O PRESENTE E O FUTURO DA PSICANÁLISE
E MUDANÇA DE COMPORTAMENTO
A Psicanálise, desde seus primórdios freudianos, tem se debruçado sobre os intrincados caminhos da mente humana, buscando desvendar os véus do inconsciente para iluminar os impulsos e conflitos que moldam o comportamento. No presente, esse método de tratamento, embora por vezes questionado em sua cientificidade e adaptabilidade às demandas contemporâneas, persiste como um farol no estudo da subjetividade. O método convida para uma imersão profunda nas narrativas pessoais (e secretas), a desenterrar os ecos do passado que ressoam no agora, influenciando as escolhas e reações. Em um mundo pautado pela rapidez e pela busca por soluções instantâneas, a Psicanálise se mantém como um contraponto, uma ode à lentidão necessária para a genuína transformação. A sua prática, enraizada na escuta atenta e na associação livre, oferece um espaço singular para a exploração de fantasias, sonhos e lapsos, revelando as engrenagens ocultas do psiquismo que, de outra forma, permaneceriam inacessíveis à consciência. É essa capacidade de ir além do sintoma manifesto, buscar as raízes mais profundas do sofrimento e das repetições que confere à Psicanálise sua relevância duradoura. Ela não promete curas milagrosas, mas, um processo de autoconhecimento que pode levar à liberdade subjetiva, à capacidade de agir de forma mais consciente e menos compelida por forças inconscientes.
Contudo, é imperativo que a Psicanálise não se estagne em seus próprios dogmas, sob o risco de se tornar uma relíquia histórica. O futuro da Psicanálise e, consequentemente, da mudança de comportamento, reside em sua capacidade de dialogar com as novas configurações sociais, culturais e tecnológicas. Como as redes digitais e a inteligência artificial redefinirão o inconsciente, o desejo e a própria noção de identidade? Quais são os novos sintomas da era digital e como a Psicanálise pode oferecer caminhos para desvendá-los, para além das respostas padronizadas e dos algoritmos preditivos? A proliferação de plataformas que prometem a "otimização" do self, busca incessante por engajamento e constante exposição a imagens idealizadas de felicidade e sucesso criam novas pressões e ansiedades. O sujeito contemporâneo é confrontado com uma demanda de performance constante, e o fracasso em atingir esses ideais pode gerar novas formas de sofrimento psíquico, como a Síndrome de Burnout (Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho) ou a depressão digital. Nesse cenário, a Psicanálise tem o desafio de não apenas compreender esses novos fenômenos, mas de oferecer ferramentas para desconstruir as narrativas homogeneizadoras e promover uma singularidade resistente. A mudança de comportamento, antes vista como fruto de uma elaboração intrapsíquica prolongada, é hoje também moldada por intervenções que prometem resultados rápidos, por vezes superficiais. As Terapias Cognitivo-Comportamentais (que, particularmente, eu defendo com “unhas e dentes”), por exemplo, focam na modificação de padrões de pensamento e comportamento disfuncionais, com um viés mais pragmático e direcionado. Embora eficazes em muitas situações, essas abordagens podem, por vezes, negligenciar as camadas mais profundas do sofrimento, os conflitos inconscientes que subjazem aos sintomas. O desafio que se apresenta é o de integrar a profundidade da compreensão psicanalítica com a urgência e a complexidade dos desafios comportamentais contemporâneos, sem ceder à tentação de simplificar o que é intrinsecamente complexo.
