuntos post-mortem - ''posso
ir para o inferno", "tenho pecados para expiar ainda” - bem como com
a cessação das presentes experiências terrestres. Os dados indicam que mesmo a
crença de ir para o paraíso não é um antídoto suficiente para pôr fim ao medo
pessoal da morte de algumas pessoas religiosas. Esta constatação, juntamente
com o forte temor da morte expresso em anos passados por um número substancial
de indivíduos inclinados à religiosidade, pode refletir um uso defensivo da religião
por parte de algumas pessoas. De modo correspondente, a pessoa religiosa sustenta
uma orientação mais significativamente negativa para com os anos mais avançados
da vida do que o faz a correspondente pessoa não religiosa.
A maturidade humana traz
consigo um reconhecimento de limite, que é um notável avanço no autoconhecimento.
De certa maneira, a disposição para morrer aparece como uma necessária condição
de vida. Ninguém está totalmente livre em qualquer ação enquanto for comandado
por uma inescapável vontade de viver. Neste contexto, os riscos diários da
vida, por exemplo dirigir na cidade, fazer uma viagem aérea, perder a
vigilância ao dormir, tornam-se formas de quase extravagante insensatez. A vida
não nos pertence genuinamente até que possamos renunciar a ela. Montaigne
penetrantemente observou que "somente o homem que não mais teme a morte
deixou de ser um e cravo”.
Para concluir: o nascimento
de um homem é um evento incontrolável na sua vida, mas a maneira de sua partida
da vida guarda uma definida relação com sua filosofia de vida e morte. Está enganado
aquele que considerar a morte como um acontecimento puramente biológico. A vida
não é verdadeiramente compreendida nem completamente vivida a não ser que a ideia
de morte seja encarada com honestidade. Há uma premente necessidade de informação
mais fidedigna e sistemática de estudo controlado na área. Esta é uma área em
que as formulações teóricas não têm deixado atrás de si um corpo acumulativo de
dados descritivos e empíricos. A pesquisa sobre o significado da morte e o ato
de morrer podem realçar a compreensão do comportamento do indivíduo e fornecer
uma porta de entrada complementar para uma análise das culturas.
Alegria, amor e felicidade
provêm indícios igualmente válidos para a realidade e o ser. Como Gardner Murphy
perspicazmente salientou, está longe de estar estabelecido que todo enfrentamento da morte represente necessariamente proveito para a saúde mental.
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