A crítica reflexiva se aprofunda ao considerar as transformações da própria subjetividade. Em uma época de hiperconectividade e fragmentação da atenção, o tempo do setting analítico, com sua exigência de recolhimento e introspecção, pode parecer um anacronismo. A imediatez das respostas e a gratificação instantânea, tão valorizadas na cultura atual, colidem com o ritmo lento e a paciência intrínsecos ao processo analítico. Como manter a relevância de uma prática que exige tempo, dedicação e um compromisso com o desconhecido, em um mundo que valoriza a eficiência e a previsibilidade (e imediatismo oriundo da impaciência)? É preciso que a Psicanálise reforce seu papel como um espaço de resistência contra a tirania do imediatamente útil e do superficialmente feliz. Os “vilões” que vociferam a utilidades das coisas e as receitas da felicidade instantânea são vários e deveras persistentes. Ela precisa reafirmar que a verdadeira mudança não é apenas uma adaptação ao externo, mas uma transformação interna que redefine a relação do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Isso implica em questionar as próprias bases da Psicanálise, não para abandoná-las, mas para reavaliar sua aplicação em um contexto em eterna mutação. A ética da escuta, a centralidade do inconsciente e a importância da transferência continuam sendo pilares inegociáveis, mas suas manifestações e interpretações precisam ser constantemente atualizadas.
Além disso, o futuro da Psicanálise e da mudança de comportamento exige um olhar crítico sobre as disparidades sociais e o acesso à saúde mental. A Psicanálise, muitas vezes associada a um público que, diante de tantas e repetidas crises econômicas, ainda consegue fazer malabarismos para dedicar uma pequena fração da renda familiar (nem tão pequena) para tal, precisa encontrar maneiras de democratizar o seu acesso, adaptando suas metodologias e sua linguagem para atender às diversas realidades sociais. Como a Psicanálise pode contribuir para a justiça social e para a redução das desigualdades psíquicas, que são inseparáveis das desigualdades econômicas e culturais? A clínica expandida, em contextos comunitários ou instituições públicas, representa um caminho promissor para levar a reflexão psicanalítica a quem mais precisa. Isso implica em um questionamento das próprias estruturas de poder dentro da Psicanálise, e na abertura para novas formas de formação e prática que se alinhem com as demandas de um mundo plural. A mudança de comportamento, nesse sentido, não é apenas um fenômeno individual, mas também um processo coletivo e político. A Psicanálise pode e deve contribuir para a compreensão das forças sociais que moldam o comportamento, para além da dimensão puramente intrapsíquica, reconhecendo a intersecção entre o singular e o coletivo.
A verdadeira crítica reflexiva, então, aponta para a necessidade de uma Psicanálise que, sem perder sua essência investigativa e sua ética do cuidado, seja capaz de se reinventar. Isso implica em um diálogo mais robusto com outras áreas do saber, como as neurociências, a sociologia e a antropologia, buscando pontes que enriqueçam a compreensão do sujeito em sua totalidade. Significa também reconhecer que a mudança de comportamento não se dá apenas no divã, mas perpassa as estruturas sociais, as políticas públicas e as relações de poder. A neurociência, por exemplo, tem desvendado os substratos biológicos do comportamento e das emoções, e a Psicanálise pode se beneficiar desses achados para aprimorar sua compreensão dos processos mentais, sem cair no reducionismo biológico. Da mesma forma, a sociologia e a antropologia podem oferecer insights valiosos sobre como a cultura e as estruturas sociais influenciam a formação do psiquismo e a manifestação dos sintomas. Eis aqui, neste ínterim, a Antropologia Psicanalítica (mas isso é papo – já expresso em texto anterior – para outro momento). O futuro da Psicanálise e de seu impacto na mudança de comportamento dependerá, certamente, da coragem do autoquestionamento, da expansão de horizontes e em continuar a oferecer, neste mundo de respostas prontas, a rara e valiosa arte de fazer perguntas. Ela deve persistir em sua tarefa de desmascarar as ilusões e as fantasias coletivas que sustentam certas formas de comportamento disfuncional, e em promover um pensamento crítico que liberte o sujeito das amarras da conformidade. A Psicanálise, nesse cenário futuro, pode se consolidar não apenas como uma terapia, mas como uma ferramenta de reflexão crítica sobre a condição humana, um farol a iluminar os caminhos da subjetividade em tempos de incerteza e transformação. Um grande desafio: ensinar os hominídeos a exercitarem a REFLEXÃO! Motivo? Só muda quem deseja mudar! Como se deseja mudar? REFLETINDO.
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